Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Esta
é a última oportunidade para os socialistas se renovarem e renovarem o regime,
interpretando a vontade dos eleitores
É
público e notório o esgotamento e a desorientação do governo. Sobretudo a
partir da saída da troika. A coligação de direita chegou ao poder, há três
anos, sem um programa, nem uma ideia própria. A campanha eleitoral, sobretudo
do PSD e do actual primeiro-ministro, em 2011, foi um triste espectáculo, em
que se misturou, sem o menor pudor, demagogia, propaganda de feira e números de
circo, entremeados com uma ou outra ideia avulsa, ventilada por "jovens
turcos" neoliberais, acantonados numa dúzia de blogues. Como prova desse
vazio de ideias para governar Portugal, ficaram registadas no anedotário
político quase meia centena de frases de Passos Coelho durante essa campanha:
não haveria aumento de impostos; não retiraria subsídios de férias e de Natal;
não despediria funcionários públicos. A cereja em cima do bolo foi a tal frase
sobre a redução das famosas "gorduras do Estado", as quais bastavam
para equilibrar as contas públicas.
Um
governo saído de uma confrangedora vacuidade programática e aconselhado por um
lote de luminárias radicais, mal cerzidos ideologicamente, só podia agarrar-se
ao "memorando" da troika como uma náufrago, tomando como sua a visão
alemã da Europa, sem pestanejar. E quando quis meter estopa de sua autoria,
indo além do dito memorando, só piorou a situação da maioria dos portugueses:
agravando o défice, aumentando o desemprego, pondo em causa a sustentabilidade
da segurança social. Deixando atrás de si um rasto de miséria, de serviços
públicos deficientes, de emigração, de desemprego. Deixando, também, um défice
orçamental igual ao que encontrou e uma dívida pública impagável.
Agora,
poucos meses depois da saída da troika, entregue a si próprio, o governo entrou
em agonia, à espera que lhe antecipem as eleições. O ministro da Educação, Nuno
Crato, vegeta entre fórmulas matemáticas erradas e falta de palavra e de
decoro, incapaz de dar um início normal a um ano lectivo escolar. A ministra da
Justiça, essa, ao tentar fazer uma "reforma" do mapa judiciário,
lançou os tribunais na maior bagunça de que há memória na Justiça portuguesa,
ao ponto de terem de se suspender os prazos judiciais. O primeiro-ministro e o
vice-primeiro-ministro digladiam-se em público, em cada discurso, sobre a carga
fiscal, ao mesmo tempo que o PSD e o CDS trocam farpas sobre as
responsabilidades nos desastres na Educação e na Justiça. Como se tudo isto não
bastasse, o primeiro-ministro foi pouco convincente nas explicações sobre o
"caso Tecnoforma", permitindo que a imagem da sua honestidade se vá
consumindo diariamente em fogo lento.
É
neste quadro do fim de um triste ciclo político que entram em cena as
responsabilidades das oposições a este governo (e ao que ele representa), a
começar pelo maior partido da oposição, agora renovado com a vitória clara de
António Costa nas eleições primárias internas de há uma semana. Os portugueses
estão cada vez mais pobres e a democracia está cada vez mais adoentada, mas a
maioria dos portugueses está disponível para responder a impulsos e soluções
que vão ao seu encontro, como o prova a participação de milhares de
simpatizantes nas eleições primárias para a liderança dos socialistas. A
sistemática recusa em contribuir para encontrar soluções governativas à
esquerda por parte dos comunistas e bloquistas condenou os primeiros a uns eternos
7% e os segundos a um declínio eleitoral próximo da extinção. Uma coligação,
após as próximas legislativas, do PS com qualquer um dos partidos que sustenta
o actual governo é pregar pregos no caixão do regime. António Costa dá sinais
de não estar alheado do que está em causa, de que são exemplos a escolha de
Ferro Rodrigues para liderar o grupo parlamentar e a participação, ontem, no
primeiro congresso do Livre. Esta é a última oportunidade para os socialistas
se renovarem e renovarem o regime, interpretando a vontade dos eleitores. A
"cultura de compromisso" do PS só pode manifestar-se à esquerda e com
quem quiser contribuir para resolver os problemas dos portugueses e da
democracia.
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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