segunda-feira, 11 de maio de 2015

Procuradora-Geral da República não falou como guardiã da legalidade em Moçambique



Emildo Sambo – Verdade (mz) – Tema de Fundo

A Procuradora-Geral da República (PGR) foi ao Parlamento apresentar a informação anual sobre a Justiça no país mas não pôs o dedo na ferida. O documento, de 200 páginas, é uma lista de velhos problemas já de domínio público, uns mais bicudos que os outros, os quais, pese embora aflijam sobremaneira a sociedade, permanecem sem soluções à vista. Aliás, nesta sexta-feira (08), passa um ano do assassinato do juiz Dinis Silica, crivado de dezenas de balas até perder a vida na capital moçambicana. No seu informe, Beatriz Buchili passou ao lado deste caso e, além de não ter trazido nenhuma novidade em relação ao assassinato do constitucionalista Gilles Cistac, referiu-se a ele de forma superficial, e como se fosse um desconhecido.

Beatriz Buchili dirigiu-se, pela primeira, à “Casa do Povo” para falar da situação da justiça numa altura em que a criminalidade se agrava, a caça furtiva ameaça despovoar as reservas e os parques, os acidentes de viação continuam sem freios, a corrupção prevalece na Aparelho do Estado e a instabilidade política não permite saber para que lado o país caminha. Sobre este último aspecto, caracterizado por um ambiente quase de cortar à faca entre a Renamo e o Governo, a procuradora nem se pronunciou.

Ao contrário do seu antecessor, Augusto Paulino, que em todos os seus informes se “impunha” ao Parlamento, parecia um intocável e mandava recados duros para os dirigentes de determinados sectores considerados mais problemáticos, mormente flagelados pela corrupção, a procuradora falou sem comoção, parecendo estar num país onde a vida do povo é linda de morrer. Ela não vestiu a capa de uma guardiã da legalidade em Moçambique. Faltou-lha punho...

O informe anual de Beatriz Buchili foram praticamente, diga-se, números e palavras sem acções claras sobre como combater os velhos problemas que inquietam a população.

Dinis Silica, juiz de Direito no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, na Secção de Instrução Criminal, foi morto, sem dó, num dia em que devia decidir sobre o destino do empresário Moniz Carsane, mais conhecido nos meandros socio-familiares por Manish Cantilal, indiciado de ser o mandante de quatro sequestros, de dezenas que causaram terror em Maputo.

No que tange aos raptos, a procuradora disse que, em 2014, houve 42 casos (contra 44 do ano anterior), dos quais a província e a cidade de Maputo registaram oito e 14, respectivamente, contra nove e 31, em 2013, tendo sido instaurados 42 processos, 20 (igual número no ano passado) dos quais acusados, 18 julgados (14 em 2013) e 19 em instrução preparatória.

Beatriz Buchili reconheceu que este tipo de crime é “cada vez mais eficiente e eficaz”. Os protagonistas “recorrem a telemóveis para exigirem valores aos familiares das vítimas” e é necessário “garantir o registo de todos os cartões de telemóveis (...)”. Contudo, ela não disse de que forma o mal será combatido. Segundo ela, é preciso elevar a capacidade de investigação da Polícia e melhorar a sua articulação com os outros sectores, bem como com a sociedade.

Refira-se que Tomás Timbane, bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, censurou, em Março último, o mau desempenho e a arbitrariedade que imperam na Polícia, e recomendou ao Presidente Filipe Nyusi para que não se esquecesse do que prometeu aquando da sua tomada de posse: o reforço do “papel das instituições da Justiça e da Lei e Ordem para que o nosso povo deixe de viver ciclicamente num clima de medo e de insegurança”, devido à criminalidade, que parece ter feito o sistema capitular.

Timbane indicou que “um bom lugar para começar” é na Polícia, onde “no ano passado criticámos a violação à presunção de inocência, ao exibir detidos, que, com a conivência dos órgãos de comunicação social, faz disso um espectáculo (...)”. E “sem qualquer mandado detém cidadãos sem provas. Vemos detidos com sinais claros de violência (...)”.

Tráfico de drogas

No tange ao tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, a PGR revelou que em 2014 foram apreendidas 4.020.149 quilogramas de diversas drogas, das quais 2.626.177 quilos incinerados. “O Aeroporto Internacional de Maputo continua a ser usado como um dos pontos de entrada ou trânsito de estupefacientes do estrangeiro, maioritariamente do Brasil e Paquistão”. Num total de 394 processos-crime em conexão com estes casos, 348 foram acusados e 134 julgados, para além de 385 cidadãos detidos por tráfico e consumo ilícito de estupefacientes.

Tráfico de pessoas

Este mal, de acordo com Beatriz Buchili, incide mais sobre as mulheres e crianças, cujo principal destino é a África do Sul, e é um fenómeno complexo que desassossega a sociedade. No ano em análise foram registados 38 processos-crime, contra 22 de 2013, sendo a província da Zambézia e a cidade de Maputo os lugares com mais casos, 10 e sete, respectivamente.

Abuso sexual

As crianças continuam na mira dos estupradores. Em 2014 foram abusadas sexualmente 350 menores por pessoas na sua maioria familiares das vítimas. As províncias de Nampula (55), Cabo Delgado (54), Gaza (36), Sofala (35) e a província e cidade de Maputo, com 30 casos cada, são as mais problemáticas. Foram movidos 863 processos-crime contras os malfeitores, tendo sido acusados 631 e julgados 126 indivíduos.

Beatriz admitiu que os casos de cópula forçada, sobretudo com as menores de idade, podem extravasar os números por ela apresentados, na medida em que certas ocorrências não foram denunciadas por “as vítimas temerem represálias” e outras terem sido negociadas entre as famílias, “mediante o pagamento de dinheiro ou obrigação de casamento com a vítima”, o que impõe “o envolvimento dos pais e encarregados de educação na prevenção e no combate a estes crimes”.

Linchamentos

Em 2014, a justiça pelas próprias mãos saldou-se em 24 óbitos, tendo um número significativo acontecido nas províncias da Zambézia (07), Tete (06) e Sofala (03). As vítimas, segundo a PGR, foram espancadas ou esfaqueadas até à morte por populares e até mesmo pelos filhos, alegadamente por prática de feitiçaria, roubo, entre outras acusações.

Violência doméstica

Foram registados 23.659 casos de violência doméstica, em 2014, contra 23.151 em 2013. Ao todo, 11.669 homens foram os mais afectados, 7.872 crianças, mormente menores de 12 anos de idade, e 4.118 mulheres. Nampula, Sofala e cidade de Maputo são as áreas com maior incidência, com 3.846, 3.197 e 2.780 casos, respectivamente, tendo sido instaurados 350 processos-crime em todo o país.

Os delitos que envolvem petizes, tais como maus-tratos, sobrecarga de menores incapazes, castigos corporais, submissão a trabalhos perigosos, foram perpetrados por pessoas próximas dos mesmos, devido à situação de dependência ou de superioridade e por familiares.

Caça furtiva

Em relação à caça furtiva, que se agravou nas províncias de Maputo (14), Gaza (25), Manica (12), Sofala (09) e Niassa (13), de acordo o informe da PGR, ocorre o abate de espécies protegidas tais como rinocerontes e elefantes para extracção de cornos e pontas de marfim para a sua comercialização. As redes criminosas usam armas de fogo e viaturas de grande cilindrada.

Entretanto, Beatriz não avançou outros dados sobre este problemas nem disse o que se está a fazer para se evitar a extinção de paquidermes e rinocerontes. No terreno, há uma aparente impunidade dos caçadores furtivos, que continuam a fintar os fiscais ou se aliam a eles para despovoar as reservas moçambicanas. Aliás, alguns polícias envolvem-se nestes acasos por ganância, uma vez que as redes criminosas movimentam avultadas somas.

Acidentes de viação

Em 2014, 2.040 pessoas morreram em 3.300 sinistros rodoviários (contra 3.197 em 2013). Na província e cidade de Maputo e em Nampula houve maior desgraça, com 822, 685 e 270, respectivamente.

Relativamente a óbitos, Nampula registou 296, Maputo 233 e Sofala 221. A grande preocupação, segundo Beatriz, são os atropelamentos que se saldaram em 1.595 casos, dos quais 937 mortes.

A sinistralidade rodoviária tem a ver com o “desrespeito das regras básicas de segurança, e o comércio nas bermas das vias públicas”.

Combate à corrupção

Neste capítulo, Beatriz fez alusão a uma série de trabalhos realizados pelas instituições do Estado com vista a refrear a situação e, apesar dos avanços registados, “a corrupção é um mal que persiste” e ainda preocupa os moçambicanos.

Uma das coisas que a procuradora não disse é que, pese embora a introdução de sistemas modernos de gestão pública e que devia assegurar um maior controlo, ainda há agentes do Estado que continuam a delapidar o erário, sacando balúrdios para uso individual e dos seus familiares, ou seja, enquanto o Governo aperfeiçoa os mecanismos de fiscalização, os seus funcionários, seniores e com cargos de chefia, aliam-se, vezes sem conta, aos seus subordinados e com eles desviam fundos. O Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) reporta mensalmente casos desta natureza.

No ano passado, a PGR tramitou 096 processos, contras 876 de 2013, dos quais 597 de corrupção, 147 de desvio de dinheiro ou bens do Estado, 129 de peculato (72 processos em Maputo, 70 em Nampula e 28 na Zambézia), 28 de abuso de cargo ou função e cinco de participação económica ilícita, tendo sido acusados 239 indivíduos e julgados 79. A cidade de Maputo, com 180 casos e as províncias de Inhambane, com 124, e Sofala, com 101, foram as mais “corruptas”. Por conseguinte, 294 funcionários foram expulsos e instaurados 541 processos disciplinares.

Relativamente à situação das cadeias, em 2014 havia pelo menos 14.985 cidadãos, dos quais 4.616 em prisão preventiva e 10.279 condenados. No total foram tramitados 61,075 processos-crime. Destes, 11.671 estavam pendentes e 49.404 deram entrada em diferentes instituições da Justiça.


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