segunda-feira, 28 de julho de 2014

LISBOA NÃO (SOBRE)VIVE SEM LUANDA



Folha 8, 26 julho 2014

O vice-primei­ro-ministro de Portugal, Paulo Por­tas, afirmou em Luanda que Portu­gal mantém com Angola a mais “intensa” relação, admitindo que o mercado angolano, pela aposta das empresas portuguesas, ajudou o país a ultrapassar as dificuldades económi­cas.

“As relações económicas entre Angola e Portugal são fortíssimas, eu diria mesmo que não há ne­nhum outro país no mun­do com quem Portugal tenha uma relação tão in­tensa como com Angola”, afirmou Paulo Portas à chegada para a sua quarta visita à Feira Internacional (FILDA) de Luanda.

No certame estão repre­sentadas mais de 100 em­presas de Portugal, entre mil expositores prove­nientes de 39 países, sendo o contingente português o mais representativo de sempre e de maior expres­são.

O vice-primeiro-ministro destacou, a propósito des­ta feira, que o volume das trocas comerciais entre os dois países, em ambos os sentidos, atingiram em 2013 “a melhor marca de sempre” e já ultrapassam os 7.500 milhões de euros anuais.

Tendência que, ainda se­gundo Paulo Portas, se repete em 2014, com as exportações entre os dois países novamente a cres­cer. Além disso, recordou, Angola é hoje “o primeiro cliente de Portugal fora da Europa”, com 8.800 empresas portuguesas a actuarem no mercado an­golano.

Paulo Portas enfatizou que Portugal, à excepção do sector petrolífero, é “o maior investidor estran­geiro em Angola”, parti­cipando “activamente no desenvolvimento da so­ciedade e da economia” angolanas e “criando opor­tunidades para todos”. No sentido contrário, admitiu também, há “investimen­tos importantes” angola­nos em Portugal.

“O que significa que, com uma abordagem que res­peita a soberania dos dois Estados e é pragmática para obter ganhos para ambos em termos empre­sariais e económicos, a re­lação entre Portugal e An­gola é única e que só pode crescer”, enfatizou Paulo Portas.

Questionado sobre a im­portância que o merca­do angolano representou para as empresas portu­guesas afectadas pela crise financeira interna e pelas dificuldades em al­guns destinos de expor­tação dentro da União Europeia, o vice-primei­ro-ministro admitiu que África, e em especial An­gola, representou uma al­ternativa decisiva.

“As empresas portugue­sas partiram, navegaram, foram para economias emergentes. África é um dos continentes de maior potencial económico, Angola é uma potência africana. Estão aqui quase 9.000 empresas portu­guesas a trabalharem este mercado, imaginem quan­tos postos de trabalhos são defendidos pelo facto de conseguirmos aqui ex­portar o que exportámos, investir o que investimos”, concluiu.

Ainda não há muito tem­po, era então ministro dos Negócios Estrangeiros deste mesmo Governo, Paulo Portas afirmou que Portugal considerava que o fenómeno das “Primave­ras Árabes” foi provocado pela asfixia da liberdade e pela falência de regimes autoritários.

Traduzindo as afirmações de Paulo Portas, que têm obviamente leituras dife­rentes consoante os pro­tagonistas, fica a saber-se que em Angola, embora o regime autoritário de Eduardo dos Santos este­ja socialmente falido e a liberdade já nem respire, tudo é diferente.

Embora José Eduardo dos Santos esteja no poder desde 1979, sem nunca ter sido nominalmente eleito, ainda está no galarim dos bestiais e por isso merece toda a confiança, apoio, solidariedade e outras mordomias. Quando pas­sar a besta, então sim, Pau­lo Portas vai dizer que o regime angolano asfixiava a liberdade.

De facto a liberdade já não respira e o regime angola­no é autoritário, para além de desonesto. A liberda­de só existe para pensar o que o regime quer, e o regime mostra todo o seu autoritarismo e desones­tidade ao querer que os seus súbditos sejam carne para canhão.

“Muitos destes países (árabes) pedem muita in­formação a Portugal e soli­citam muitos constitucio­nalistas, muitos políticos experientes no nosso país, para lhes poderem dizer o que é que aconteceu há cerca de quatro décadas em Portugal e como é que se fez a transição de uma Constituição para outra, de um regime para outro. Nós nessa altura tivemos seis governos provisórios até chegarmos à normalidade constitucional”, disse Pau­lo Portas quando visitou a Tunísia.

Para Paulo Portas, repita­-se, foram a falta de solu­ções, a ausência de liber­dade e o poder prolongado de regimes autoritários as causas das mudanças nos países do Norte de África. Quando disse isto estaria a pensar no seu grande, em­bora recente, amigo José Eduardo dos Santos?

Seja como for, o governo português continua deses­peradamente à espera da OPA (Oferta Pública de Aquisição) do MPLA so­bre Portugal. Que importa que Angola seja de facto, que não formalmente, uma ditadura? Sim, o que é que isso importa tanto para o governo português supos­tamente social-democrata, para um vice-primeiro-mi­nistro democrata-cristão ou para um presidente da República que é um misto de nada com coisa nenhu­ma?

A única coisa que conta é o petróleo, que é um bem muito – mas muito - supe­rior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à cidadania. Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que tenha nele alguns dos seus mais latos ex­poentes.

E como Angola tem petró­leo, ninguém se atreve a perguntar a Paulo Portas se acha que Angola respeita os direitos humanos. Além disso, como não poderia deixar de ser, ele não vê o que se passa mas amplia o que gostava que se pas­sasse. Vai daí não se cansa (embora sem a mesma efu­sividade de José Sócrates) de enaltecer os méritos do regime angolano.

É claro que em Angola, tal como nos restantes paí­ses da Lusofonia, existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco de­pois, com fome. Mas, é cla­ro, morrem em português... o que significa um êxito também para Portugal.

Paulo Portas, tal como Ca­vaco Silva, Passos Coelho e José Sócrates, tem razão. O importante é mesmo os famintos e miseráveis da Lusofonia saberem dizer, em bom português, “não conseguimos viver sem co­mer”. Continuarão, como até aqui, sem comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organi­zações internacionais vão perceber o que eles dizem.

Recordam-se que, no dia 6 de Maio de 2008, o mú­sico e activista Bob Geldof afirmou, em Lisboa, que Angola era um país “gerido por criminosos”? Ele disse, mas nem Cavaco, nem Só­crates, nem Passos Coelho, nem Paulo Portas ouviram. E não ouviram porque as verdades são duras e Eduardo dos Santos, não iria gostar que eles dissessem que ouviram.




PORTUGAL E ANGOLA COOPERAM NO BRANQUEAMENTO DO BESA

O vice-primeiro-ministro portu­guês, Paulo Portas, veio cá dizer que os bancos centrais de Angola e de Portugal estão a trabalhar em con­junto na situação no Grupo Espírito Santo e ramificações nos bancos do grupo nos dois países. Em estudo estará, previsivelmente, a dose de sabão a usar para um melhor bran­queamento.

A posição do governo português foi transmitida aos jornalistas após uma audiência de quase uma hora entre Paulo Portas e o Presiden­te da República, José Eduardo dos Santos, no âmbito da visita do vice­-primeiro-ministro português.

“Eu serei naturalmente discreto so­bre essa matéria, mas sempre po­derei adiantar que os reguladores de Angola e de Portugal têm tra­balhado conjuntamente e eu confio nas medidas de estabilização que saberão encontrar”, afirmou Paulo Portas.

O Banco Espírito Santo detém 55,71 por cento do BES Angola, institui­ção bancária que segundo o próprio regulador angolano apresenta pro­blemas na carteira de crédito. For­ma simpática e já branqueada de referir as vigarices protagonizadas por altos dignitários do regime, tal como o Folha 8 revelou na edição passada.

Embora sem adiantar o teor da con­versa com José Eduardo dos Santos ou a solução técnica para o caso, Paulo disse apenas entender que a articulação em curso é um “sinal com confiança”.

Há pouco mais de uma semana o Governador do Banco Nacional de Angola (BNA) admitiu existir um “problema” na carteira de crédito do BESA, perspectivando a necessida­de de um reforço de capitais.”Há um problema nesta altura identificado com a qualidade da carteira de crédi­to do Banco Espírito Santo [Angola]. Temos operações em situação irre­gular, operações de crédito malpara­do”, disse José de Lima Massano.

O Governador foi questionado pe­los deputados da Oposição sobre os relatos de um volume de crédi­to malparado naquele banco que poderia atingir os 5,7 milhões de dólares e que terá sido alvo de co­bertura parcial por uma garantia soberana do Estado angolano.

O Governador do BNA explicou que a instituição está a ultimar a conclusão de uma avaliação à situa­ção daquele banco, mas admitiu um cenário de “reforço dos capitais por parte dessa instituição”, entre ou­tras “recomendações” do regulador angolano para “mitigar as irregula­ridades e inconformidades detecta­das” no BESA.

“Não está em causa nem a garantia dos depósitos constituídos junto do BESA nem as responsabilidades que esse banco tem perante tercei­ros. E muito menos a estabilidade do nosso sistema financeiro”, disse José de Lima Massano.

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