Luís
Osório – jornal i, editorial
No
final da sua presidência, quer mudar o regime. Ficam duas interrogações...
O
Presidente propôs uma reflexão a todos os portugueses. Apelou a uma discussão
séria sobre o sistema político português, constatou que existe um grau de
insatisfação com o regime e definiu como "repulsa" a relação dos
cidadãos mais qualificados com o exercício de cargos públicos. Concluiu da
necessidade de "virar de pantanas" o sistema eleitoral e dignificar a
República e a relação entre eleitos e eleitores. Boas palavras, um bom discurso
e duas interrogações.
Cavaco
Silva falou da reforma do sistema político, mas nada disse do que julga em
relação ao seu próprio papel e ao semipresidencialismo. A segunda interrogação,
talvez mais óbvia (logo menos interessante), é que as palavras foram da autoria
do homem que está há mais anos no poder em Portugal depois de Salazar. Com
tantos anos de ministro, primeiro-ministro e Presidente, provoca estranheza a
mensagem. Tão bizarro como seria ouvir Manoel de Oliveira criticar os filmes
feitos com câmara fixa, não bateria certo. Dá vontade de perguntar
rigorosamente o óbvio: se as coisas estão como estão, se as pessoas se estão
nas tintas para os partidos, para a política e para tudo o que Estado
representa, então qual o grau de fracasso da sua própria acção, senhor
Presidente?
A
primeira questão é mais complexa. Em vários sectores, o que foi amplificado
pela visão e acção do Presidente Cavaco Silva, as dúvidas acerca do regime
começam precisamente pelos limites de acção de Belém. Se as funções dos futuros
Presidentes forem exercidas de um modo estritamente legalista, e o actual
inquilino de Belém é constitucionalmente um burocrático, o discurso de ontem
deveria ser levado às últimas consequências. Se é para discutir o sistema
político português deve colocar-se em causa a eleição directa do Presidente da
República - discordo, mas o tema terá de ser colocado, sobretudo se a sua
função continuar a ser inócua.
A
segunda é menos importante e fulanizada embora coloque um outro tema, a duração
dos cargos políticos. Todos concordamos, e o Presidente Cavaco também, que
existe uma discrepância entre o dizer dos eleitos e o ouvir dos eleitores;
problema amplificado pelos políticos que, de tanto terem dito e feito, pouco
conseguem transmitir de novo e credível quando falam. Mais uma vez o sistema
político. Não seria de discutir a possibilidade de os candidatos a cargos
públicos por eleição fizessem apenas um mandato? A decisão comportaria riscos,
teria de ser muito discutida, mas uma vantagem seria evidente: seria mais
difícil escutar o que ontem ouvimos da boca de Cavaco Silva. Um bom discurso.
Mas uma mensagem que só seria credível se dita por alguém que tivesse acabado
de chegar a um poder que o Presidente da República tem há mais de vinte anos.
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