Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Vários
órgãos de Comunicação Social noticiaram que a EDP vai distribuir 1,040 mil
milhões de euros de lucros. Se esta ainda fosse uma empresa pública, esses
lucros constituiriam receita no Orçamento do Estado. Tomando como base
comparativa os gastos do Estado em rubricas importantes no ano de 2015,
conclui-se que é um montante equivalente a mais de metade da despesa da
Segurança Social em subsídio de desemprego, a cinco vezes mais que o rendimento
social de inserção ou, noutra ótica, a mais de um quarto do investimento
público. Se a EDP ainda fosse uma empresa pública, Portugal poderia não ser um
dos países da Europa com o preço da energia mais caro. Se a EDP fosse uma
empresa pública não existiriam as tais rendas excessivas de que todos falam.
Para onde vai o milhão e quarenta mil milhões? Quanto desaguará em investimento
produtivo? Quantos empregos irá criar?
Segundo
o jornal "i", desde 2010 até 2014 os gestores e acionistas da PT
levaram para casa 3,5 mil milhões de euros. Nesse mesmo período as remunerações
dos trabalhadores da empresa diminuíram 5,3%, a remuneração fixa e variável dos
administradores aumentou 19%. Se ainda fosse uma empresa pública, grande parte
destes 3,5 mil milhões de euros poderia ter sido reinvestida na empresa,
desenvolvendo-a e criando emprego e também podia ter ajudado a reforçar os
orçamentos da saúde, da educação, ou da proteção social. Em vez disso, para
onde foram os 3,5 mil milhões de euros? Esse valor é pouco menos de metade do
valor pelo qual foi vendida a PT.
Face
a estes números astronómicos ocorre a pergunta: como é possível? Como é
possível remunerar capitais de forma tão choruda, num país onde centenas de
milhares de pessoas estão a enfrentar carências violentas? Acontece porque a
"legalidade" instituída para que tudo isto seja possível deixa bem
longe a moral e a ética, porque nos conselhos de administração e
assembleias-gerais destas empresas o que conta, como critério de todas as
decisões, é a valorização, o mais elevada e rápida possível, dos detentores do
capital. As decisões que conduzem a estas imoralidades são privadas, mas os
seus efeitos atingem a vida de cada cidadão e comprometem o nosso destino
coletivo.
Este
é o inevitável resultado de opções estratégicas do capitalismo neoliberal que
nos sufoca e que, ao quebrarem todas as barreiras e limites, se transformou num
sistema económico, não de produção, mas de predação. Entretanto, a entrega de
milhões e milhões aos grandes detentores do capital não se fica por aqui. As
práticas predatórias estão nos esquemas das PPP, nos negócios das swaps que no
último ano terão acrescentado mais de 430 milhões de euros de prejuízos, nos
saques "legais" que o sistema bancário, especialista na fuga ao
Fisco, consegue fazer.
Num
Mundo em que o capital é totalmente livre de se deslocar, os detentores do
poder, para o seduzirem, estão sempre prontos a oferecer-lhe uma remuneração
maior do que a concorrência. Sempre maior, nem que para isso seja preciso
comprimir injustamente outras remunerações e restringir liberdades e direitos.
Neste
Mundo implacável, sem ética, ocorre perguntar: o que fazer? Talvez pensar em
limitar a liberdade desses capitais sem terra, antes de limitar as liberdades e
os direitos das pessoas. Talvez efetivar o direito a salários e pensões dignas.
Talvez trazer de novo à agenda a taxação sobre as transações financeiras.
Talvez fazer os capitais pagar portagem nas suas viagens, em vez de as cobrar
tão excessivas nas scut, nos impostos de trabalhadores e pensionistas, nas
faturas de energia, nas contas do telemóvel e do telefone. Talvez pensar em
acabar com privatizações sem sentido como a da TAP, e, considerar mesmo a
sério, a possibilidade de devolver à esfera pública posições determinantes na
banca e algumas grandes empresas que hoje são privadas.
Uma
economia onde o especulativo aniquila o produtivo, onde o dinheiro dos
poderosos vale mais do que os bens e serviços necessários a uma vida digna para
o conjunto dos cidadãos e em que a ética definha é uma economia capaz de matar
por mais um ponto percentual de taxa de lucro.
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