Victor Bulande – Verdade (mz), opinião
A permanência e a
acção das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e da Força de Intervenção
Rápida, que culminaram com o assalto à base da Renamo em Sathunjira e a
consequente “fuga” de Afonso Dhlakama são ilegais, segundo a sociedade civil,
que se juntou a outras vozes em repúdio à actual situação de tensão político-militar
que se vive no país.
No entender destas,
se o Governo justifica a intervenção com a necessidade de se manter ou repor a
ordem a tranquilidade públicas, não faz sentido que sejam as Forças Armadas de
Defesa de Moçambique e a Força de Intervenção Rápida a fazê-lo uma vez que este
papel cabe à Polícia da República de Moçambique.
Uma outra questão
que também as inquieta é o facto de não se saber em que situação o país está
para que fossem mobilizadas as Forças de Defesa e Segurança para aquele ponto
do país. “Não sabemos se estamos em guerra, estado de sítio ou emergência”,
referem as 20 organizações da sociedade civil, representadas por Graça Samo,
secretária executiva do Fórum Mulher, Alice Mabota, presidente da Liga dos
Direitos Humanos, e Adriano Nuvunga, director do Centro de Integridade Pública.
Em relação à tomada
da base da Renamo, em Sathunjira, onde Afonso Dhlakama tinha fixado residência
há cerca de um ano, as OSC julgam não ser possível aferir quem de facto tem
razão porque o Governo diz que o ataque e o consequente assalto à base foi em
resposta às provocações dos homens da “Perdiz”, enquanto esta diz que se tratou
de uma acção que visava assassinar o seu líder.
Mais do que apontar
culpados, elas consideram ser necessário esclarecer as circunstâncias em que as
Forças de Defesa e Segurança foram parar nas imediações do “quartel-general” da
Renamo até ao ponto de serem “provocadas” pelos seus homens.
“Se o Governo diz
que os seus militares foram atacados pelos homens armados da Renamo e
responderam, nós não temos como provar. Mas é necessário explicar o que eles
(os militares) estavam a fazer lá (em Sathunjira), o que pretendiam?”, diz
Alice Mabota, presidente da LDH, para quem os agentes das FADM e da FIR deviam
questionar os reais motivos desta acção, pois também fazem parte do povo.
“Eles deviam parar
de disparar e questionar as razões da sua ida e permanência naquele local e as
causas desta luta. Eles estão lá a defender os interesses de meia dúzia de
pessoas e não pensam nas consequências das suas acções”, sugere.
Face a este
cenário, as OSC apelam ao Presidente da República para que faça uso dos poderes
que lhes são conferidos pela Constituição da República para assegurar a
manutenção da paz, tranquilidade e ordem públicas, assim como de todos os meios
pacíficos para evitar um possível conflito armado.
Entretanto, caso a
situação se deteriore, “os membros do Conselho do Estado devem manifestar-se
contra uma eventual declaração de guerra”, que só o Chefe de Estado pode fazer,
depois de ouvir aquele órgão.
Guebuza pode
desarmar a Renamo sem usar armas
Justificando a
acção das Forças de Defesa e Segurança, o Presidente da República, Armando
Guebuza, terá dito, na província de Sofala, onde se encontrava em Presidência
Aberta, que a mesma foi em “legítima defesa” e que não podem existir no país
dois exércitos, numa clara alusão aos homens armados da Renamo.
Sobre o último
ponto, Alice Mabota defende que “o Chefe de Estado, que é também Comandante em
Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, tem condições para desarmar a
Renamo sem recorrer à violência ou às armas”, acrescenta.
Alice Mabota chama
a atenção ainda para a necessidade de o Governo não omitir ou deturpar a
informação sobre o que realmente está a acontecer no terreno, pois isso permite
que as pessoas sejam manipuladas pela comunicação social. “Nós não estamos no
terreno e ouvimos boatos. Não sabemos o que está realmente a acontecer, por
isso devemos estar atentos às manipulações da comunicação social”.
Ataque a Sathunjira
Por seu turno,
Adriano Nuvunga, director do CIP, é de opinião de que os últimos
acontecimentos, nomeadamente o impasse nas negociações e a polémica compra de
barcos, dão azo a que as pessoas pensem que o ataque à Sathunjira, que ditou a
“fuga” de Afonso Dhlakama, já vinha sendo planeado desde há muito e que o
Governo só precisava de tempo para se preparar.
“Os impasses no
diálogo ou negociações com a Renamo e a recente aquisição, pouco clara, de
barcos para a pesca de atum e patrulha marítima feita pelo Governo, através da
Empresa Moçambicana de Atum, pertencente ao Serviço de Inteligência e Segurança
do Estado, abre espaço para estas interpretações. A compra de barcos ainda não
está clara, não se sabe se são apenas barcos ou se o negócio também envolve
armamento”, diz.
Observadores
internacionais não são necessários
Adriano Nuvunga não
concorda com a atitude da Renamo, que boicotou o diálogo que vinha mantendo com
o Governo alegando que o mesmo devia incluir observadores internacionais. Para
ele, “por enquanto, não há necessidade de envolver a comunidade internacional
passados 21 anos da assinatura dos Acordos Gerais de Paz, que puseram fim a 16
anos de conflito armado. A sociedade civil moçambicana já deu provas do que
vale, e pode desempenhar esse papel”.
Tensão afasta os
eleitores das urnas
Já Graça Samo, do
Fórum Mulher, a actual tensão política pode ter efeitos contrários aos
desejados, apesar de uma das partes, neste caso a Renamo, alegar que a mesma
visa a criação de condições para o exercício de uma democracia verdadeira e
plena. “De que adianta ter eleições se as pessoas vão ter medo de ir às
urnas?”, questiona.
Refira-se que, até
agora, as negociações entre o Governo e a Renamo gira à volta do Pacote
Eleitoral. A “Perdiz” exige a paridade nos órgãos eleitorais, nomeadamente a
Comissão Nacional de Eleições e o Secretariado Técnico de Administração
Eleitoral, por entender que só assim é que os partidos políticos podem
participar em escrutínios em pé de igualdade.
Porém, o Governo
diz que tal pretensão não faz sentido porque viola a Constituição da República,
que, como diz, determina que tais órgãos sejam constituídos na base da
proporcionalidade parlamentar, para além de que o papel de alterar as leis cabe
à Assembleia da República.
O erro (do Governo)
de Guebuza
O uso do Exército
nestas operações é, segundo a Constituição da República, ilegal pois em nenhum
momento o Presidente da República ouviu o Conselho de Estado, que é o seu órgão
de consulta.
A última vez que
tal aconteceu foi aquando da marcação da data das eleições gerais de 2014, que
deverão ter lugar a 15 de Outubro.
Aliás, em Junho, o
antigo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Defesa de
Moçambique, Paulino Macaringue, tinha levantado esta questão, ao afirmar que
para a situação de Muxúnguè não havia necessidade de se envolver o Exército.
“O que está a
acontecer em Muxúngwè é a existência de homens armados que pertencem a um
partido que é signatário do Acordo Geral de Paz e que, por qualquer razão,
escapa a alçada das Forças Armadas”, disse Macaringue.
Macaringue explicou
ainda que o que está a acontecer naquela região são actos criminosos, que estão
sob alçada da Polícia da República de Moçambique, e não das Forças Armadas de
Defesa de Moçambique.
E mais: afirmou
que, caso fosse necessária a intervenção destas, tal ordem devia ser dada única
e exclusivamente pelo Presidente da República, na qualidade de
Comandante-em-Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
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