domingo, 14 de outubro de 2018

Departamento de Estado desvenda seus planos para garantir a supremacia global dos EUA


Sergey Latyshev

Ao falar no Comité de Relações Exteriores do Senado, o secretário de Estado adjunto para a Europa e Eurásia, Wess Mitchell, declarou que os EUA estão a punir a Rússia porque Moscovo impede Washington de estabelecer controle sobre a Eurásia de modo a restaurar a sua supremacia mundial... 

Os EUA, finalmente, admitiram abertamente porque lutam contra a Rússia e que não aceitarão nenhum outro resultado no atual confronto com Moscovo senão a sua capitulação, porque a supremacia mundial dos EUA é impossível sem o controlo total sobre a Eurásia, que atualmente não têm.

Tudo isso não são conjeturas dos "teóricos da conspiração" ou "propaganda de Putin", mas a quinta-essência da política dos Estados Unidos, tal como afirmado pelo secretário de Estado adjunto para a Europa e Eurásia Wess Mitchell no seu discurso perante os membros da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

Mitchell explicou aos senadores que o financiamento ao Departamento de Estado depende no essencial da política dos EUA em relação à Rússia. Ele qualificou o "reconhecimento de que a América entrou num período de grande competição de poder" como "o ponto de partida da Estratégia Nacional de Segurança", tendo enfatizado que os governos anteriores não estavam suficientemente preparados para isso e não prepararam o país para vitória nesta competição.

O alto representante do Departamento de Estado enfatizou ainda: "Ao contrário das hipóteses otimistas dos governos anteriores, a Rússia e a China são concorrentes sérios que estão a construir os recursos materiais e ideológicos para contestar a primazia e a liderança dos EUA no século XXI".

Depois disto Mitchell detonou uma bomba. No entanto, isto apenas será uma surpresa para aqueles que não compreenderam ainda que a Rússia já foi envolvida num estado de guerra híbrida ativa com os EUA: 

"Ela (a Rússia) continua a estar entre os principais interesses de segurança nacional dos Estados Unidos impedir o domínio da massa terrestre eurasiática por poderes hostis".

Neste ponto Mitchell detonou uma bomba atómica com terríveis consequências destrutivas, não apenas uma bomba comum.

Em primeiro lugar, o estabelecimento do controle total sobre a Eurásia é declarado como a tarefa mais importante para os EUA. Uma reivindicação é feita para a obtenção de uma vitória clara da civilização do Mar sobre a civilização da Terra, centro e único pilar de apoio da Rússia. Em segundo lugar, Washington abertamente declara a prioridade das exigências mais estritas da geopolítica no sentido mais catastrófico (O Mar deve inundar a Terra) acima de quaisquer trivialidades de direitos humanos usadas na "diplomacia pública".

Em terceiro lugar, um desafio é lançado à própria existência da Rússia – ela apenas pode cessar o seu domínio na sua própria área geográfica de existência, sendo fragmentada ou dividida em pequenos Estados fantoches. Em quarto lugar, a Rússia é qualificada de país "hostil". Isso implica que a guerra híbrida foi declarada há muito tempo e que os EUA tentarão, como Mitchell observou antes, vencer. Assim, ele reconheceu que as tentativas de Moscovo de chegar a um acordo com Washington podem ser bem-vindas apenas se forem uma capitulação.

Enfim, finalmente, e em quinto lugar, a menção de Mitchell de "poderes hostis" no plural só pode significar que ele quis subentender o aliado estratégico da Rússia – a China, a única potência independente na periferia da Eurásia. Os EUA consideram a China seu principal concorrente económico e ameaça militar, que em alguns aspetos é tão poderosa quanto a ameaça russa, e a longo prazo ainda mais perigosa. Assim, "impedir o domínio" também da China nos espaços abertos da Eurásia implica o mesmo cenário que para a Rússia: desmantelar o Império Celeste atraindo alguns países para o cuidado e favor de Washington, e que não tenham quaisquer reivindicações geopolíticas.

Esta é a escala em que as coisas estão.

Devemos nos preparar para a terceira guerra mundial? 

Em termos gerais, o que quer que se faça, Mitchell declarou que os EUA se preparam para um conflito universal, uma nova guerra mundial, e "o objetivo central da política externa do governo é preparar a nossa nação para enfrentar esse desafio, fortalecendo sistematicamente os fundamentos militares e políticos do poder americano". O caminho para a vitória é a destruição da Rússia, contra a qual é necessário, de acordo com o plano do Departamento de Estado, submeter e unir vizinhos da Rússia e vassalos americanos na Europa para dançarem segundo a música de Washington.

A diplomacia, de acordo com Mitchell, é um elemento menor nas relações com a Rússia, que, a propósito, círculos influentes em Moscovo teimosamente se recusam a reconhecer, acalentando a ilusão de "fazer um acordo" com Washington sobre algo além da capitulação. O alto representante do Departamento de Estado designou claramente que "nossa política para com a Rússia procede do reconhecimento de que, para ser eficaz, a diplomacia dos EUA deve ser apoiada por poder militar inigualável e totalmente integrado com nossos aliados e todos os nossos instrumentos de poder".

Mitchell gabou-se de que, no último ano e meio (quando, acrescentamos, o "agente russo" Donald Trump já estava sentado na Casa Branca), os EUA obtiveram dos aliados da NATO um aumento de 40 mil milhões de dólares em gastos militares e "alcançados virtualmente todos os objetivos políticos" nesse sentido, incluindo o estabelecimento no âmbito da aliança do Atlântico Norte de dois novos Comandos, a implementação de preparações híbridas de guerra e "grandes iniciativas plurianuais para fortalecer a mobilidade, a prontidão e a capacidade da aliança". Aqui, obviamente trata-se de poder ofensivo e não defensivo. E não diz respeito apenas aos países da NATO.

A linguagem de Mitchell revela que os EUA consideram a sua política em relação à Rússia em termos militares: "Nós colocamos particular ênfase em reforçar os Estados da linha de frente da Europa que são mais suscetíveis à pressão geopolítica russa. Na Ucrânia e na Geórgia, levantamos as restrições do governo anterior à aquisição de armas defensivas para resistir à agressão territorial russa". O Cáucaso, a região do Mar Negro, até mesmo a Europa Central são chamadas por Mitchell de zonas de combate geopolítico contra a Rússia, competindo "por corações e mentes".

E aqui o Departamento de Estado dos EUA, de acordo com as suas declarações, encontra-se na linha de frente: todas as 50 missões diplomáticas americanas na Europa e na Eurásia "desenvolvem, coordenam e executam planos de ação sob medida para repelir operações de influência russa nos seus países anfitriões". A este respeito, os Balcãs mereceram uma menção especial, onde "a diplomacia americana desempenhou um papel de liderança na resolução da disputa pelo nome entre a Grécia e a Macedónia e está-se empenhando com a Sérvia e o Kosovo para impulsionar o diálogo liderado pela UE".

É improvável que pessoas sérias tenham sequer a menor dúvida sobre a quem se deve a crise nas relações entre a Rússia e a Grécia, e que não foram de modo algum diplomatas russos que tentaram romper o entendimento mútuo entre Atenas e Skopje e que "subornaram" alguém, por vezes usando para esse propósito "espiões em sotaina". A representante oficial do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova , por exemplo, apontou diretamente para os americanos por terem sido os criadores do escândalo diplomático, declarando: "nós sabemos". E agora foi também Mitchell quem confirmou ter sido o Departamento de Estado que fez tudo, e não o desprezível primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, que simplesmente correu para o lado dos inimigos da Rússia.

Derrotar a Rússia economicamente 

"Em paralelo" com esses esforços destinados a abalar a Rússia, segundo Mitchell, os EUA levam a cabo toda uma série de ações de natureza económica: 217 entidades físicas e jurídicas russas estão sob sanções, seis missões diplomáticas fechadas, "60 espiões foram removidos do solo dos EUA" com o Departamento de Estado "estreita e efetivamente coordenado com os aliados europeus". Aliás, a propósito, Mitchell admitiu involuntariamente por que motivo os serviços secretos anglo-saxónicos precisavam do "caso Skripal" e quem organizou esta provocação.

O alto representante do Departamento de Estado expressou satisfação com o curso da guerra económica contra a Rússia: "em média, as empresas russas sancionadas" perdem cerca de um quarto de sua receita operacional, a avaliação total de ativos de uma empresa cai uns 50% e é assim obrigada a reduzir o seu pessoal num terço. De acordo com as estimativas de especialistas do Departamento de Estado dadas por Mitchell, "nossas sanções, cumulativamente, custaram ao governo russo dezenas de milhares de milhões de dólares além do impacto mais amplo nos sectores estatais e o efeito inibidor das sanções dos EUA na economia russa." Mitchell deu a situação da empresa RUSALl e também dos ataques ao rublo russo, que perdeu fortemente por esse motivo, como um exemplo de êxito na guerra híbrida contra a Rússia.

Vamos esmagá-los até capitularem 

No entanto, se a Rússia parar de resistir à expansão dos EUA na Eurásia – em primeiro lugar, na Ucrânia – parar de combater a política dos EUA na Síria – que Mitchell caracterizou como "agressão russa", então agitaremos a bandeira branca, então a América estará pronta para negociar a capitulação: "Mas em todas essas áreas, cabe à Rússia, não à América, dar o próximo passo. A nossa política permanece inalterada: imposição constante de custos até que a Rússia mude de rumo".

Há alguns momentos ainda mais curiosos no discurso de Mitchell. Ao argumentar sobre a política da Rússia, mas sem ter a oportunidade de saber em que ela realmente consiste, ele atribui a lógica americana e seus métodos de política externa às ações de Moscovo.

Auto-exposição 

Aqui estão algumas citações: 

"Nossa estratégia é animada pela constatação de que a ameaça da Rússia evoluiu para além de ser simplesmente uma ameaça externa ou militar; inclui operações de influência descarada sem precedentes, orquestradas pelo Kremlin (na realidade Washington, nota do autor) no solo de nossos aliados e mesmo aqui nos Estados Unidos".

"A ameaça de operações de influência russa existia muito antes da eleição presidencial de 2016 e continuará muito depois desse ciclo eleitoral, ou do próximo, ou do próximo. Como os recentes expurgos do Facebook revelam, o Estado russo promoveu vozes marginais na esquerda política, não apenas na direita, incluindo grupos que defendem a violência, a invasão de prédios federais e a derrube do governo dos EUA.

A Rússia fomenta e financia causas polémicas – e depois fomenta e financia as causas opostas a essas causas. A tese de Putin é que a Constituição Americana é uma experiência que fracassará se for contestada de maneira correta a partir de dentro. Putin quer desmembrar a República Americana, não a influenciar uma eleição ou duas, mas a inflamar sistematicamente as linhas de fracturas que existem em nossa sociedade".

Tendo acusado a Rússia moderna de usar métodos "bolcheviques" e "soviéticos" no impasse geopolítico com os EUA, Mitchell fez de Putin o "pai" da política externa dos EUA desde há algum tempo: "uma estratégia de caos para efeito estratégico".
Obrigado, sr. Mitchell, pela sua franqueza

Na generalidade, vale a pena ser grato a este eminente funcionário do Departamento de Estado. Mitchell não apenas delineou os propósitos da política externa dos EUA, mas também revelou os métodos que Washington pretende usar para colocá-los em prática. Ele mostrou a todos os que estão dispostos a encarar a verdade de frente o perigo assustador que os EUA representam para o resto do mundo e, em primeiro lugar, para a Rússia.

Ver também: 
  A supremacia militar perdida dos EUA

A versão em inglês encontra-se em thesaker.is/...
e o original (em russo) em cont.ws/@sensei/1049508

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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