A
Sociedade Civil de Cabinda organiza, dia 14, em Cabinda, uma marcha contra a
violação dos direitos humanos e má governação. Ou seja, contra o que o regime
diz ser falso.
Orlando
Castro
Diante
do hediondo espectáculo de opressão e de desgovernação em Cabinda, a ideia de
mais uma manifestação não poderia deixar de ser oportuna. O povo de Cabinda
está há muito à espera de um processo auto sustentado de paz, de
desenvolvimento e de respeito pelos Direitos Humanos e Liberdades fundamentais.
O
propósito na marcha de 14 de Março é antes de mais nada fazer ouvir a voz do
povo sofredor de Cabinda. Vão à rua para exigir o cumprimento da lei e dos
padrões universais referentes à administração da justiça e da boa gestão
económica. E, de facto, a rua é um local privilegiado para o exercício da
cidadania.
A
manifestação é pois uma reacção contra as violações dos Direitos Humanos e o
actual modelo de governação. Ao longo destes últimos 9 anos de ilegalização da
Mpalabanda, a única Associação dos Direitos Humanos de Cabinda, a classe
política dominante esteve sempre distante da realidade de Cabinda, só se
interessando em repetir promessas políticas que não se concretizam, ao mesmo
tempo que vai pilhando as riquezas de Cabinda. Os actos protagonizados pelos
dirigentes políticos são de natureza a impedir o desenvolvimento de Cabinda
como povo.
Por
trás da máscara propagandística da imprensa estatal, que dota Cabinda de um
projecto arquitectónico de desenvolvimento bem delineado, fruto do acordo de
paz do Namibe, assinado a 01 de Agosto de 2006, estão os traumas ocasionados
pelo conflito ainda reinante em Cabinda – a anarquia das ideias e das práticas
na administração do aparelho de Estado e da Justiça, o espectro da violência e
das atitudes de censura, repressão, contrição e amnistia, a sinfonização
(menção feita ao SINFO) do espaço vital do Cabinda, as perseguições
republicanas, como nos tempos passados de partido único em que o Governo negava
formalmente os princípios de liberdades individuais e de convivência
democrática.
Na
história recente de Cabinda existem crimes de guerra que as autoridades sempre
esconderam da generalidade das populações e os seus autores mantiveram-se
impunes e alcandorados no poder. Muitos elementos das FAA e da PN assassinaram
cidadãos indefesos e violaram mulheres. Mas poucos destes, publicamente que se
saiba, foram apresentados em parada e julgados.
O
recente assassinato do jovem Cláudio Mabiala, de 17 anos, é ilustrativo. A
vítima foi atingida por disparos, na noite de 10 de Novembro de 2014, por um
agente da Polícia, cujo nome não foi revelado, quando já se encontrava sob
detenção nas mãos de um outro agente da Polícia.
Cláudio
Mabiala foi atirado para o chão, já sem vida. O acusado do crime alegou que
Cláudio estava em situação ilegal e tentou fugir das mãos da Polícia. Mas
testemunhas, que estavam no local, contestaram a versão e afirmaram que o jovem
Mabiala foi morto à queima roupa. Sob pressão dos familiares da vítima, abriu-se
um processo judicial na DPIC, que ainda se encontra em fase de instrução. Mas o
arguido continua a circular livremente na cidade de Cabinda.
No
plano económico, instaurou-se uma política de governação com contornos que se
podem classificar de mafiosos, sem regulação de controle democrático, onde os
governantes se tornaram comerciantes/empresários e os mais fracos são
trucidados ou, no mínimo, tendem a desaparecer e a riqueza se concentra e não
se reparte.
Muitos
projectos avançam em passos de cágado ou de camaleão. A este respeito, importa
sublinhar, por exemplo, que a implementação dos projectos do Porto de Águas
Profundas (1974-2015) e do Pólo Industrial do Fútila (PIF) (1997-2015) contém
tão intensa subjectividade nestes últimos 40 anos de governação em Cabinda, que
acabaram por entrar em permanente contraste com a realidade e as necessidades
urgentes do povo de Cabinda.
O
que é vergonhoso e desumano em tudo isto é fazer de Cabinda um vil instrumento
de lucro e não a estimar na proporção do vigor dos braços dos seus habitantes.
O agravante é que o caso evoluiu para a barbárie, em que quem levanta a voz
para se exprimir contra a condição alienante do povo de Cabinda é vítima de
perseguições políticas (incluindo assédio moral no local de trabalho), e o regime
não descansa enquanto não o compromete, e , se se pode dizer, não o desnatura;
e em que mesmo quem se manifesta pacificamente é reprimido com balas de
borracha, unidades caninas e helicópteros de Combate, atingindo inclusive
profissionais de informação.
Hoje
sofre-se em Cabinda por atropelo aos Direitos Humanos e às Liberdades
Fundamentais, mas também por falta de coerência na intervenção dos poderes
públicos. Embora seja responsável por mais de 65% das exportações petrolíferas
de Angola, actualmente o território de Cabinda enfrenta inúmeros problemas
sociais, entre eles o abastecimento de água, electricidade e gás; a indigência
das suas populações locais, com a mão sempre estendida nos dois Congos e o
empresariado local descapitalizado.
No
campo da saúde, Cabinda continua a ser, dramaticamente, o território pobre e
sofredor, com elevada taxa de mortalidade infantil e materna, minado pela
doença – cólera, febre tifóide, HIV SIDA, malária, tuberculose e doenças
cardíacas.
Importa
estigmatizar o cinismo dos governantes que consiste em empobrecer completamente
os habitantes de Cabinda, em particular os autóctones, privando-os dos bens de
primeira necessidade, os Direitos e as Liberdades fundamentais para depois se
apresentarem com vestes de benfeitores nas campanhas eleitorais e, assim,
assegurar o poder.
Os
horrores desta situação pedem uma resposta de protesto da Sociedade Civil. O
silêncio e a submissão nunca podem ser efectivos instrumentos na construção de
uma política progressista. Aliás, diz respeito a própria materialização
constitucional da mais sublime força pulsante da democracia, ser ouvido por
todos, e ser respeitado como tal.
Nesses
40 anos de Governação em Cabinda, os cidadãos aprenderam que têm
responsabilidades diante de Deus e dos homens e que devem ser cobrados por
elas. Mas nesses mesmos 40 anos aprenderam ainda mais que, sem liberdade e
transparência, não há Justiça, não há desenvolvimento sustentável, não há
cidadania, não há Estado de Direito Democrático, não há Dignidade Humana.
Na
história da luta cívica em Cabinda, existe um paradigma sólido: a intenção de
serem livres e justos. Se lei nenhuma pode impor a alguém virtudes que não
possui, os Cabindas sempre quiseram que aqueles que os governam almejem essa
virtude. Neste sentido, sempre reclamaram por uma governação que busque sempre
o diálogo e a correcção, que busque o cumprimento da lei e dos padrões
universais referentes à administração da justiça e da boa governação, e que se
aproxime, o mais que puder, da verdade sobre Cabinda – a identidade, a história
e os Direitos que ligam os Cabindas à sua terra.
Os
Cabindas compreendem que os homens políticos possam ter dificuldades em assumir
as exigências de uma nova ordem, bem como os seus próprios limites e defeitos.
Mas na verdade eles ganhariam se se convertessem à razão jurídica destes novos
tempos, deixando assim morrer neles os hábitos e as vicissitudes do
afro-estalinismo herdado da Primeira República, para nascerem com o povo no
mundo novo de um Estado de Direito Democrático.
Assim
sendo, acreditam que os Direitos Humanos e a boa governação são valores que
devem ser preservados de todas as maneiras. E os atropelos registados não
significam que os governantes e os elementos das FAA e da Polícia Nacional
estejam em lugar privilegiado, intocáveis, acima do bem e do mal. Nada pode
levar à tentação de fazer do crime uma virtude policial, nem tão pouco de
legislar ou governar visando a restringir os Direitos Humanos e as Liberdades
Fundamentais.
É
por isso que, no impasse criado pela situação actual a manifestação encontrou o
seu justo valor. A necessidade de manifestação impõe-se, tanto pelas falhas e
maldades do actual figurino sócio-político, quanto pela falta de uma vontade
séria de promover um diálogo social e consultas populares sobre Cabinda.
O
14 de Março será, assim, o dia de protesto contra a condição alienante, na qual
o profissionalismo político legitima o crime para assegurar a felicidade dos
poderosos do regime. Os Cabindas exigem ser respeitados na sua dignidade e nos
seus Direitos como povo. Também vão protestar contra a intolerância religiosa e
a actual governação em Cabinda própria a Estados colonizados de tipo feudal.
Isto pressupõe a exigência de uma paz duradoira fundada na Justiça e Dignidade
dos Povos.
Folha
8 (ao)
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