quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Portugal: O ano em que Cavaco se tornou o perfil presidencial preferido de Passos

 

Rita Tavares – jornal i
 
Três anos depois da reeleição, Presidente da República volta à “cooperação estratégica” com São Bento – saída da troika oblige
 
Há um ano estaríamos longe de imaginar que o país político pudesse dar a volta que deu, a começar pelo estado das relações institucionais a partir de Belém. Se até então a proximidade entre o Presidente e o líder do PS era assunto para arrepiar os mais inveterados socialistas, a dada altura a reviravolta foi total. Ao fim de quase três anos de cooperação, a crise política acabou por meter Cavaco Silva e Passos Coelho no mesmo barco e fez com que, nas intervenções presidenciais, o discurso mais crítico da “espiral recessiva” fosse substituído pelo apoio claro ao caminho seguido pelo executivo.
 
E o volte-face teve uma data: 6 de Abril de 2013. Ogoverno viu chumbadas pelo Tribunal Constitucional quatro normas do Orçamento do Estado para esse ano (um dos pedidos de fiscalização sucessiva tinha partido de Belém), o PS tinha apresentado uma moção de censura dias antes, Passos vai a Belém e sai com um comunicado do Presidente a expressar confiança no governo. “O Presidente da República reitera o entendimento de que o governo dispõe de condições para cumprir o mandato demo-crático em que foi investido”, dizia Cavaco Silva. Foi o anticlímax para a oposição. Apesar de todo o argumento presidencial pró-estabilidade política, um segundo chumbo de um Orçamento do Estado era visto como uma janela aberta para conseguir antecipar eleições.
 
Mas foi nessa altura que Belém e São Bento alinharam no objectivo que o calendário aproximava no tempo: o fim do programa de ajustamento. Valesse as voltas políticas que valesse. Aliás, naquele mesmo comunicado, o chefe de Estado mostrava valorizar o “empenho [do governo] em que sejam honrados os compromissos internacionais assumidos e em que sejam alcançados e preservados os consensos necessários à salvaguarda do superior interesse nacional”. Foi neste mesmo raciocínio que assentou o seguro que Cavaco Silva renovou ao governo perante a dupla demissão do Verão (Vítor Gaspar e Paulo Portas) e a consequente longa crise política. Nessa altura, ainda tentou “um compromisso de médio prazo” que envolvesse pelo menos os partidos do arco da governação: “Não tendo sido possível alcançar um com-promisso de salvação nacional, considero que a melhor solução alternativa é a continuação em funções do actual governo, com garantias reforçadas de coesão e solidez da coligação partidária até ao final da legislatura.”
 
A preferência última foi sempre conservar o actual executivo, mantendo o seu “muito pouco apetite para utilizar a bomba atómica [dissolução da Assembleia da República]”. E a partir deste momento houve até direito a declarações públicas de apoio à governação. A última veio na mensagem de ano novo deste ano, em que o Presidente não só entendeu não enviar o Orçamento deste ano para o Constitucional, como ainda o classificou como “instrumento essencial” para o país concluir o programa de ajustamento.
 
Da parte do primeiro-ministro ouviu o elogio, expresso na moção que leva ao congresso do PSD no final de Fevereiro: “Aníbal Cavaco Silva tem encarnado uma visão do papel do Presidente da República em que o PSD globalmente se revê.” Aliás, foi até o seu álibi na recente polémica com Marcelo Rebelo de Sousa, depois da descrição do perfil presidencial que deseja, rejeitando “um cata-vento de opiniões erráticas”: “Nós traçámos um perfil de candidatura para a Presidência da República muito em torno daquilo que tem sido o entendimento demonstrado pelo actual chefe de Estado no exercício das suas funções.”
 
É verdade que este foi o mesmo Presidente que no Verão apresentou as eleições já em 2014 como cenoura em frente do nariz da oposição, em troca do “compromisso de salvação nacional”.A aproximação do fim do ajustamento acabou por ser o seguro de Passos em Belém neste último e conturbado ano.
 

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