segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Portugal: UM ÓDIO DE ESTIMAÇÃO DA DIREITA

 


Tomás Vasques – jornal i, opinião
 
A Direita convive bem com questões graves e mal explicadas, como as compras e vendas de acções da SLN, com lucros chorudos, desde Cavaco Silva a Rui Machete
 
1 - O ex-primeiro-ministro José Sócrates, agora comentador num canal de televisão (essa bizarria das televisões portuguesas de alcandorar a "comentadores políticos" ex-dirigentes partidários, de Marques Mendes a Francisco Louçã, mas excluindo cirurgicamente Carlos Carvalhas, ex-secretário-geral dos comunistas), esteve no olho do furacão mediático durante a semana passada. O pretexto para o reboliço foi, aparentemente, o lançamento de um livro - um trabalho académico que, independentemente do interesse e da oportunidade do tema, é maçudo e com uma argumentação afuniladamente afrancesada (que se compreende em função da Escola em que foi apresentado o trabalho), o qual poucos se darão ao trabalho de ler na íntegra. De facto, a verdadeira razão que levou a comunicação social - televisão, jornais e rádios - a dedicarem a José Sócrates grandes entrevistas, extensas notícias diárias, crónicas diversas e editoriais, não foi a apresentação do livro, mas a figura política incontornável de José Sócrates na vida política portuguesa e o seu recente regresso ao país e à ribalta política através dos comentários semanais. E José Sócrates sabe isso, melhor do que ninguém, transformando a apresentação do livro, feita com pompa e circunstância por dois ex-presidentes, de Portugal e do Brasil, Mário Soares e Lula Inácio da Silva, num acto exclusivamente político.
 
A Direita voltou a destilar, por estes dias, o velho ódio que dispensa a José Sócrates. Nalguns casos, regressou às batidas questões com que o perseguiram durante anos. Até a licenciatura veio de novo à baila. Mas, notoriamente, não são estas as questões que "incomodam" a Direita. Ela convive bem com questões de muito maior gravidade: estranhas e mal explicadas compras e vendas de acções, com lucros chorudos, desde Cavaco Silva a Rui Machete, que Passos Coelho convidou para ministro dos Negócios Estrangeiros; com um conselheiro de Estado afundado até à raiz dos cabelos no banditismo financeiro do BPN, como Dias Loureiro; com um ministro "licenciado" através de uma fraude académica, como Miguel Relvas, e muito mais. O que incomodou (e incomoda) a Direita foi a facilidade com que José Sócrates entrou no eleitorado que tradicionalmente vota PSD e CDS-PP, o que lhe permitiu obter a primeira e única maioria absoluta para os socialistas, em 2005. E, nas eleições de 2009, já com a crise em cima da mesa e após quatro anos a enlamear, diariamente e com voracidade, o carácter do então primeiro-ministro, o PSD apenas subiu quatro décimas em relação a 2005, enquanto o PCP não saía do mesmo sítio - sete por cento nas últimas três eleições legislativas. Este ódio da Direita a José Sócrates é explicado na literatura desde a Eneida, de Virgílio: é um amor-ódio. E quanto mais intensa é a paixão, mais o ódio é avassalador. O próprio José Sócrates explicou isso numa entrevista recente: "Sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter". Agora que ele regressou, mais vale prevenir do que remediar.
 
2 - O ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Georges Chikoti, declarou há dias que Portugal deixou de ser uma "prioridade estratégica" para aquele país africano, na sequência do que já tinha dito o presidente Eduardo dos Santos, e como represália contra a investigação judicial, que ocorre em Portugal, contra altas figuras do Estado angolano. Na ocasião, Georges Chikoti acrescentou que o Brasil e a China constituíam alternativas a Portugal. No dia seguinte, as autoridades judiciais brasileiras acusavam o general angolano Bento dos Santos Kangamba de chefiar uma quadrilha dedicada ao tráfico de mulheres e de prostituição, emitindo a Policia Federal brasileira um mandato de captura internacional contra o visado. Espera-se a todo o momento que o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola venha excluir também o Brasil das sua "prioridades estratégicas". Resta a Angola a China, mas sabemos que a famosa paciência dos chineses também se esgota.
 
Jurista - Escreve à segunda-feira
 

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