Insatisfação
popular por si só não basta para tirar um presidente do poder. Segundo
especialistas, memória do caso Collor faz processo parecer mais simples do que
é: afastamento é inviável sem base política e legal.
Apenas
seis dias após a reeleição, em outubro de 2014, a presidente Dilma Rousseff
enfrentou a primeira de uma série de manifestações pelo seu impeachment. Antes
pequenos, os protestos ganham nova força agora, alimentados pela crise
econômica e o escândalo de corrupção na Petrobras. Várias manifestações estão
programadas para este domingo (15/03) em mais de 30 cidades do país. Mas a
maioria dos especialistas consultados pela DW Brasil avalia que um impeachment
é improvável, tanto do ponto de vista jurídico quanto político.
"No
mundo inteiro há pessoas descontentes que saem às ruas para protestar, isso não
significa que um presidente vai cair. Protestos não bastam", afirma a
cientista política Mariana Llanos, do instituto alemão Giga, em Hamburgo.
Especialistas
ressaltam ainda que as manifestações não representam a opinião da maioria dos
brasileiros – afinal, o público dos protestos é o mesmo que não votou na
presidente nas últimas eleições. Ainda que o resultado do pleito tenha sido
acirrado, a petista obteve o maior número de votos. "O PT também consegue
mobilizar e fazer manifestações. Tanto na rua, quanto no Congresso, o
impeachment é inviável", diz o cientista político Bruno Speck, da USP.
Um
pedido de impeachment pode ser apresentado por qualquer cidadão. Mas precisa
apontar um crime de responsabilidade e ser aprovado pelo presidente da Câmara
antes de ir à votação – desde 2010 já foram 14 tentativas, nenhuma
bem-sucedida. E a medida só passa para o Senado se receber o apoio de dois
terços dos deputados.
"Até
mesmo líderes da oposição, como Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Fernando
Henrique Cardoso, já descartaram essa possibilidade. Assim como o presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Então não
existe a maioria necessária para pedir o afastamento da presidente",
argumenta o cientista político Pedro Arruda, da PUC-SP.
Casos
Collor e Lugo
Não
é a primeira vez, desde a democratização do país, que a destituição de um
presidente é cogitada pela população. Antes de Dilma, movimentos já pediram o
"Fora Lula", no auge do escândalo do mensalão, em 2005, e a
insatisfação com a política econômica e as denúncias de corrupção na
privatização da Telebrás impulsionaram o "Fora FHC", em 1999.
Além
disso, o primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura militar,
Fernando Collor de Mello, sofreu um impeachment. Para os especialistas, essa
primeira experiência bem-sucedida do afastamento de um chefe de Estado
influencia as novas tentativas. "Isso fica na memória das pessoas e, se um
governante não agrada, logo pensam na possibilidade de pressionar até tirá-lo
do cargo", afirma Llanos.
Para
Arruda, a palavra impeachment acabou se tornando um "slogan
banalizado" no Brasil, o que pode acabar fragilizando a democracia.
"Se não existem elementos jurídicos e factuais para destituir a
presidente, as pessoas estão pedindo o quê? Uma intervenção militar?",
questiona.
Já
Speck avalia que os pedidos de impeachment são manifestações legítimas e
saudáveis da sociedade, mas ressalva: "Desde que isso ocorra dentro dos
padrões de legalidade e civilidade. Isso exclui, obviamente, protestos
solicitando a intervenção das Forças Armadas."
Os
especialistas lembram ainda que o hábito de pedir o impeachment do presidente
não é exclusividade do Brasil. "Nos EUA houve o pedido contra o Bill
Clinton, e um grupo da direita radical, ligado ao movimento republicano Tea
Party, quis o impeachment de Barack Obama", comenta Arruda.
O
mesmo vale para países latino-americanos, como é o caso do Paraguai, cujo
presidente Fernando Lugo sofreu um impeachment em 2012. Para o cientista
político Peter Birle, do Instituto Ibero-Americano de Berlim, essa
característica está relacionada ao sistema presidencialista existente na
América Latina, para ele extremamente personalista. "Muita esperança e –
depois – muita frustração são direcionadas à pessoa do presidente", diz
Birle.
Base
legal
Apesar
do impeachment ser um processo mais político do que jurídico, é necessário
haver uma base legal para o pedido – apenas a frustração com o governo não
basta. Para a maioria dos especialistas consultados pela DW Brasil, nada indica
que a presidente tenha tido qualquer participação nos escândalos da Petrobras
ou soubesse dos casos de corrupção. Assim, não há base legal para um pedido de
impeachment, concluem.
"O
nome dela foi citado por delatores, e o procurador-geral da República decidiu
não dar andamento a uma investigação", lembra Eloísa Machado, professora
de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. A advogada
acrescenta que o presidente só pode sofrer impeachment por atos cometidos
durante o atual mandato, o que excluiria a atuação de Dilma como presidente do
Conselho de Administração da Petrobras, como ministra de Minas e Energia e como
presidente da República entre 2011 e 2014.
No
entanto, o professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins
defende que há bases legais para o afastamento de Dilma do cargo. Gandra
escreveu um parecer fundamentando a possibilidade de impeachment, a pedido de
um advogado ligado ao PSDB.
Ele
considera que a presidente teria cometido crime de improbidade administrativa –
um dos delitos que podem levar ao impeachment – por omissão. Na tese dele, a
presidente teria culpa (quando não há a intenção de agir) e não dolo (sem a
intenção). "A Dilma optou por continuar, até fevereiro, com a mesma
diretoria que, por culpa ou dolo, manteve o esquema de corrupção. A presidente
não precisa ter a intenção de praticar, basta não ter fiscalizado
corretamente", afirma o advogado.
Para
os especialistas contrários à tese de Gandra, há o risco de que os governantes
possam ser responsabilizados por qualquer crime que ocorra durante o seu
mandato. Machado diz que, em casos de impeachment, é preciso ter fatos que
vinculem diretamente o governante à prática criminosa, com dolo.
"O
impeachment se justificaria se a presidente tivesse usado o seu cargo
deliberadamente para cometer alguma infração. Toda a dinâmica do crime de
responsabilidade se refere ao abuso de poderes no exercício do cargo",
explica a advogada.
Mesmo
que a tese da omissão fosse aceita, diz Machado, seria preciso provar que Dilma
estava ciente dos crimes. "Não dá para pressupor que ela sabia de tudo.
Teria que se comprovar que ela foi formalmente notificada e não fez nada."
Marina
Estarque / Clarissa Neher – Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário