De
concessão em concessão — à oligarquia financeira e ao complexo
industrial-militar — presidente estendeu tapete ao adversário,
preparando-se para final de governo patético
Paulo
Moreira Leite, em seu blog – Outras Palavras
A
vitória republicana nas eleições legislativas superou as piores previsões de
Barack Obama. Os candidatos democratas ao Senado e a Câmara foram
vencidos onde parecia provável e onde parecia impossível. O saldo, na partilha
de cadeiras para o Senado, é a pior derrota democrata desde 1953, quando o
republicano Dwight Einsenhower encerrou 20 anos de presença democrata na Casa
Branca.
A
vitória republicana de 1953 foi uma desforra após as cinco mandatos
consecutivos de seus adversários, que colocaram de pé o New Deal e inauguraram
o grande período progressista da história dos Estados Unidos no século XX.
Republicano relativamente moderado no plano interno, convencido de que não era
conveniente contestar a herança social de Franklin Roosevelt e Harry Trumann, Eisenhower
cultivou uma diplomacia imperial. Foi o presidente que derrubou um governo
constitucional do Irã para instalar uma monarquia submissa em Teerã. Ampliou os
arsenais nucleares para fazer pressão sobre a União Soviética. Assumiu um
tratado que obrigava Washington a defender o governo nacionalista de Taiwan
toda vez que houvesse uma ameaça da Pequim de Mao Tse-Tung. Einsenhower mandou
15 000 soldados para o Líbano, para impedir o nascimento de um governo
nacionalista aliado de Gamal Nasser, presidente do Egito. Partidário da teoria
do dominó, que justificava ações de força contra regimes comunistas, seu
governo preparou a invasão de Cuba após a revolução de Fidel — operação que
seria realizada já no governo de John Kennedy.
É
certo que, até o momento, os republicanos da segunda década do século XXI
não foram capazes de apresentar uma candidatura com a estatura de Eisenhower,
cuja biografia começou a ser construída no Exército, como comandante das
tropas aliadas que participaram da vitória sobre Adolf Hitler.
A
proliferação de adversários presidenciais para 2016 confirma que as chances
reais de uma vitoria oposicionista têm origem nas fraquezas do próprio Obama,
em sua dificuldade para dar respostas capazes de interessar à maioria da
população norte-americana.
Eu
morava nos Estados Unidos como correspondente quando George W Bush foi eleito
presidente, com auxílio providencial da Suprema Corte.
Também
me encontrava por lá como enviado especial quando Wall Street veio abaixo, no
colapso de 2008. Estava no Capitólio quando os parlamentares começaram a
debater o primeiro pacote de recursos destinados a levantar a economia, uma
bolada da ordem de 800 bilhões de dólares. Assisti a primeira vitória de Barack
Obama, o primeiro candidato negro a chegar a Casa Branca. Estive em comícios,
viajei pelo interior, entrevistei sindicalistas ligados ao Partido Democrata,
empresários com simpatias republicanas. Depois de um conflito sórdido
como a Guerra do Iraque, não havia dúvida de que George W Bush fora o pior
presidente norte-americano desde a independência, em 1776.
A
visão da pior crise do capitalismo desde 1929 contribuía para entender
por que era preciso autorizar o Estado a investir recursos imensos para impedir
a quebra de grandes bancos e também para proteger grandes empresas, inclusive
gigantes do automóvel, como a GM.
Seis
anos depois, Obama é um presidente derrotado em profundidade. Num
país onde o voto é voluntário, muitos eleitores democratas sequer se animaram a
sair de casa para ir até as urnas — o que explica uma derrota maior do que
diziam as pesquisas eleitorais. A economia dos EUA, hoje, encontra-se num ritmo
melhor do que há um ano, mas isso não ajudou como se poderia imaginar. Foi um
crescimento com poucos empregos, com menores garantias e uma ampliação da
desigualdade, que é um traço característico da sociedade norte-americana em
comparação com o bloco desenvolvido.
Ao
contrário do que ocorre com governos de países condenados a exercer um papel
muitas vezes passivo na conjuntura internacional, recebendo benefícios e
prejuízos em função dos movimentos gerados pelas principais potências
econômicas, os Estados Unidos estão no eixo, no centro de gravidade. Não são
objetos do “mercado.” São seu sujeito. Seu mercado interno é o mais dinâmico do
mundo. Seu potencial tecnológico é incomparável. Idem para a força financeira.
O mundo cresce quando os EUA crescem. Fica parado e até cai, quando caem.
Com
uma mensagem renovadora que lhe permitiu vencer o racismo da cultura
norte-americana, e um prestígio externo que lhe permitiu ganhar o primeiro
Premio Nobel preventivo da história, Obama dedicou-se a um exercício permanente
de concessões exageradas, auto-enfraquecimento e perda de identidade. Renunciou
a gerar estímulos mais rápidos e maiores para a economia porque não queria
confrontar-se com as preferências do capital financeiro, ainda que, em situação
de miséria, este passasse o chapéu para receber ajuda. Afastou-se sem muito
pudor dos movimentos populares que sustentaram sua candidatura a ponto de
derrotar estruturas consolidadas do Partido Democrata aglutinadas em torno de
Hillary Clinton. Evitou oxigenar a diplomacia dos Estados Unidos com novas
alianças. Cultivou gestos e opções pequenas, típicas de grandes potências.
Pretendia
construir consensos imaginários, quando seus adversários só pretendiam sabotar
seu governo em qualquer oportunidade, porque sua bandeira é acabar com o
Estado.
Este
é o pesadelo que retorna.
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