segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Portugal: A AGONIA DO GOVERNO



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Esta é a última oportunidade para os socialistas se renovarem e renovarem o regime, interpretando a vontade dos eleitores

É público e notório o esgotamento e a desorientação do governo. Sobretudo a partir da saída da troika. A coligação de direita chegou ao poder, há três anos, sem um programa, nem uma ideia própria. A campanha eleitoral, sobretudo do PSD e do actual primeiro-ministro, em 2011, foi um triste espectáculo, em que se misturou, sem o menor pudor, demagogia, propaganda de feira e números de circo, entremeados com uma ou outra ideia avulsa, ventilada por "jovens turcos" neoliberais, acantonados numa dúzia de blogues. Como prova desse vazio de ideias para governar Portugal, ficaram registadas no anedotário político quase meia centena de frases de Passos Coelho durante essa campanha: não haveria aumento de impostos; não retiraria subsídios de férias e de Natal; não despediria funcionários públicos. A cereja em cima do bolo foi a tal frase sobre a redução das famosas "gorduras do Estado", as quais bastavam para equilibrar as contas públicas.

Um governo saído de uma confrangedora vacuidade programática e aconselhado por um lote de luminárias radicais, mal cerzidos ideologicamente, só podia agarrar-se ao "memorando" da troika como uma náufrago, tomando como sua a visão alemã da Europa, sem pestanejar. E quando quis meter estopa de sua autoria, indo além do dito memorando, só piorou a situação da maioria dos portugueses: agravando o défice, aumentando o desemprego, pondo em causa a sustentabilidade da segurança social. Deixando atrás de si um rasto de miséria, de serviços públicos deficientes, de emigração, de desemprego. Deixando, também, um défice orçamental igual ao que encontrou e uma dívida pública impagável.

Agora, poucos meses depois da saída da troika, entregue a si próprio, o governo entrou em agonia, à espera que lhe antecipem as eleições. O ministro da Educação, Nuno Crato, vegeta entre fórmulas matemáticas erradas e falta de palavra e de decoro, incapaz de dar um início normal a um ano lectivo escolar. A ministra da Justiça, essa, ao tentar fazer uma "reforma" do mapa judiciário, lançou os tribunais na maior bagunça de que há memória na Justiça portuguesa, ao ponto de terem de se suspender os prazos judiciais. O primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro digladiam-se em público, em cada discurso, sobre a carga fiscal, ao mesmo tempo que o PSD e o CDS trocam farpas sobre as responsabilidades nos desastres na Educação e na Justiça. Como se tudo isto não bastasse, o primeiro-ministro foi pouco convincente nas explicações sobre o "caso Tecnoforma", permitindo que a imagem da sua honestidade se vá consumindo diariamente em fogo lento.

É neste quadro do fim de um triste ciclo político que entram em cena as responsabilidades das oposições a este governo (e ao que ele representa), a começar pelo maior partido da oposição, agora renovado com a vitória clara de António Costa nas eleições primárias internas de há uma semana. Os portugueses estão cada vez mais pobres e a democracia está cada vez mais adoentada, mas a maioria dos portugueses está disponível para responder a impulsos e soluções que vão ao seu encontro, como o prova a participação de milhares de simpatizantes nas eleições primárias para a liderança dos socialistas. A sistemática recusa em contribuir para encontrar soluções governativas à esquerda por parte dos comunistas e bloquistas condenou os primeiros a uns eternos 7% e os segundos a um declínio eleitoral próximo da extinção. Uma coligação, após as próximas legislativas, do PS com qualquer um dos partidos que sustenta o actual governo é pregar pregos no caixão do regime. António Costa dá sinais de não estar alheado do que está em causa, de que são exemplos a escolha de Ferro Rodrigues para liderar o grupo parlamentar e a participação, ontem, no primeiro congresso do Livre. Esta é a última oportunidade para os socialistas se renovarem e renovarem o regime, interpretando a vontade dos eleitores. A "cultura de compromisso" do PS só pode manifestar-se à esquerda e com quem quiser contribuir para resolver os problemas dos portugueses e da democracia.

Jurista. Escreve à segunda-feira

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