Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
Se
Portugal vivesse ainda em regime monárquico, Cavaco Silva poderia ser
eternizado com o cognome de "quebra-cabeças". Se interpretar os seus
longos silêncios em períodos de turbulência, nos últimos oito anos, nem sempre
foi fácil, o chefe de Estado tem apurado igualmente a habilidade para dizer o
que diz não dever ser dito.
Sobre
as dívidas de Passos Coelho à Segurança Social, pronunciou-se salientando que
"um presidente da República de bom senso não deve entrar em lutas
político-partidárias". Leitura correta, não fosse o caso de ao mesmo tempo
dizer que as referidas controvérsias "já cheiram a campanha
eleitoral", com isso minimizando e esvaziando a situação concreta de
incumprimento por parte do primeiro-ministro.
Um
presidente de bom senso também sabe que não deve indicar o perfil do seu
sucessor, mas Cavaco Silva considera que os puzzles são brinquedos pedagógicos
e ontem libertou algumas peças para que comentadores e jornalistas se
entretenham a ver que nomes resultam do jogo. O futuro inquilino de Belém
deverá ter "experiência" no domínio da política externa, bem como
formação e capacidade para analisar os dossiês relevantes para o país.
Para
alguns analistas, de fora do perfil traçado ficariam Rui Rio e Marcelo Rebelo
de Sousa. Mas como bons quebra-cabeças admitem várias respostas, houve também
quem lesse na declaração um apoio a Marcelo - incluindo o próprio. Já o
ministro dos Negócios Estrangeiros achou bem ver sublinhada a importância da
política externa, mas apressou-se a excluir-se do círculo de possíveis
candidatos.
O
que não se ouviu ninguém dizer é que a declaração de Cavaco Silva pudesse ser
lida como inequívoco apelo à escolha de Rui Rio, o que é claramente uma falta
de visão estratégica quanto a quebra-cabeças. Se o presidente da República esvaziou
em tantos momentos do mandato as funções presidenciais, se os seus índices de
popularidade caíram a níveis tão baixos e lhe faltou assertividade, parece
evidente que Cavaco terá querido apontar alguém diferente de si mesmo -
portanto, o contrário do que disse. Sorte que os quebra-cabeças contam pouco
nas próximas eleições presidenciais.
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