Tomás Vasques –
jornal i, opinião
A Direita convive
bem com questões graves e mal explicadas, como as compras e vendas de acções da
SLN, com lucros chorudos, desde Cavaco Silva a Rui Machete
1 - O
ex-primeiro-ministro José Sócrates, agora comentador num canal de televisão
(essa bizarria das televisões portuguesas de alcandorar a "comentadores
políticos" ex-dirigentes partidários, de Marques Mendes a Francisco Louçã,
mas excluindo cirurgicamente Carlos Carvalhas, ex-secretário-geral dos
comunistas), esteve no olho do furacão mediático durante a semana passada. O
pretexto para o reboliço foi, aparentemente, o lançamento de um livro - um
trabalho académico que, independentemente do interesse e da oportunidade do
tema, é maçudo e com uma argumentação afuniladamente afrancesada (que se compreende
em função da Escola em que foi apresentado o trabalho), o qual poucos se darão
ao trabalho de ler na íntegra. De facto, a verdadeira razão que levou a
comunicação social - televisão, jornais e rádios - a dedicarem a José Sócrates
grandes entrevistas, extensas notícias diárias, crónicas diversas e editoriais,
não foi a apresentação do livro, mas a figura política incontornável de José
Sócrates na vida política portuguesa e o seu recente regresso ao país e à
ribalta política através dos comentários semanais. E José Sócrates sabe isso,
melhor do que ninguém, transformando a apresentação do livro, feita com pompa e
circunstância por dois ex-presidentes, de Portugal e do Brasil, Mário Soares e
Lula Inácio da Silva, num acto exclusivamente político.
A Direita voltou a
destilar, por estes dias, o velho ódio que dispensa a José Sócrates. Nalguns
casos, regressou às batidas questões com que o perseguiram durante anos. Até a
licenciatura veio de novo à baila. Mas, notoriamente, não são estas as questões
que "incomodam" a Direita. Ela convive bem com questões de muito
maior gravidade: estranhas e mal explicadas compras e vendas de acções, com
lucros chorudos, desde Cavaco Silva a Rui Machete, que Passos Coelho convidou
para ministro dos Negócios Estrangeiros; com um conselheiro de Estado afundado
até à raiz dos cabelos no banditismo financeiro do BPN, como Dias Loureiro; com
um ministro "licenciado" através de uma fraude académica, como Miguel
Relvas, e muito mais. O que incomodou (e incomoda) a Direita foi a facilidade
com que José Sócrates entrou no eleitorado que tradicionalmente vota PSD e
CDS-PP, o que lhe permitiu obter a primeira e única maioria absoluta para os
socialistas, em 2005. E, nas eleições de 2009, já com a crise em cima da mesa e
após quatro anos a enlamear, diariamente e com voracidade, o carácter do então
primeiro-ministro, o PSD apenas subiu quatro décimas em relação a 2005,
enquanto o PCP não saía do mesmo sítio - sete por cento nas últimas três
eleições legislativas. Este ódio da Direita a José Sócrates é explicado na
literatura desde a Eneida, de Virgílio: é um amor-ódio. E quanto mais intensa é
a paixão, mais o ódio é avassalador. O próprio José Sócrates explicou isso numa
entrevista recente: "Sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter".
Agora que ele regressou, mais vale prevenir do que remediar.
2 - O ministro dos
Negócios Estrangeiros de Angola, Georges Chikoti, declarou há dias que Portugal
deixou de ser uma "prioridade estratégica" para aquele país africano,
na sequência do que já tinha dito o presidente Eduardo dos Santos, e como
represália contra a investigação judicial, que ocorre em Portugal, contra altas
figuras do Estado angolano. Na ocasião, Georges Chikoti acrescentou que o
Brasil e a China constituíam alternativas a Portugal. No dia seguinte, as
autoridades judiciais brasileiras acusavam o general angolano Bento dos Santos
Kangamba de chefiar uma quadrilha dedicada ao tráfico de mulheres e de
prostituição, emitindo a Policia Federal brasileira um mandato de captura
internacional contra o visado. Espera-se a todo o momento que o ministro dos
Negócios Estrangeiros de Angola venha excluir também o Brasil das sua
"prioridades estratégicas". Resta a Angola a China, mas sabemos que a
famosa paciência dos chineses também se esgota.
Jurista - Escreve à
segunda-feira
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