O
Financial Times explicou hoje as razões pelas quais o Folha 8 existe há 19 anos
e, também, os motivos desta nossa luta contínua. Escreve o jornal britânico que
Angola é uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes uma
elite indiferente ao resto da população.
Orlando
Castro
Otexto,
com o título ‘Porque o Ocidente adora um cleptocrata’, publicado no jornal
britânico, aborda o lançamento do livro “Magnificent and Beggar Land: Angola
Since the Civil War”, de Ricardo Soares de Oliveira.
O
artigo que desmonta o sistema vigente no nosso país, mais não fiz do que aqui
que nós aqui dizemos ao longo dos anos. Mas, reconhecemos, todas as ajudas para
desmascarar o regime são oportunas.
“Mesmo
pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta”,
diz o articulista, referindo com todas as letras que “os oligarcas deixam
gorjetas de 500 euros nos restaurantes da moda em Lisboa, enquanto cerca de uma
em cada seis crianças angolanas morrem antes de terem cinco anos”.
O
Financial Times refere que “esta pequena cleptocracia é aceite como uma parte
integrante do sistema ocidental” e explica que são os expatriados que fazem a
economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política
económica até aos bancos que financiam os negócios do clã Eduardo dos Santos.
“Os
oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas
britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc.”, lê-se no
jornal, que classifica o livro sobre Angola como “maravilhoso”.
O
livro, de resto, foi lançado no final da semana passada em Londres e é o
segundo da autoria de Ricardo Soares de Oliveira, um professor de Política
Africana em Oxford que também colabora com Instituto de Políticas Públicas
Globais, em Berlim.
No
texto que serve de lançamento para o livro, é feito um retrato de fortes
contrastes entre a elite e o resto da população angolana, por exemplo quando se
lê que “a clique dirigente consiste largamente numas poucas famílias de raça
mista da capital, Luanda, que considera que os cerca de 21 milhões de angolanos
negros no mato ou musseques são imperfeitamente civilizados, e com pouco desejo
para os educar”.
A
relação entre Portugal e Angola faz também parte da análise do jornalista que
assina o texto, que cita o autor do livro dizendo que “por trás de cada magnata
angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa”, que não se
preocupa com as consequências da sua gestão, “por isso os estrangeiros bombam
petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do
nada”.
Criticando
de forma directa as luxuosas viagens à Europa, os passeios entre capitais
europeias recorrendo a aviões a jacto, o artigo prossegue argumentando que a
crise económica fez com que os governos ocidentais procurassem novos negócios
sem olhar ao contexto político desses países, contando com o exemplo da
conhecida política de não interferência da China, um dos novos grandes
investidores em África na exploração de recursos naturais.
Depois
de criticar os governos ocidentais por não fazerem a distinção entre o dinheiro
dos governantes e o dinheiro dos Estados, porque afinal “eles empilham-no nos
nossos bancos e gastam-no nos nossos quadros, em cirurgias plásticas e em casas
de praia, para além de acções das nossas empresas, especialmente em Portugal”,
o artigo termina abordando a descida do preço do petróleo.
“A
elite fez a festa durante o crescimento do petróleo. O provável impacto no
regime do colapso nos preços é pouco, porque se só se está a alimentar uma
pequena percentagem do povo, 50 dólares por barril chega e sobra”.
Basta,
aliás, ver o perfil do cliente de elite angolano em Portugal, que representa
mais de 40% do mercado de luxo português. Trata-se sobretudo de homens, 40
anos, empresários do ramo da construção, ex-militares ou com ligações ao
governo. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek
Phillipe e Rolex.
Do
outro lado, aquele que não interessa aos governantes portugueses, sejam eles
Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, António Costa ou Rui Moreira, está o
perfil do povo angolano, que representa 70% da população, e que é pé descalço,
barriga vazia e (sobre)vive nos bairros de lata.
Esses
angolanos de primeira não olham a preços. Procuram qualidade e peças com o logo
visível. É comum uma loja de luxo facturar, numa só venda, entre 100 e 200 mil
euros, pagos por transferência bancária ou cartão de crédito.
Por
outro lado, de acordo com a vida real dos angolanos (de segunda), 45% das
crianças sofrem de má nutrição crónica e uma em cada quatro (25%) morre antes
de atingir os cinco anos.
Na
joalharia de luxo, os angolanos também se destacam, tanto pelo valor dos
artigos que compram como pela facilidade com que os pagam. Chaumet, Dior e H.
Stern? Sim, pois claro. O preço não é problema. Quanto mais caro melhor. Comprar
uma pulseira por 150 mil euros é como comer um pires de tremoços.
Pois
é. Em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista
dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos
petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao
regime no poder. Mas o que é que isso interessa?
Refeições?
Que tal trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos,
bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba
e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com
cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005?
Quanto
ao Povo, bem a ementa desses é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50
angolares e porrada se refilarem.
Folha
8 (ao)
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