segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sedes: é um “erro grave” pensar que tudo é aceitável porque o Estado está “falido”

 

Pedro Crisóstomo - Público
 
Ao reduzir as actuais pensões, o Governo corta o contrato entre o Estado e o cidadão, diz associação presidida por Campos e Cunha. Não é uma verdadeira reforma, mas “mais uma” incerteza “desnecessária”.
 
Já “ninguém confia em quase nada que seja prometido pelo Governo”, o que é “incompatível com uma saudável vivência democrática”; o ambiente é de “desconfiança em relação ao Estado de Direito”, o que é incompatível com a recuperação da economia; e a ideia de que tudo é aceitável porque o Estado está “falido” é “um erro grave”. As críticas e os alertas partem do conselho coordenador da Sedes – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, que numa tomada de posição conhecida duas semanas depois da apresentação do Orçamento do Estado para 2014 não poupa de críticas a actuação do executivo, que acusa de fazer “ameaças”, criar “ruído” e de gerar uma incerteza “absolutamente desnecessária”.
 
Num documento intitulado “Acabar com a incerteza”, a associação presidida pelo antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha faz um duro retrato do Portugal de hoje, olhando para trás e querendo olhar para a frente. Ponto de partida: a “confiança dos portugueses” está a ser minada por haver uma grande incerteza na sociedade portuguesa, “com consequências muito graves para a economia e para o bem-estar” dos cidadãos.
 
Um exemplo: “Quaisquer decisões, das mais simples, como jantar fora ou mudar de carro, até às mais complexas, como investir num projecto empresarial ou decidir ter um filho, são sistematicamente adiadas”.
 
A associação aponta o dedo aos governos dos últimos dez anos (Campos e Cunha teve uma curta passagem como ministro das Finanças no primeiro Governo de José Sócrates) e não deixa de fora de responsabilidades as instituições europeias. Mas “a ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar essa falência”, sublinha a Sedes, colocando as palavras “falido” e “falência” em itálico para as enfatizar.
 
Entretanto, acrescenta, “por erros de comunicação, políticas erráticas e decisões fora de tempo, criou-se uma incerteza absolutamente desnecessária e um ambiente de desconfiança em relação ao Estado de Direito incompatível com a recuperação da economia, do investimento e do emprego”.
 
Segundo a Sedes, um exemplo paradigmático dessa incerteza tem a ver com o corte de 10% nas pensões. “Todas as semanas escutamos anúncios de medidas que abrem novas frentes e criam medo e incerteza, como aconteceu recentemente com a questão das pensões de sobrevivência. Sem discutir se a política em causa é boa ou má, contesta-se sim a errância das decisões, a confusão dos conceitos, a impreparação das soluções, a intermitência dos anúncios, a contradição dos agentes (ministros, secretários de estado, consultores, oposição)”.
 
Mas “seja a incerteza sobre as pensões actuais e futuras, sejam as alterações bruscas de impostos, sejam as dúvidas sobre a simples data de pagamento de subsídio de férias, são inaceitáveis” por não promoverem a estabilidade, enumera.
 
O conselho coordenador da organização “não nega a necessidade da reforma com vista à sustentabilidade do sistema”, mas critica “justamente a não existência de uma reforma”, porque, diz, o Governo “retirou certeza jurídica ao sistema de pensões sem proceder a qualquer reforma visível”. A reforma de 2007 “foi profunda, teve particular cuidado em salvaguardar o Estado de Direito” e deu garantias constitucionais. Já “o argumento meramente contabilístico ou financeiro de curto prazo” que a Sedes reconhece no discurso do actual Governo não tem em conta “as consequências sociais e económicas muito negativas para muitos e muitos anos”.
 
A ideia “de que a geração em idade contributiva não terá pensões gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã”, sustenta. “Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando o exacto problema que visava resolver. Escamoteia-se, além disso, que as pensões dos reformados de há 20 anos foram pagas pelas contribuições dos actuais reformados. E cria-se uma incerteza fundamental (mais uma!) sobre o longo prazo, gerando infelicidade, mal-estar, comportamentos anormais de aforro e de aversão ao risco acima do necessário e causadores de desemprego já hoje”. E “fomentar a ‘luta’ entre gerações é uma injustiça, é perigoso e é politicamente irresponsável”.
 
Que austeridade?

A Sedes centra boa parte da sua tomada de posição na análise das opções do Governo sobre o sistema de pensões, deixando ainda outras críticas ao facto de a redução da despesa não ter sido pensada desde o início da actual legislatura. A associação reconhece a necessidade de aplicar medidas de contenção, mas diz que “há várias austeridades possíveis e várias formas de fazer uma política de austeridade”.
 
Stress, infelicidade – eis a percepção que a Sedes tem quando se fala em “medidas de austeridade, onde cada dia parecem nascer intenções de política nunca concretizadas mas que ficam a pairar como ameaça velada”.
 
Que fazer, perguntam os membros do conselho coordenador da Sedes. “Em geral, todos podemos concordar com a importância do combate ao défice público como prioridade, suportado no Estado de Direito e, sobretudo, na confiança entre instituições, cidadãos e empresas”, começam por responder. Numa frase: “É urgente reformar o Estado, reformar o sistema político, reformar a forma de fazer política, de gizar, conceber, apresentar e executar as políticas públicas”.
 
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