Tomás Vasques –
jornal i, opinião
Na sua moção a
Juventude Centrista declara "querer a Constituição sem o perfumedo 25 de
Abril", revelando que, em matéria de cheiros, lhe agrada mais a de 1933
Muitas vezes,
quando algum desalento cala fundo, nestes doces invernos, refugio-me em
memórias literárias para recuperar esperanças que se esvaem e afastar o
pesadelo de pensar que os meus netos (ou bisnetos) visitarão um dia a Igreja de
Santa Engrácia, feita Panteão Nacional, para aí prestar homenagem à que teria
sido a nossa melhor selecção de futebol de todos os tempos. Preferia que
fossem, com tal propósito, ao cemitério dos Prazeres, como milhares de pessoas
visitam o cemitério Père Lachaise, em Paris, para homenagear quem lá repousa:
Balzac, August Comte, Paul Éluard, Oscar Wild, Proust, Maria Callas, Edit Piaf,
Jim Morrison e Laurent Fignon, um admirado ciclista francês, entre muitos
outros desportistas, filósofos, escritores, poetas, compositores e músicos. Mas
rendo-me às evidências: cada país tem a dimensão que tem, porque os deputados
eleitos, unanimemente, assim querem, e só por mérito dos republicanos de Afonso
Costa, Portugal consagra a um poeta - Luís Vaz de Camões - o seu dia nacional.
Talvez por isso, me
ocorra toda a trama de "O Processo", de Kafka, quando leio um
relatório interno, da Procuradoria-Geral da República, propor escutas
telefónicas a jornalistas, a proibição de publicação de notícias ou a
realização de buscas a casa de jornalistas e às redacções dos jornais tendo em
vista "reduzir" a violação do "segredo de justiça". Os
autores do relatório não se importam de molhar o mensageiro ao sacudir a água
do capote. São muitos os casos de juízes que decidem, no segredo do seu
gabinete, uma detenção ou uma busca na casa de uma "figura pública" e
quando lá chegam têm, pelo menos, um canal de televisão a acompanhá-los. Que me
ocorra, o caso mais escandaloso foi o do juiz Rui Teixeira que assinou um
mandado de detenção de um deputado tendo, ele próprio, subido num elevador do
Palácio de São Bento com uma câmara de televisão ao seu lado. Não tendo havido
castigo para o autor deste facto (e para tantos outros), também não há crime,
presume-se, apesar de tudo o que Dostoiewsky escreveu, detalhadamente, em
"Crime e Castigo".
E, quando, nesta
ofensiva ideológica, meticulosa e ressabiadamente preparada, em que a direita
se empenha, vejo que João César das Neves escreve o que o nosso
primeiro-ministro pensa (e disse umas vezes), ou seja, que o actual surto de
saída de portugueses, já superior àquele dos malfadados anos sessenta do século
passado, "alivia a taxa de desemprego e promove a situação dos que partem
e beneficia os países de destino com excelentes colaboradores", não sei se
lembre John dos Passos, se Alberto, o estudante de Direito, desempregado,
personagem de "A Selva", de Ferreira de Castro, que por orgulho e
dignidade foi atirado para o seringal. Esta gente esconde que a mobilidade
voluntária é um direito, enquanto a emigração forçada é uma exclusão: da
família, dos amigos, da pátria.
Finalmente, ao ler
a moção da "juventude popular" ao congresso do CDS- -PP só me ocorreu
o título de uma obra de Mário Cesariny, com todo o respeito pelo autor:
"Titânia - História hermética em três religiões e um só deus verdadeiro
com vistas a mais luz como Goethe queria". O texto dos jovens centristas é
surreal, mas vai ser aprovado neste congresso de um partido que nos governa. No
seu conjunto, está eivado de "um só deus verdadeiro com vistas a mais
luz", como se a queda do último governo correspondesse à queda do muro de
Berlim: "A opção pelo socialismo matou aos poucos a nossa liberdade e
conduziu-nos à miséria" ou "Queremos a nossa constituição sem o
perfume do 25 de Abril", como se o CDS-PP não tivesse integrado 3 governos
na última década. Mas, a cereja em cima do bolo desta moção é a proposta de que
"o ensino obrigatório devia recuar para o 9.o ano de escolaridade",
em vez do actual 12.o ano. E isto ligado à proposta do
"cheque-ensino" dá todo um programa destes "jovens"
liberais - assim se assumem - a fazer lembrar as páginas de "Dinossauro
Excelentíssimo", de José Cardoso Pires. Como escreveu, em tempos, Maria
Filomena Mónica, para o salazarismo, o analfabetismo era uma virtude, como
ficou claro nos debates da Assembleia Nacional, em 1938.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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