Fernanda
Câncio – Diário de Notícias, opinião
Pôr
o Conselho de Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental do
Parlamento a auditar programas de partidos (na verdade, só de um partido e
aquilo que nem é ainda formalmente um programa), eis a última da maioria. Giro,
mas que tal ver antes como auditaram as contas do governo? Comecemos pela
medida mais paradigmática, o corte dos subsídios de Natal e férias de
funcionários públicos e reformados.
O
OE 2012 diz que a medida vale 1800 milhões de euros líquidos, 1200 dos quais
correspondentes aos funcionários. Mas quando no OE 2013 o governo apresenta a
devolução dos subsídios como um "buraco causado pela decisão do TC que era
preciso compensar", orça-a assim: "O aumento de despesa decorrente da
reposição parcial de subsídios aos funcionários públicos e pensionistas vale
cerca de 1700 milhões de euros." Ou seja, em 2012, quando eram
apresentados como "poupança", os dois subsídios de funcionários e
pensionistas valiam 1800 milhões líquidos, portanto, pouco mais de 2000 milhões
brutos; no ano seguinte, à reposição parcial dos mesmos, que corresponde grosso
modo a metade do cortado no ano anterior, é imputado um valor quase igual. À
época, a Lusa resumia: "O valor bruto da reposição feita neste ano [2013]
de um subsídio aos funcionários públicos e de 1,1 aos pensionistas é de cerca
de 1650 milhões de euros segundo o OE. (...) A reposição do outro subsídio aos
funcionários públicos e de 90% do subsídio de férias aos pensionistas pode
chegar aos 1495 milhões de euros." Somando as duas parcelas o resultado é
3145 milhões. Pelo menos mil milhões mais do que o anunciado em 2012 pelo
governo como "poupança" associada ao corte dos subsídios.
Ou
seja: total trapalhada (para dizer o mínimo). E a UTAO e CFP, que dizem? Pois
que nada. Nem sequer no ano seguinte, quando o OE 2014 aprofunda o corte de
salários dos funcionários públicos que, por decisão do governo Sócrates, estava
em vigor desde 2011. Apesar de baixar a fasquia dos salários afetados e de ser
muito mais severa (o corte de 2011 iniciava-se nos 1500 euros, diminuindo-lhes
3,5%; este começava nos 675, com 2,5%, sendo que 1500 perdiam 8,6% e a partir
dos 2000 a redução era de 12%), a "alteração salarial" de 2014 é
apresentada como "valendo" 643 milhões ilíquidos quando a anterior,
no OE 2011, correspondia a 1190 milhões. Ante a incongruência, o DN questionou
o Ministério das Finanças - sem resposta. Mas a UTAO viria a concluir ser
preciso somar os dois valores para chegar ao correto: o corte de 2014 (que o
Tribunal Constitucional chumbou) corresponderia assim a 1700 milhões. Ora se à
ablação dos subsídios - 14% no mesmo universo salarial - o governo tinha
atribuído, recorde-se, o valor líquido de 1200 milhões, como é que cortar entre
2,5% e 12% poderia valer mais? São só três orçamentos do Estado que não batem
certo - pequeno pormenor no qual nem UTAO nem CFP (nem a tal de troika,
lembram-se?) repararam. Mais que fazer, com certeza.
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