Verdade (mz) - Tema de Fundo
Tomás Timbane,
bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, voltou a censurar, na presença
do comandante-geral Jorge Khalau, o mau desempenho e a arbitrariedade que
imperam na Polícia, e recomendou que o Alto Magistrado da Nação, Filipe Nyusi,
não se esqueça do que prometeu aquando da sua tomada de posse, designadamente o
reforço do “papel das instituições da Justiça e da Lei e Ordem para que o nosso
povo deixe de viver ciclicamente num clima de medo e de insegurança”, devido à
criminalidade, que parece ter feito o sistema capitular.
As irregularidades
nas eleições gerais de 2014, mas que, aos olhos do Conselho Constitucional
(CC), não puseram em causa o processo eleitoral; a arbitrariedade que impera em
diferentes sectores moçambicanos; o desrespeito do Estado de Direito; a
violação das normas de actuação por parte da Polícia, que infringe a regras de
presunção de inocência ao exibir publicamente detidos sem terem sido julgados;
a corrupção generalizada na Polícia de Trânsito (PT), o que concorre para a
impunidade dos infractores e o aumento dos acidentes de viação; a fragilidade
da Polícia no seu todo e o abuso de poder pela classe política são algumas
reprovações apontadas pelo bastonário da Ordem dos Advogados.
Num discurso cuja
tónica dominante foi a necessidade de se combater a arbitrariedade, na sua
radiografia à Administração da Justiça em Moçambique, o dirigente dos
causídicos moçambicanos indicou ao Alto Magistrado da Nação que “um bom lugar
para começar” um trabalho nesse sentido é na Polícia, onde “no ano passado
criticámos a violação à presunção de inocência, ao exibir detidos, que, com a
conivência dos órgãos de comunicação social, faz disso um espectáculo (...)”. E
“sem qualquer mandado detém cidadãos sem provas. Vemos detidos com sinais claros
de violência (...)”.
Segundo Tomás
Timbane, que na falava abertura do Ano Judicial, na segunda-feira (02), em
Maputo, qualquer cidadão percebe como a corrupção ganhou espaço na Polícia de
Trânsito (PT) e “como isso ajuda a aumentar os acidentes de viação. A Polícia é
um dos elos mais fracos do nosso Estado. Ela não existe para mostrar serviço,
mas, sim, para nos servir”. E, apesar, de se ter agentes da Lei e Ordem
competentes, muito trabalhadores, faltam-lhes meios.
Políticos ladrões
A arbitrariedade, de
acordo com o orador, cria espaço para que os políticos sejam livres de agir sem
os limites impostos pelo Estado de Direito e aproveitam-se do medo da reacção
dos que são lesados pelo seu comportamento. “Quando é assim, essa classe
política, não importa de que partido, vai roubar, vai atentar contra a
dignidade dos outros e vai agir incansavelmente para consolidar o seu poder
ainda mais. Ela vai esquecer outro princípio sagrado do Estado de Direito,
nomeadamente que as leis funcionam melhor para quem as respeita”.
PIC com comando
duplo
A Polícia de
Investigação Criminal (PIC) tem um comando duplo e, por isso, pouco claro
quando se trata de investigar e deter, disse o bastonário da Ordem dos
Advogados, indicando que urge imprimir reformas nesta área e assegurar que
tenha “maior autonomia, mais autoridade e mais responsabilidade. Enquanto a
subordinação bicéfala perdurar, continuaremos a assistir a conflitos
institucionais entre a Polícia e as magistraturas: enquanto a Polícia prende,
as magistraturas ordenam a soltura e a Polícia recusa-se a cumprir, num sinal
claro de insubordinação e descoordenação”.
Falta cultura de
legalidade
Em relação ao
último processo eleitoral que continua na origem das desavenças entre o Governo
e a Renamo, Tomás Timbane considerou que “há uma deficiente cultura de
legalidade democrática” em Moçambique, de tal sorte que “precisamos de pensar
num Código de Direito e Processo Eleitoral que condense toda a legislação
eleitoral” e é preciso reflectir sobre se “o processo do contencioso eleitoral
tal como está concebido não será ele próprio um impedimento a uma verdadeira
construção de um Estado de Direito democrático, pela forma pouco eficiente e
altamente burocrática como é conduzido”, bem como “se não valerá a pena
repensar todo o sistema eleitoral que, de eleição em eleição, é ele próprio
motivo de contestação”.
Não se combate a
pobreza sem legalidade
A Ordem dos
Advogados entende que o discurso sobre o combate à pobreza é até certo ponto
“oco” porque “não procuramos na defesa da legalidade o principal recurso que
pode promover esse desiderato, garantindo a dignidade de quem é objecto de
intervenção estatal (...)”. Aliás, os custos do recurso ao tribunal são enormes
e um entrave para que todos possam usufruir do que o Estado visa defender.
“Um país que
proclama o combate à corrupção como um dos seus alicerces mas que pouco faz
para o efeito, um país que não consegue ter uma justiça eficaz e eficiente não
pode assumir-se como um Estado de Direito sólido”, disse Tomás Timbane,
acrescentando que “quando o juiz legaliza uma prisão, o Ministério Público e a
PIC têm acesso ao processo, mas o advogado e o arguido nada sabem do que lá
consta e, querendo impugnar essa prisão, terão de adivinhar o conteúdo do
processo para preparar a sua posição. Isso é a mais pura arbitrariedade e uma
grave violação dos alicerces do Estado de Direito”.
Os órgãos da
Justiça são dependentes
Timbane disse ainda
que é inadiável que quando se proceder à revisão constitucional, no que se
refere à nomeação dos titulares dos órgãos de Administração da Justiça, estes
sejam dotados de independência e haja uma unificação dos conselhos superiores
das magistraturas, “sendo que os seus membros seriam nomeados e ou eleitos em
condições” para que estejam livre da influência do poder político que a todo o
custo procura estorvar o Estado de Direito democrático.
No seu discurso,
Timbane defendeu que o novo Código Penal deve ser aprovado, mas criticou o
facto de instrumentos desta natureza serem sancionados sem a consulta aos
juristas ou à própria Ordem dos Advogados.
Por sua vez,
Beatriz Buchil, Procuradora-Geral da República (PGR), disse que o judiciário se
debate com desafios globais, tais como o crime organizado e transnacional, a
corrupção, o terrorismo, o branqueamento de capitais, o tráfico de drogas e de
pessoas e os crimes cibernéticos, que se traduzem na utilização da Internet e
outras tecnologias de informação e comunicação para a exposição da vida privada
dos cidadãos.
“Defendo a
separação dos poderes”
Filipe Nyusi voltou
a dizer que será intolerante no tocante à corrupção, por ser um mal que corrói
o tecido social com graves consequências em todas as áreas do funcionamento do
Estado. A sociedade pede aos quadros de Administração da Justiça uma acção
implacável contra este mal. O magistrado, como guardião da legalidade, deve se
inabalável. O chefe de Estado afirmou que é apologista da separação dos poderes
(político, legislativo e económico) e que a sua independência não seja
abstrata.
“Não podemos
permanecer serenos quando ouvimos a população clamar por uma justiça mais
célere, justa e íntegra. É urgente que se inicie, sem condescendência, a
purificação das vossas fileiras, porque existem no vosso seio elementos que
mancham a seriedade e a dignidade da vossa classe. É preciso coragem para fazer
mudanças (...)”, disse Nyusi, para quem o povo não pode esperar mais pela
Justiça.
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