Foi
pelos microfones da Antena 1 que a notícia entrou logo de manhã cedo na
campanha eleitoral de terça-feira: enquanto secretária de Estado, a ministra
das Finanças teria pedido à Parvalorem para mexer nas contas de modo a diminuir
o défice de 2012. Oposição carrega, Governo desvaloriza
Foi
uma investigação da rádio pública, citando fontes e documentos. A ministra
Maria Luís Albuquerque, ainda então secretária de Estado, teria ordenado à
Parvalorem, a empresa pública que ficou com os ativos tóxicos do BPN, que
mexesse nas contas de modo a diminuir o défice de 2012. Estavam em causa 577
milhões de euros, que que teriam de ser refletidos no valor do défice, e que
passaram a 420 milhões.
Na
rádio, uma fonte anónima denunciou: “Foi uma martelada que demos nas contas, as
ordens vinham de cima, atuámos dentro da margem que tínhamos"; a atual
administradora, Paula Poças, reconheceu que “é um exercício normal, que
obedeceu a procedimentos normais”, até que a própria ministra admitiu ter
questionado a empresa sobre as expectativas “demasiado pessimistas” sobre os
prejuízos de 2012, embora rejeitando qualquer espécie de manipulação de contas,
que é coisa “que não se pode pedir”.
Passos
Coelho pôs a mão por baixo e disse que a ministra não pediu coisa nenhuma e
muito menos que tenha sido feita qualquer “maquilhagem”, remetendo o assunto
para a esfera do interesse em campanha eleitoral de “encontrar coisas que podem
eventualmente ser incómodas para o governo”, o que achou “natural”.
A
verdade é que o tema tomou conta da campanha eleitoral, com os partidos da
oposição – PS, PCP e BE – a reagir e a acusar o Governo de falsidades e
truques. Eduardo Cabrita (candidato por Setúbal do PS) exigiu cedo
esclarecimentos ao Governo, metendo de caminho ao barulho as notícias que dão
nota de um ligeiro agravamento do desemprego em agosto (+0,1%), cuja taxa se
cifrou assim em 12,4%.
“Trocado
por pessoas”, esta taxa quer dizer mais 5000 pessoas no desemprego (num total
de 633 mil), na sua maioria mulheres e jovens. “As estatísticas provam que não
houve na economia nenhuma mudança estrutural”, reiterou Cabrita.
A
HORA DO AJUSTE DE CONTAS
No
almoço-comício em Setúbal, na companhia de Jorge Coelho, foi o próprio António
Costa que voltou à carga, acusando o Governo de mais “um truque” para enganar
os portugueses. “Ainda falta saber quantos truques fizeram para esconder as
contas de 2013, 2014 e 2015”, comentou ainda Costa, considerando que os enganos
contínuos são dramáticos para a credibilidade da vida política.
Já
Jorge Coelho, o homem que o partido conheceu em tempos como o “bulldozer”, o
ex-ministro de Guterres a que muitos chamavam o “bombeiro” (tantos os
"fogos" a que era chamado a apagar), não recuperou o jargão “quem se
mete com o PS leva”, mas deu quanto pôde na cabeça da coligação de direita,
relata a Cristina Figueiredo.
Arriscando
prever “uma enorme vitória” para os socialistas nas eleições de domingo (“cada
dia que passa há mais razões para termos confiança”), Coelho frisou que “o
tempo é de combate” e que, depois de ter lutado pela liberdade, pelas
liberdades, pela democracia, agora é hora de “lutar pela dignidade das pessoas
ou tudo o que foram conquistas do passado ficam em causa”. Resumiu “o momento
que estamos a viver: É a hora do ajuste de contas".
Na
segunda-feira, o líder socialista foi aos Açores, onde discursou em Ponta
Delgada a par de Carlos César. Para Costa, esta coligação e este ciclo estão
esgotados, até porque tudo o que conseguiram foi “destruir a autoestima do
país” e pôr os portugueses “em confronto”.
Esta
terça-feira, foi a vez do ex-presidente da Câmara testar a sua força na
capital, com um comício à noite no Parque das Nações.
“FALSIDADES”
SEM SURPRESA
Se
o PS acusou o Governo de truques, o PC acusou-o de mais um falhanço, até no plano
ético. Jerónimo, que andou na terça de manhã pela Parede, relata a Rosa Pedroso
de Lima, juntou o escândalo da Parvalorem mais os dados do desemprego para
falar na “manipulação” ou mesmo “tortura das estatísticas e das contas” a que o
Governo PSD/CDS “nos habituou”. “Passos e Portas dominam a arte de substituir a
verdade por esquemas”, diz Jerónimo de Sousa, para quem “as estatísticas dirão
o que quiserem”.
Porque
quanto à CDU, continuará na mesma linha “de condenar o Governo” e de assumir
que “o problema só se resolve no dia 4” com uma derrota dos atuais
protagonistas do poder.
O
Bloco de Esquerda foi quem não se mostrou surpreendido, que é como quem diz,
“ninguém tem dúvidas no país que este Governo não governou para as pessoas e
governou sempre a tentar disfarçar metas que não alcançou”, segundo Catarina
Martins. Para a líder do BE, "Maria Luís Albuquerque é tão confiável como
as contas das emissões de gases da Volkswagen”.
O
Bloco, diz o Paulo Paixão, está numa de “passagem de testemunho” abençoada pelo
ex-líder, Francisco Louçã, que ontem foi a Coimbra discursar e garantir que a
coordenadora do Bloco atingiu a maioridade. Ou seja, que Catarina Martins “é o
melhor valor que a esquerda tem”, tal como ele disse. O Bloco parece ter
ultrapassado a saída traumática do seu carismático líder e tem agora que partir
para outra, quer dizer, com outros, que por acaso até são mulheres: Catarina,
Mariana, Marisa.
“Foi
como se o velho general tivesse voltado ao campo de batalha”, relata o
jornalista, evocando a imagem do “homo troikensis” que Louçã utilizou, e
identificando às hostes quais os “votos decisivos” que é preciso captar até 4
de outubro: os abstencionistas; “os votos dos socialistas que não sabem o que o
seu partido quer”; e os eleitores que “foram enganados por PSD e CDS”.
COLIGAÇÃO
TRANQUILA: E DEPOIS DAS ELEIÇÕES?
E
a coligação? Aparentemente, esta terça-feira abrandou o passo em terras do
centro, convicta que já não vale a pena “malhar em Costa” (palavras do Filipe
Santos Costa) porque “as pessoas já perceberam”. A guardar fôlego para os dois
últimos dias, Passos Coelho evoca agora o que poderá acontecer nos partidos (no
dele e no PS) consoante o resultado das eleições.
E
aqui se cita: “Quanto muito posso perguntar-me sobre o que é que acontecerá no
PS, depois de uma mudança de liderança em que a preocupação era encontrar
alguém com competência para impedir que o Governo ganhasse as eleições. Se o
Governo ganhar, isso terá consequências quase de certeza dentro do PS”,
especulou Passos Coelho.
E
se for a direita a ser castigada? “Se o Governo e os dois partidos da coligação
forem derrotados, evidentemente qualquer um dos partidos irá avaliar essa
situação e eu próprio avaliarei essa situação. Não tenho nenhuma ambição
pessoal específica por ser presidente do PSD nem primeiro-ministro",
respondeu Passos, deixando a questão em aberto.
Tudo
isto no mesmo dia em que Mário Soares, depois de um longo tempo, retomou a sua
opinião no “Diário de Notícias para apelar ao voto no PS e reafirmar a
confiança no partido e no seu secretário-geral, António Costa. Não houvesse
alguém que começasse a ter dúvidas.
Luísa
Meireles, com fotos de Rui Duarte Silva / Luís Barra, no Expresso
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