segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Portugal: O REGRESSO AO PASSADO

 

Tomás Vasques – jornal i, opinião
 
Na sua moção a Juventude Centrista declara "querer a Constituição sem o perfumedo 25 de Abril", revelando que, em matéria de cheiros, lhe agrada mais a de 1933
 
Muitas vezes, quando algum desalento cala fundo, nestes doces invernos, refugio-me em memórias literárias para recuperar esperanças que se esvaem e afastar o pesadelo de pensar que os meus netos (ou bisnetos) visitarão um dia a Igreja de Santa Engrácia, feita Panteão Nacional, para aí prestar homenagem à que teria sido a nossa melhor selecção de futebol de todos os tempos. Preferia que fossem, com tal propósito, ao cemitério dos Prazeres, como milhares de pessoas visitam o cemitério Père Lachaise, em Paris, para homenagear quem lá repousa: Balzac, August Comte, Paul Éluard, Oscar Wild, Proust, Maria Callas, Edit Piaf, Jim Morrison e Laurent Fignon, um admirado ciclista francês, entre muitos outros desportistas, filósofos, escritores, poetas, compositores e músicos. Mas rendo-me às evidências: cada país tem a dimensão que tem, porque os deputados eleitos, unanimemente, assim querem, e só por mérito dos republicanos de Afonso Costa, Portugal consagra a um poeta - Luís Vaz de Camões - o seu dia nacional.
 
Talvez por isso, me ocorra toda a trama de "O Processo", de Kafka, quando leio um relatório interno, da Procuradoria-Geral da República, propor escutas telefónicas a jornalistas, a proibição de publicação de notícias ou a realização de buscas a casa de jornalistas e às redacções dos jornais tendo em vista "reduzir" a violação do "segredo de justiça". Os autores do relatório não se importam de molhar o mensageiro ao sacudir a água do capote. São muitos os casos de juízes que decidem, no segredo do seu gabinete, uma detenção ou uma busca na casa de uma "figura pública" e quando lá chegam têm, pelo menos, um canal de televisão a acompanhá-los. Que me ocorra, o caso mais escandaloso foi o do juiz Rui Teixeira que assinou um mandado de detenção de um deputado tendo, ele próprio, subido num elevador do Palácio de São Bento com uma câmara de televisão ao seu lado. Não tendo havido castigo para o autor deste facto (e para tantos outros), também não há crime, presume-se, apesar de tudo o que Dostoiewsky escreveu, detalhadamente, em "Crime e Castigo".
 
E, quando, nesta ofensiva ideológica, meticulosa e ressabiadamente preparada, em que a direita se empenha, vejo que João César das Neves escreve o que o nosso primeiro-ministro pensa (e disse umas vezes), ou seja, que o actual surto de saída de portugueses, já superior àquele dos malfadados anos sessenta do século passado, "alivia a taxa de desemprego e promove a situação dos que partem e beneficia os países de destino com excelentes colaboradores", não sei se lembre John dos Passos, se Alberto, o estudante de Direito, desempregado, personagem de "A Selva", de Ferreira de Castro, que por orgulho e dignidade foi atirado para o seringal. Esta gente esconde que a mobilidade voluntária é um direito, enquanto a emigração forçada é uma exclusão: da família, dos amigos, da pátria.
 
Finalmente, ao ler a moção da "juventude popular" ao congresso do CDS- -PP só me ocorreu o título de uma obra de Mário Cesariny, com todo o respeito pelo autor: "Titânia - História hermética em três religiões e um só deus verdadeiro com vistas a mais luz como Goethe queria". O texto dos jovens centristas é surreal, mas vai ser aprovado neste congresso de um partido que nos governa. No seu conjunto, está eivado de "um só deus verdadeiro com vistas a mais luz", como se a queda do último governo correspondesse à queda do muro de Berlim: "A opção pelo socialismo matou aos poucos a nossa liberdade e conduziu-nos à miséria" ou "Queremos a nossa constituição sem o perfume do 25 de Abril", como se o CDS-PP não tivesse integrado 3 governos na última década. Mas, a cereja em cima do bolo desta moção é a proposta de que "o ensino obrigatório devia recuar para o 9.o ano de escolaridade", em vez do actual 12.o ano. E isto ligado à proposta do "cheque-ensino" dá todo um programa destes "jovens" liberais - assim se assumem - a fazer lembrar as páginas de "Dinossauro Excelentíssimo", de José Cardoso Pires. Como escreveu, em tempos, Maria Filomena Mónica, para o salazarismo, o analfabetismo era uma virtude, como ficou claro nos debates da Assembleia Nacional, em 1938.
 
Jurista, escreve à segunda-feira
 

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