quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Portugal. MARTELADA NAS CONTAS OU ANÁLISE MAIS OTIMISTA?



Foi pelos microfones da Antena 1 que a notícia entrou logo de manhã cedo na campanha eleitoral de terça-feira: enquanto secretária de Estado, a ministra das Finanças teria pedido à Parvalorem para mexer nas contas de modo a diminuir o défice de 2012. Oposição carrega, Governo desvaloriza

Foi uma investigação da rádio pública, citando fontes e documentos. A ministra Maria Luís Albuquerque, ainda então secretária de Estado, teria ordenado à Parvalorem, a empresa pública que ficou com os ativos tóxicos do BPN, que mexesse nas contas de modo a diminuir o défice de 2012. Estavam em causa 577 milhões de euros, que que teriam de ser refletidos no valor do défice, e que passaram a 420 milhões.

Na rádio, uma fonte anónima denunciou: “Foi uma martelada que demos nas contas, as ordens vinham de cima, atuámos dentro da margem que tínhamos"; a atual administradora, Paula Poças, reconheceu que “é um exercício normal, que obedeceu a procedimentos normais”, até que a própria ministra admitiu ter questionado a empresa sobre as expectativas “demasiado pessimistas” sobre os prejuízos de 2012, embora rejeitando qualquer espécie de manipulação de contas, que é coisa “que não se pode pedir”.

Passos Coelho pôs a mão por baixo e disse que a ministra não pediu coisa nenhuma e muito menos que tenha sido feita qualquer “maquilhagem”, remetendo o assunto para a esfera do interesse em campanha eleitoral de “encontrar coisas que podem eventualmente ser incómodas para o governo”, o que achou “natural”.

A verdade é que o tema tomou conta da campanha eleitoral, com os partidos da oposição – PS, PCP e BE – a reagir e a acusar o Governo de falsidades e truques. Eduardo Cabrita (candidato por Setúbal do PS) exigiu cedo esclarecimentos ao Governo, metendo de caminho ao barulho as notícias que dão nota de um ligeiro agravamento do desemprego em agosto (+0,1%), cuja taxa se cifrou assim em 12,4%.

“Trocado por pessoas”, esta taxa quer dizer mais 5000 pessoas no desemprego (num total de 633 mil), na sua maioria mulheres e jovens. “As estatísticas provam que não houve na economia nenhuma mudança estrutural”, reiterou Cabrita.

A HORA DO AJUSTE DE CONTAS

No almoço-comício em Setúbal, na companhia de Jorge Coelho, foi o próprio António Costa que voltou à carga, acusando o Governo de mais “um truque” para enganar os portugueses. “Ainda falta saber quantos truques fizeram para esconder as contas de 2013, 2014 e 2015”, comentou ainda Costa, considerando que os enganos contínuos são dramáticos para a credibilidade da vida política.

Já Jorge Coelho, o homem que o partido conheceu em tempos como o “bulldozer”, o ex-ministro de Guterres a que muitos chamavam o “bombeiro” (tantos os "fogos" a que era chamado a apagar), não recuperou o jargão “quem se mete com o PS leva”, mas deu quanto pôde na cabeça da coligação de direita, relata a Cristina Figueiredo.

Arriscando prever “uma enorme vitória” para os socialistas nas eleições de domingo (“cada dia que passa há mais razões para termos confiança”), Coelho frisou que “o tempo é de combate” e que, depois de ter lutado pela liberdade, pelas liberdades, pela democracia, agora é hora de “lutar pela dignidade das pessoas ou tudo o que foram conquistas do passado ficam em causa”. Resumiu “o momento que estamos a viver: É a hora do ajuste de contas".

Na segunda-feira, o líder socialista foi aos Açores, onde discursou em Ponta Delgada a par de Carlos César. Para Costa, esta coligação e este ciclo estão esgotados, até porque tudo o que conseguiram foi “destruir a autoestima do país” e pôr os portugueses “em confronto”.

Esta terça-feira, foi a vez do ex-presidente da Câmara testar a sua força na capital, com um comício à noite no Parque das Nações.

“FALSIDADES” SEM SURPRESA

Se o PS acusou o Governo de truques, o PC acusou-o de mais um falhanço, até no plano ético. Jerónimo, que andou na terça de manhã pela Parede, relata a Rosa Pedroso de Lima, juntou o escândalo da Parvalorem mais os dados do desemprego para falar na “manipulação” ou mesmo “tortura das estatísticas e das contas” a que o Governo PSD/CDS “nos habituou”. “Passos e Portas dominam a arte de substituir a verdade por esquemas”, diz Jerónimo de Sousa, para quem “as estatísticas dirão o que quiserem”.

Porque quanto à CDU, continuará na mesma linha “de condenar o Governo” e de assumir que “o problema só se resolve no dia 4” com uma derrota dos atuais protagonistas do poder.

O Bloco de Esquerda foi quem não se mostrou surpreendido, que é como quem diz, “ninguém tem dúvidas no país que este Governo não governou para as pessoas e governou sempre a tentar disfarçar metas que não alcançou”, segundo Catarina Martins. Para a líder do BE, "Maria Luís Albuquerque é tão confiável como as contas das emissões de gases da Volkswagen”.

O Bloco, diz o Paulo Paixão, está numa de “passagem de testemunho” abençoada pelo ex-líder, Francisco Louçã, que ontem foi a Coimbra discursar e garantir que a coordenadora do Bloco atingiu a maioridade. Ou seja, que Catarina Martins “é o melhor valor que a esquerda tem”, tal como ele disse. O Bloco parece ter ultrapassado a saída traumática do seu carismático líder e tem agora que partir para outra, quer dizer, com outros, que por acaso até são mulheres: Catarina, Mariana, Marisa.

“Foi como se o velho general tivesse voltado ao campo de batalha”, relata o jornalista, evocando a imagem do “homo troikensis” que Louçã utilizou, e identificando às hostes quais os “votos decisivos” que é preciso captar até 4 de outubro: os abstencionistas; “os votos dos socialistas que não sabem o que o seu partido quer”; e os eleitores que “foram enganados por PSD e CDS”.

COLIGAÇÃO TRANQUILA: E DEPOIS DAS ELEIÇÕES?

E a coligação? Aparentemente, esta terça-feira abrandou o passo em terras do centro, convicta que já não vale a pena “malhar em Costa” (palavras do Filipe Santos Costa) porque “as pessoas já perceberam”. A guardar fôlego para os dois últimos dias, Passos Coelho evoca agora o que poderá acontecer nos partidos (no dele e no PS) consoante o resultado das eleições.

E aqui se cita: “Quanto muito posso perguntar-me sobre o que é que acontecerá no PS, depois de uma mudança de liderança em que a preocupação era encontrar alguém com competência para impedir que o Governo ganhasse as eleições. Se o Governo ganhar, isso terá consequências quase de certeza dentro do PS”, especulou Passos Coelho.

E se for a direita a ser castigada? “Se o Governo e os dois partidos da coligação forem derrotados, evidentemente qualquer um dos partidos irá avaliar essa situação e eu próprio avaliarei essa situação. Não tenho nenhuma ambição pessoal específica por ser presidente do PSD nem primeiro-ministro", respondeu Passos, deixando a questão em aberto.

Tudo isto no mesmo dia em que Mário Soares, depois de um longo tempo, retomou a sua opinião no “Diário de Notícias para apelar ao voto no PS e reafirmar a confiança no partido e no seu secretário-geral, António Costa. Não houvesse alguém que começasse a ter dúvidas.

Luísa Meireles, com fotos de Rui Duarte Silva / Luís Barra, no Expresso

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