Leonardo Sakamoto*
O confinamento em
pequenas parcelas de terra é uma das principais razões para a precária situação
dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul e na região Sul do país. Sem
alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores. Desde cedo.
Cerca de 98% das
terras indígenas brasileiras estão na região da Amazônia Legal. Elas reúnem
metade desses povos. A outra metade está concentrada nos 2% restantes do país. Sem
demérito para a justa luta dos indígenas do Norte, o maior problema se encontra
no Centro-Sul, mais especificamente com os guaranis no Mato Grosso do Sul – que
concentra a segunda maior população indígena do país, só perdendo para o
Amazonas. Há anos, eles aguardam a demarcação de mais de 600 mil hectares de
terras, além de algumas dezenas de milhares de hectares que estão prontos para
homologação ou emperrados por conta de ações na Justiça Federal por parte de
fazendeiros.
Ao longo dos anos,
os indígenas do Centro-Sul foram sendo empurrados para pequenas reservas,
enquanto fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras,
esparramaram-se confortavelmente. Incapazes de garantir qualidade de vida, o
confinamento em favelas-reservas acaba por fomentar altos índices de
desnutrição infantil, além de forçar a oferta de mão de obra barata. Pois, sem
alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores e muitos acabaram como
escravos em usinas e fazendas nos últimos anos. E isso quando esse “território”
não se resume a barracas de lona montadas no acostamento de alguma rodovia com
uma excelente vista para a terra que, por direito, seria deles.
Vale a leitura da
matéria de Verena Glass, da Repórter Brasil, sobre o flagra de 41 indígenas em
situação análoga à de escravos no Rio Grande do Sul:
Uma força-tarefa do
Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Publico do Trabalho e Funai
libertaram 41 indígenas kaingang – entre os quais 11 tinham menos de 18 anos –
que trabalhavam em condições análogas à escravidão em Itaimbezinho, distrito do
Município de Bom Jesus (RS). Os indígenas foram encontrados durante uma
fiscalização de rotina na atividade de raleio de maçãs em uma área arrendada
pelo empresário Germano Neukamp.
De acordo com o
procurador do trabalho Ricardo Garcia, os trabalhadores foram aliciados por um
funcionário do empresário. Nenhum indígena tinha carteira assinada, os
contratos de trabalho eram apenas verbais e por tempo indeterminado e o
pagamento – também acordado verbalmente – de R$ 40,00/dia não havia sido
efetuado regularmente, apesar de vários indígenas estarem trabalhando desde
setembro. “Quando chovia e os indígenas não podiam trabalhar e não recebiam”,
relata o procurador. O empregador também não forneceu as ferramentas de
trabalho ou quaisquer equipamentos de proteção individual.
Famílias com
crianças em condições precárias – Já as condições precárias de alojamento e
alimentação chocaram os membros da força-tarefa. Segundo a auditora fiscal Inez
Rospide, coordenadora da Fiscalização Rural no Rio Grande do Sul, que coordenou
a libertação, os alojamentos estavam em péssimas condições, havia apenas dois
banheiros para os 41 trabalhadores, as famílias (inclusive crianças) se
apertavam em espaço insuficiente, a fiação elétrica estava solta, o frio
entrava pelas frestas, a água era armazenada em garrafas pet e havia comida
estragada pelos cantos.
De acordo com
Ricardo Garcia, do MPT, o alojamento já havia sido interditado em outra
fiscalização em 2009 e, de lá para cá, só se deteriorou. “Pode até ser que os
indígenas vivem com menos conforto nas aldeias, mas aquilo era insuportável até
para um trabalhador mais rústico”, afirma o procurador.
Dos 11 indígenas
adolescentes libertados, cinco tinham entre 14 a 16 anos, e outros seis, de 16
a 17 anos. “Uma garota de 17 anos estava grávida. O pai da criança, de 15,
também trabalhava no local”, relata a auditora fiscal Inez Rospide.
Coordenador da
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), Rildo Kaingang
explica que a presença de adolescentes nas frentes de trabalho é um fator que
exige especial atenção dos empregadores, uma vez que a total ausência de
políticas públicas para as aldeias Kaingang tem forçado cada vez mais indígenas
a buscar fontes de renda em atividades nos frigoríficos e nas safras de frutas,
como maçã e uva, na região nordeste do Rio Grande do Sul.
“Para os kaingang,
um adolescente de 13 anos já está entrando na fase adulta, e os jovens acabam
seguindo o caminho indicado a eles pelos adultos. Como nas aldeias a situação é
muito precária (são quase favelas rurais, sem habitação decente nem qualquer
apoio a atividades produtivas por parte do governo), os indígenas – e também os
adolescentes – são empurrados a buscar alternativas fora. É obrigação do
empregador zelar pelo cumprimento da lei e não contratar estes jovens, que
ficam expostos a condições impróprias, como áreas com perigo de contaminação
por agrotóxicos, e outros problemas”, explica o dirigente da Arpinsul.
Após a libertação
dos indígenas, foram lavrados 17 autos de infração contra o empregador Germano
Neukamp, entre eles, a falta de sinalização das áreas tratadas com agrotóxicos,
e pagos 50% dos direitos recisórios (que totalizam R$ 54.646,32). O restante
será quitado no dia 23 de dezembro. As vítimas foram reconduzidas à aldeia na
terra indígena Monte Caseros e o MTE emitiu as carteiras profissionais de todos
os trabalhadores que ainda não as tinham, com anotação do início e fim dos
contratos de trabalho, para todos os fins, inclusive previdenciários.
Procurado pela
reportagem, até a conclusão da matéria o empresário Germano Neukamp não
retornou o telefonema nem respondeu e-mail com solicitação de entrevista.
*Em Blog do
Sakamoto
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