terça-feira, 10 de março de 2015

Portugal. ENIGMAS PRESIDENCIAIS



Inês Cardoso – Jornal de Notícias, opinião

Se Portugal vivesse ainda em regime monárquico, Cavaco Silva poderia ser eternizado com o cognome de "quebra-cabeças". Se interpretar os seus longos silêncios em períodos de turbulência, nos últimos oito anos, nem sempre foi fácil, o chefe de Estado tem apurado igualmente a habilidade para dizer o que diz não dever ser dito.

Sobre as dívidas de Passos Coelho à Segurança Social, pronunciou-se salientando que "um presidente da República de bom senso não deve entrar em lutas político-partidárias". Leitura correta, não fosse o caso de ao mesmo tempo dizer que as referidas controvérsias "já cheiram a campanha eleitoral", com isso minimizando e esvaziando a situação concreta de incumprimento por parte do primeiro-ministro.

Um presidente de bom senso também sabe que não deve indicar o perfil do seu sucessor, mas Cavaco Silva considera que os puzzles são brinquedos pedagógicos e ontem libertou algumas peças para que comentadores e jornalistas se entretenham a ver que nomes resultam do jogo. O futuro inquilino de Belém deverá ter "experiência" no domínio da política externa, bem como formação e capacidade para analisar os dossiês relevantes para o país.

Para alguns analistas, de fora do perfil traçado ficariam Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa. Mas como bons quebra-cabeças admitem várias respostas, houve também quem lesse na declaração um apoio a Marcelo - incluindo o próprio. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros achou bem ver sublinhada a importância da política externa, mas apressou-se a excluir-se do círculo de possíveis candidatos.

O que não se ouviu ninguém dizer é que a declaração de Cavaco Silva pudesse ser lida como inequívoco apelo à escolha de Rui Rio, o que é claramente uma falta de visão estratégica quanto a quebra-cabeças. Se o presidente da República esvaziou em tantos momentos do mandato as funções presidenciais, se os seus índices de popularidade caíram a níveis tão baixos e lhe faltou assertividade, parece evidente que Cavaco terá querido apontar alguém diferente de si mesmo - portanto, o contrário do que disse. Sorte que os quebra-cabeças contam pouco nas próximas eleições presidenciais.

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