quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Portugal: GOVERNAR CONTRA O PAÍS

 

António Galamba – jornal i, opinião
 
Nada apaga a realidade concreta e insustentável dos portugueses que estão a ficar para trás. Não há foguetório a 17 de Maio que justifique tamanha falta de humanismo
 
Há um traço de contradição permanente que marca a governação da maioria PSD/CDS, sempre pontuada pela lógica negativa de não olhar aos meios para tentar atingir determinados fins.
 
As contradições começaram logo após a eleição, com os cortes nos salários e nos subsídios de férias e de Natal, quando em campanha eleitoral asseguraram que não seria necessário "em Portugal cortar mais salários nem despedir gente para poder cumprir um programa de saneamento financeiro". Chegaram a afirmar que mexer no subsídio de férias era "um disparate". Viu-se.
 
Incoerência quando se desmantela a rede consular que presta apoio aos portugueses residentes fora do território nacional e se aponta a emigração como caminho para a falta de oportunidades em Portugal.
 
Incoerência quando se corta na educação, na investigação e na inovação e se tem um discurso de defesa das exportações.
Incoerência quando se corta nas bolsas de investigação e se deixa sair do país milhares de jovens qualificados e depois querem que o Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI) alicie estrangeiros "de elevado potencial" a virem para Portugal.
 
Incoerência quando, por preconceito, o ministro Crato abandona o projecto do computador português Magalhães, preferindo distribuir numa escola computadores Samsung, que são a concorrência portuguesa na Venezuela, pondo em risco as exportações da diplomacia económica do Dr. Portas.
 
Incoerência quando o primeiro-ministro e os seus acólitos vão alternando dispensas dos contributos do Partido Socialista e chumbos de propostas no parlamento, com apelos lancinantes ao diálogo e ao compromisso em torno da sua visão de cortes cegos.
 
Há mais de dois anos e meio que PSD e CDS governam numa espécie de buraco negro. Há um passado que é desculpa para os fracassos do presente e um futuro em que tudo será menos mau.
 
Há mais de dois anos e meio que a maioria insiste numa lógica de divisão dos portugueses, os que ainda trabalham no sector privado contra os que ainda trabalham no sector público; os jovens desempregados e sem perspectiva de Estado social no presente e no futuro contra os menos jovens ou os que não têm algo mas gostavam de ter, contra os que têm. Pôr uns portugueses contra outros até pode gerar a inveja e o sentimento de pretensa justiça que suscita a adesão de uns e a oposição de outros, mas nunca mobilizará os portugueses.
 
Há mais de dois anos e meio que se afirma que a consolidação das contas públicas deveria ter subjacente políticas concretas para o emprego e o crescimento económico. A maioria, que sempre apostou na cultura do negativismo, da divisão e dos cortes cegos, exulta agora por qualquer sopro positivo que surja. Nas exportações, pelo peso dos combustíveis no seu aumento, até parece que descobrimos petróleo, mas é "apenas" a refinaria de Sines a funcionar. Na diminuição do desemprego, omite-se a emigração de mais de 240 mil portugueses e o facto de a maior parte do emprego criado ser relativo a ocupações de uma a dez horas semanais.
 
O desespero da maioria em mostrar--se o bom aluno e da Europa em ter um bom exemplo até pode mascarar os fracassos no défice, na dívida, no desemprego e as consequências trágicas da estratégia de empobrecimento de Portugal, mas nada apaga a realidade concreta e insustentável dos portugueses que estão a ficar para trás. Não há foguetório a 17 de Maio que justifique tamanha falta de humanismo.
 
Político (PS) - Escreve às quintas-feiras
 

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