sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Portugal: O PECADO ORIGINAL DE PEDRO PASSOS COELHO



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

O mandato do Governo está a chegar ao fim e a pré--campanha para as eleições legislativas que terão lugar no próximo ano tornou-se a sua única preocupação. Nem de outra forma se explica a precipitação desastrosa que ditou a extinção do BES e a demissão do Conselho de Administração recém-nomeado para o novo banco que o substituiu, seguida da nomeação de novo administrador com perfil mais adequado à urgência da sua alienação a qualquer preço. Não importa que os custos desta criminosa leviandade fiquem a cargo, como hipocritamente gosta de dizer, dos contribuintes e das gerações futuras, desde que se arrume este empecilho antes do início da próxima campanha eleitoral. Mais um episódio, enfim, a confirmar que este Governo não tem projeto, para além da sua própria sobrevivência, nem prossegue qualquer intuito reformador, ao contrário das promessas demagógicas que lhe valeram uma vitória eleitoral nas legislativas de 2011. Para além da degradação das condições de trabalho, da rotura dos serviços públicos, da falência das empresas, do desemprego, do empobrecimento generalizado e do agravamento da dívida, qual é a herança que nos lega Pedro Passos Coelho? Que reformas levou a cabo na Administração Pública, no aparelho de Estado, no sistema político, para eliminar os tão deplorados desperdícios e garantir a sustentabilidade dos encargos públicos?

Em primeiro lugar, o primeiro-ministro pretendeu responsabilizar exclusivamente a anterior governação socialista pelo descalabro financeiro do país. Evidentemente, a teimosia de José Sócrates em prosseguir, embora com a solidariedade do diretório europeu, a missão impossível de governar em condições extremas sem o respaldo de uma maioria parlamentar, facilitou os planos da Oposição, como se viu. Sócrates desperdiçou a derradeira oportunidade de se demitir, oferecida pelo discurso agressivo do Presidente da República eleito, no ato de tomada de posse. As consequências nunca teriam tido tão perversas como aquelas que amargamente experimentamos nestes últimos três anos. Acresce que a nova direção socialista de António José Seguro, na tentativa de alijar a herança do antecessor, contribuiu objetivamente para dar algum crédito à justificação míope e interesseira invocada pela nova maioria, dispensando a busca das razões mais profundas da crise e de outros responsáveis óbvios.

Em segundo lugar, Passos Coelho alegava que o memorando de entendimento com os credores da nossa dívida soberana esgotava outras alternativas políticas e que ele até pretendia levar mais longe a austeridade imposta por Bruxelas. Tais propósitos, se excluíam de facto a ponderação de outros caminhos, não prejudicavam fatalmente algum rasgo imaginativo no sentido de transformar os riscos presentes em oportunidades virtuais, por exemplo, lançando um ambicioso processo de reforma do Estado e do sistema político. Bem melhor que a proposta de revisão constitucional precocemente abandonada ou a persistência na violação da Constituição que conduziu ao inevitável braço de ferro com o Tribunal Constitucional, o Governo teria conseguido mais sucesso se tivesse procurado envolver a Oposição e a sociedade civil num amplo processo de reformas, construindo consensos que duradouramente permitissem responder aos bloqueamentos estruturais que denunciava. Só que isso não lhe interessava pela simples razão de que os resultados que por essa via pudesse obter ficariam sempre muito aquém dos verdadeiros objetivos políticos que pretendia atingir, à sombra da ortodoxia orçamental de Berlim, de uma soberania limitada pela permanente ingerência dos agentes dos credores e pelo fantasma da bancarrota.

Mas não foi capaz de desmantelar o "Estado de direito democrático", nem sequer a diminuição sustentável da despesa! Limitou-se ao agrupamento de algumas freguesias, à extinção de tribunais, ao encerramento de escolas e à dispensa dos trabalhadores indispensáveis ao regular funcionamento dos serviços - no ensino, na ciência, na saúde e até na defesa, na justiça e na segurança.

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