sábado, 18 de outubro de 2014

Portugal: Governo mudou regras de concurso e empresa de Rui Rio saiu beneficiada


AGÊNCIA CONFIRMA

Carlos Diogo Santos – jornal i

Esclarecimento enviado ontem às redacções pela Agência para Desenvolvimento e Coesão não negou nenhum dos factos noticiados pelo i

A reacção oficial da Agência para o Desenvolvimento e Coesão à notícia de que o secretário de Estado Castro Almeida mudou este ano as regras de uma adjudicação de serviços para incluir a empresa Boyden, onde Rui Rio trabalha desde Março, teve o objectivo de evitar qualquer "interpretação errada dos factos", mas não contestar o conteúdo da notícia.

Uma investigação do i revelou ontem que Castro Almeida, secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, decidiu em Agosto contrariar a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (ADC) de escolher apenas uma empresa para seleccionar futuros gestores dos fundos europeus.

Numa nota enviada às redacções, o presidente José Soeiro afirma que antes do lançamento do concurso o governo havia manifestado intenção de que o serviço de escolha de gestores fosse atribuído às três maiores empresas, entre as quais a Boyden de Rui Rio. Mas o i sabe que para fazer uma gestão equilibrada dos dinheiros públicos, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão decidiu atribuir à empresa que tinha a proposta mais barata o trabalho de seleccionar profissionais para gerir os cerca de 12 mil milhões dos quatro programas operacionais.

"Na preparação do processo ensaiámos a modalidade de adjudicação por lotes, ou seja, por cargo de gestão em análise", disse o presidente da Agência no comunicado adiantando que perante o valor máximo que fixaram para as propostas e "face ao conteúdo do serviço" foi impossível concretizar essa abordagem e foi adoptada uma decisão que teve por base o menor preço possível para o conjunto". Resumindo, a agência decidiu adjudicar todo o trabalho a uma empresa que apresentasse a melhor proposta.

Assim que a Heidrick & Struggles, concorrente da empresa de Rio, foi escolhida para prestar o serviço de selecção de recursos humanos, Castro Almeida decidiu contrariar o modelo escolhido pela Agência e mudou as regras estabelecidas. No comunicado, o presidente da agência, José Soeiro, confirmou ter recebido em Agosto indicação do secretário de Estado do Desenvolvimento Regional para contratar as empresas que haviam ficado de fora por apresentarem preços mais altos.

"Com a apresentação do trabalho realizado [da Heidrick & Struggles], foi-me reafirmada a indicação de que o governo pretendia uma análise não limitada a uma única empresa", lê-se no esclarecimento enviado às redacções. Ou seja, era preciso adjudicar o mesmo serviço não só à empresa mais barata, como decidido pela agência, mas também a todas as que participaram no concurso, onde se incluía a Boyden de Rui Rio. Este foi um plano B, depois de a agência não ter aceitado dividir os trabalhos e fazer uma adjudicação por lotes a todas as empresas.

É assim iniciada uma segunda ronda de contactos feita pela ADC por indicação de Castro Almeida, como o i revelou ontem. É nesta fase que uma das empresas, a Egon Zehnder, se mostra indisponível para participar, acabando por ser acrescentada apenas a Boyden. Ficaram assim duas entidades a executar o mesmo serviço e o Estado em vez de pagar cerca de 40 mil euros à Heidrick & Struggles passava a ter de pagar também outros 60 mil euros à empresa de Rui Rio.

REGRAS ALTERADAS 

Questionado na quarta-feira sobre se a escolha de mais empresas que a Heidrick & Struggles à posteriori para executar o mesmo trabalho significava uma alteração dos moldes de adjudicação iniciais, o presidente da agência disse: "Sim, o critério deixou de ser nessa altura o da melhor proposta e passou a ser o da adjudicação a todos os convidados".

Ainda que o secretário de Estado tenha garantido ao i que foram escolhidas as duas empresas com propostas mais baratas, José Soeiro explicou anteontem que isso foi uma "questão de sorte". "As indicações que me foram dadas após a apresentação do trabalho da Heidrick, escolhida por ter a melhor proposta, foi de que era necessário que as três empresas prestassem este serviço. A Egon não se mostrou disponível e por isso não participou, não foi por ser a mais cara", explicou ao i.

Isto é, a regra da ADC de escolher só uma empresa visava adjudicar o trabalho a uma empresa e não a três. Tal como o i ontem avançou, o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional mantém desde há alguns anos ligações políticas com o ex-autarca do Porto. Em 2005, por exemplo, foi indicado por Rui Rio, então presidente da Junta Metropolitana do Porto, para ocupar o cargo de vice-presidente daquela junta.

CLARIFICAÇÃO 

No comunicado de ontem, a agência chama apenas a atenção que o facto de se ter oposto a uma adjudicação por lotes pode não significar um "braço-de-ferro com o governo" ainda no campo da semântica lembra que não houve uma indicação Castro Almeida para alterar as regras do governo, justificando que desde o início houve intenção de que a empresa de Rui Rio estivesse presente. As regras alteradas por indicação do secretário de Estado foram as que a agência definiu: de adjudicar o serviço à empresa com a melhor proposta e não às três maiores do mercado.

A Boyden disse ontem que a investigação do i tinha motivações políticas. Já Rui Rio, contactado na quinta-feira não respondeu a qualquer questão.

Partidos políticos não  fizeram qualquer comentário  

O i confrontou ontem todos os partidos com a notícia de que a empresa onde trabalha Rui Rio ter sido beneficiada com a mudança de regras do concurso lançado pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão – por indicação do governo –, mas ninguém aceitou comentar o assunto. Ao indicar que teriam de ser todas as empresas contactadas a prestar serviço e não apenas a que tivesse uma proposta mais vantajosa, o Estado teve de pagar mais 60 mil euros. A  Heidrick & Struggles, ligada ao grupo Ongoing, apresentou a proposta mais vantajosa de 37 250 euros (sem IVA) e a Boyden de Rui Rio cobrou 60 mil euros (sem IVA). A empresa que ficou de fora por não estar disponível apresentou uma proposta inicial – quando estava previsto que seria apenas um concorrente a prestar o serviço – de 69 mil euros (mais IVA). Rita Tavares

Leia mais em Página Global

Sem comentários:

Mais lidas da semana