Eduardo Oliveira
Silva - Jornal i, opinião
É preciso
desarmadilhar o terreno das relações luso-angolanas
As relações entre
Angola e Portugal têm por definição uma faceta fraterna e outra de tensão
natural. Não é de estranhar que assim seja. Os laços históricos que existem
começaram por ser forjados pela imposição de uma subjugação colonial. A uma
guerra de libertação seguiu- -se uma descolonização penosa e, por fim, o
patamar de relativa normalidade foi conseguido a partir do momento em que
terminou a guerra civil e Angola alcançou a paz para entrar no de-
senvolvimento. Isso permitiu que Portugal crescesse como parceiro privilegiado,
obtendo proveitos gradualmente mais valiosos e abrindo horizontes de trabalho
para milhares dos seus nacionais.
Naturalmente, o
desenvolvimento de Angola deu origem a uma capacidade de internacionalização da
sua economia que, exactamente por causa de laços absolutamente únicos entre os
países, se dirigiu primeiro para Portugal, o qual, entretanto, também
intensificou os seus investimentos em Angola.
Há portanto uma sintonia
e um envolvimento económico que interessa sobremaneira aos dois países e aos
seus cidadãos em concreto.
Ora nos últimos
meses essa tranquilidade foi objectivamente perturbada por informações e
notícias dando conta de que há personalidades angolanas a ser investigadas pela
justiça portuguesa a partir de denúncias feitas cá por angolanos.
Seja português,
seja chinês, angolano, espanhol, coreano do Sul ou do Norte, qualquer indivíduo
tem o direito de se indignar com esse tipo de situação e com flagrantes
violações do segredo de justiça, das quais os media são os menores
responsáveis, pois não são eles que têm acesso directo ao que quer que seja.
E foi isto e só
isto que indispôs Angola e as personalidades visadas, que, legitimamente,
reagem e suscitam intervenções de Estado com base no pressuposto de inocência
até prova em contrário que é próprio da justiça justa.
Entre nós não
estamos habituados a que quem seja posto na berlinda tenha publicamente a
capacidade de reagir com meios e mecanismos de diversa ordem, inclusivamente
económicos.
Mas é evidente que
quem vê o seu nome atirado para a praça pública e cozinhado em lume brando em
função de diligências judiciais e judiciosamente mediatizadas pode não se
conformar e pode reagir, se tiver ao seu alcance meios de resposta que evitem
que tenha de se sujeitar a determinado tipo de vexames e controlos remotos de
quem quer que seja.
Este imbróglio que
vivemos tem três planos: o da justiça, que se arrasta e não resolve; o da
política globalmente falando, que por um lado procura evitar rupturas
excessivas, mas por outro incita ao confronto; e o da economia e da dimensão
humana, que procura seguir em frente em Portugal e Angola, evitando
consequências funestas e rupturas drásticas por via da dramatização de momentos
pontualmente complexos dentro de uma longa e nem sempre fácil história comum.
São poderes
independentes uns dos outros, mas é bom que haja consciência de que cada um dos
seus agentes interage directamente com os outros e tem responsabilidades acrescidas
em relação à sua singela esfera de actuação.
É pois desejável
que cada um actue com diligência, rapidez e clareza na sua área, não deixando
terrenos armadilhados no caminho dos outros, sob pena de prejudicar uma
vastíssima comunidade de dois países entrosados a tal ponto que as suas gentes
muitas vezes se confundem até não se distinguir quem é de onde.
Sem comentários:
Enviar um comentário