A Polícia Nacional
mantém encarceradas, numa mesma cela, homens, mulheres e bebés, no âmbito de
uma operação iniciada, no fim-de-semana, passado contra vendedoras ambulantes:
as chamadas “zungueiras”.
Perto de 50 detidos
partilham, em simultâneo, uma cela no Posto Policial do Marçal, em Luanda, para
onde estão a ser encaminhadas as vendedorãs ambulantes desde sexta-feira
passada.
Maka Angola soube,
junto de um oficial do referido posto, que “a polícia está a cumprir
orientações do governador de Luanda, Bento Bento”.
Segundo o oficial,
cuja identidade Maka Angola mantém sob anonimato, a suposta ordem de Bento
Bento visa eliminar a prática de venda ambulante nas artérias da cidade de
Luanda, “porque dão uma má imagem à cidade”.
Ângela André, de 39
anos, foi detida por posse de cinco bolinhos secos, na sexta-feira passada, no
Mercado dos Congolenses.
“Eu já tinha feito
o meu negócio e ia para casa com cinco bolinhos secos, quando os fiscais do
governo provincial me perseguiram. Deixei cair os bolos e fui detida sem nada”,
explicou a vendedora ambulante, mãe de quatro filhos.
“Até pessoas que
estavam apenas a fazer compras foram levadas para a cadeia pelos fiscais”,
acrescentou.
Depois de três dias
de detenção, a portadora dos bolinhos secos foi libertada na tarde de ontem.
Ângela André
contestou a política de repressão contra as vendedoras ambulantes promovida
pelo governador Bento Bento.
“Isso não vai dar
certo. O governo tinha de encontrar mercados alternativos para vendermos. Ao
invés disso, estão a dizer-nos na polícia que devemos vender apenas frente às
nossas portas de casa ou procurar outro sítio”, referiu.
“O meu marido é
segurança e ganha 25,000 kwanzas (US $250) mensais. Eu tenho de vender para
ajudar na cozinha e para arranjar-lhe dinheiro para o transporte, para ele ir
trabalhar. O salário dele não chega.”
Lúcia António,
também zungueira, foi detida por fiscais do governo provincial, no sábado,
enquanto vendia roupa no Mercado dos Congolenses. “Os fiscais dividiram a
roupa. Eles ficam com os nossos negócios.”
Segundo declarou,
Lúcia António ficará detida por mais uma noite.
“A polícia está a
fotografar-nos, a registar-nos e a ameaçar-nos que se formos detidas outra vez
seremos encaminhadas para a Cadeia de Viana e responderemos em tribunal por
crime de desobediência”, relatou a vendedora de roupa.
Um outro caso:
Fátima Luciano, de 42 anos, passou três dias de cárcere, detida junto ao
Mercado do São Paulo quando vendia couve e gimboa.
“Misturaram-nos quase
50 pessoas na mesma cela, com mães a amamentar filhos junto de homens.
Estávamos muito apertados. Depois veio o administrador do Marçal para
sossegar-nos e dizer que nos tratariam bem”, revelou Fátima Luciano.
“Deus é quem sabe
como vou sustentar os meus oito filhos. O meu marido é desempregado. O governo
não apoia, só nos castiga”, prosseguiu.
Após a libertação
do grupo de detidos de sexta-feira, várias outras vendedoras ambulantes e meras
suspeitas de exercerem essa prática foram detidas, ficando presas na cela do
Posto Policial do Marçal.
Segundo os agentes
policiais no local, a operação de “limpeza das zungueiras” continuará até novas
ordens.
Como prova da
extensão da campanha de detenções do governo provincial contra vendedoras
ambulantes, o marido de Ângela André, Vicente Ngola, reportou a detenção da sua
irmã, Serafina Vicente, ontem, 26 de Janeiro, no município de Viana. “A minha
irmã está detida porque vende iogurtes para sobreviver”, lamentou o cidadão,
depois da libertação da sua esposa.
Serafina Vicente
encontra-se detida no Posto Policial do Bita, em Viana.
Abominação e
Ilegalidades da Polícia
Salvador Freire,
presidente da organização de direitos humanos Associação Mãos Livres,
manifestou o seu repúdio e disse ao Maka Angola que a detenção de homens e
mulheres na mesma cela, por parte da polícia, constitui “um acto abominável”.
“As mulheres são
nossas mães, irmãs e filhas. A polícia tem de ter postura e noção de respeito
pela mulher. Quem deu essa ordem deve ser responsabilizado criminalmente. É um
acto ilegal”, argumentou Salvador Freire.
Sobre a detenção
das vendedoras, o advogado da Associação Mãos Livres considera ilegais os
procedimentos da polícia. “As vendedoras não são acusadas de terem cometido um
crime. Logo, mantê-las na cadeia e fotografá-las são actos de ilegalidade”,
afirmou.
Maka Angola
consultou a Lei Penitenciária (Lei n.º8/08) no que diz respeito à
compartimentação dos reclusos. Segundo a mesma, “é proibida a junção de
reclusos de sexos opostos no interior de qualquer estabelecimento prisional”.
Para além da
ilegalidade do acto, uma jurista, que preferiu não ser identificada, considerou
a junção de detidos de ambos os sexos “como um acto de violência moral e
psicológica contra as mulheres, por razões ligadas à sua própria condição
sexual”.
“O princípio da
dignidade humana pressupõe que haja limites, como o respeito da intimidade da
mulher”, referiu a jurista.
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