Lamia Oualalou, Rio de Janeiro – Opera Mundi
Gabriel
Zucman, da London School of Economics, estuda como a evasão fortalece a
desigualdade mundial; para ele, caso HSBC jogou luz sobre o tema
A recente divulgação da lista de nomes de mais de 100
mil correntistas da filial do banco HSBC em Genebra sacudiu o noticiário
político e econômico mundial. Rebatizadas de “Swiss Leaks”, em referência ao WikiLeaks, as informações
reveladas pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos)
mostram uma indústria de lavagem de dinheiro, intermediada por empresas offshore como
forma de fugir da fiscalização e dos altos tributos dos países de origem. Nada
de novo para os especialistas, mas, pela primeira vez, o escândalo deu enorme
visibilidade à questão da evasão fiscal, que, segundo os cálculos do economista
francês Gabriel Zucman, custa aos cofres públicos dos países do mundo todo
cerca de US$ 200 bilhões a cada ano.
Professor-assistente
na London School of Economics, Zucman tem trabalhado com o compatriota Thomas Piketty, autor do livro O capital no século XXI,
que virou referência mundial nos debates sobre desigualdade. As pesquisas de
Zucman, entretanto, se concentram na questão da evasão fiscal, que aparece como
um dos principais instrumentos da desigualdade crescente. Após quatro anos de
pesquisa, ele publicou o livro “La Richesse cachée des Nations”, com grande
repercussão — sem previsão de lançamento no Brasil, a obra já foi traduzida em
Portugal pela editora Temas e Debates sob o titulo A riqueza oculta das
nações.
Leia
a entrevista de Gabriel Zucman a Opera Mundi:
Opera
Mundi: Não é nenhum segredo que a Suíça é um paraíso fiscal para fundos
ilegais. Qual é a novidade, então, do chamado “Swiss Leaks”?
Gabriel Zucman: É algo novo, porque é a primeira vez que arquivos tão completos são roubados de um grande banco e tornados públicos. Claro que estas revelações confirmam o que já sabíamos — a enorme evasão fiscal na Suíça, o frenesi com que os banqueiros criam empresas de fachada no Panamá e nas Ilhas Cayman para permitir que seus clientes nao paguem impostos — mas estes vazamentos dão uma visibilidade ao problema muito maior.
OM:
Em que medida as descobertas feitas nas contas do HSBC sao representativas de
um problema mundial? Quanto dinheiro, na sua avaliação, está escondido assim de
maneira ilegal?
GZ: Pelos meus cálculos, cerca de 8% da riqueza mundial das famílias se encontra em paraísos fiscais. Não é que tudo seja evasão fiscal, mas estima-se que é o caso de 80% deste dinheiro. O custo para os países do mundo inteiro é da ordem de US$ 200 bilhões por ano.
OM:
Qual é a relação entre evasão fiscal e desigualdade crescente?
GZ: Geralmente, a desigualdade é medida utilizando os dados dos sistemas fiscais, mas desta forma omite-se muita riqueza. O fato de que tanto dinheiro se encontra em paraísos fiscais tem conseqüências importantes até para entender a crise da dívida na Europa. Os Estados deveriam ser, na verdade, mais ricos do que são, se a tributação fosse feita de maneira completa. Mesma coisa para os EUA, que deveriam estar numa posição fiscal muito melhor do que estão. Não por acaso, a evasão fiscal desenvolveu-se quando o Estado de bem-estar social começou a surgir na Europa. Como isto implicava taxar as fortunas, elas foram postas a salvo. Primeiro, na Suíça; depois, em Luxemburgo, e por aí vai.
OM:
A lista do HSBC que vazou é constituída por pessoas físicas. Considerando os
ativos presentes nos paraísos fiscais de maneira geral, qual é a proporção
respectiva dos indivíduos e das empresas?
GZ: A fronteira entre os indivíduos e as empresas não é muito nítida, porque pessoas físicas usam empresas de fachada para ocultar os seus bens. As transnacionais, entretanto, não escondem seus ativos na Suíça; elas usam os paraísos fiscais para mostrar lucros onde eles são menos tributados, para manipular preços de transferência intragrupo. Este é um problema de natureza diferente, mas também tão importante quanto a evasão fiscal de pessoas físicas.
OM:
A Suíça ainda é o destino preferido para esconder ativos? Que outras nações
entraram neste grupo?
GZ: A Suíça continua gerindo cerca de 30% da riqueza globaloffshore; é ainda o destino número um. No entanto, a distinção entre a Suíça, Hong Kong, Cingapura, ou Bahamas tem pouco significado: são as mesmas instituições financeiras que estão presentes em todos esses territórios e que movimentam o dinheiro de um paraíso para outro, dependendo dos ataques contra o sigilo bancário.
OM:
Durante a crise financeira, o G7 (grupo dos sete países mais industrializados
do mundo) foi muito voluntário em seu esforço para acabar com os paraísos
fiscais. Isto teve resultados? O que mudou?
GZ: Um progresso significativo foi feito desde a crise financeira. Graças aos esforços dos Estados Unidos, do G20 (o grupo das 20 maiores economias do mundo) e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a maioria dos paraísos fiscais aceitou o princípio de uma troca automática de dados bancários, que deve tornar-se realidade no horizonte 2017-2018. Antes da crise financeira, estes países não comunicavam nenhuma informação às autoridades fiscais estrangeiras; por este motivo, é um enorme passo
OM:
As grandes instituições financeiras tomaram medidas para melhorar os controles?
GZ: É muito difícil saber se as instituições financeiras têm realmente tomado medidas para limitar o risco de fraude. Ainda há, infelizmente, nessas áreas um mundo de distância entre as palavras e as ações.
OM:
Por que não houve mais avanços?
GZ: O limite do que está sendo realizado pelo G20 é que o processo depende principalmente da boa vontade dos banqueiros. Há ainda uma falta de vontade política — especialmente na Europa — para impor sanções específicas e proporcionais aos paraísos fiscais e aos bancos que se recusam a cooperar. Não é verdade que a evasão fiscal é um problema insolúvel: a partir do momento em que a fuga de capitais sai caro demais para os paraísos fiscais e as instituições financeiras, ela vai parar. Esta é essencialmente uma questão de vontade política.
Foto
Efe
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