quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Portugal: MITIGAR A DOR

 

Diário de Notícias, editorial
 
Num passado bem recente, e bem vivo na memória dos portugueses, havia dois partidos parlamentares na oposição que disputavam a defesa de uma espoliada classe média, abandonada à sua triste sorte pela voracidade fiscal dos socialistas. O PSD gostava que o designassem por "o partido da classe média", enquanto o CDS não perdia uma oportunidade para reivindicar o estatuto de "partido dos contribuintes".
 
Apanhados no vórtice destruidor da redução da despesa interna-recessão-quebra da receita-subida da despesa social do Estado, ambos os partidos, agora ao leme da governação, chegaram à conclusão de que a coisa não ia lá, rapidamente e em força, através do tão badalado corte das gorduras do Estado. A execução orçamental em 2012 ainda há de fornecer aos contribuintes novas surpresas até ao fim do ano e elas representam quase sempre o anúncio de mais apertos.
 
Chegados ao beco sem saída de incumprir as metas orçamentais da troika, ou fazer o contrário do prometido em campanha, PSD e CDS, perante a fúria de boa parte da sua base de apoio, vêm procurando a via da mitigação das dores. Primeiro, lançam ao ar uma medida de austeridade, em seguida proclamam o propósito de "modulá-la" e, ao constatarem que nem assim ela se torna mais "palatável" para os contribuintes, que já se sentem a asfixiar, prometem "mitigar" o aperto fiscal adicional, com mais cortes na despesa pública.
 
E é neste ponto que se encontra a população em Portugal, a seis dias de conhecer a proposta governamental de OE 2013. PSD e CDS, nas suas próprias palavras, passaram de defensores da classe média a partidos mitigadores das suas crescentes dores.
 
Peditório em Espanha
 
A Cruz Vermelha espanhola realiza hoje um peditório nacional para a ajuda imediata a mais de 300 mil pessoas em situação de carência, devido à crise económica. É a primeira vez que a Cruz Vermelha faz um peditório desta natureza no país vizinho, onde 25% estão sem trabalho e cerca de 1,7 milhões de famílias têm no desemprego todos os seus elementos em idade ativa.
 
A dimensão estatística dos números camufla, por vezes, o impacto das situações de pobreza que a crise está a disseminar nos cidadãos dos países mais afetados, da Grécia à Espanha e a Portugal. Um impacto que os decisores políticos não deveriam esquecer em paralelo com o Artigo 23.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nele se consagra o "direito ao trabalho (...) e à proteção contra o desemprego" no seu n.º 1, para no n.º 3 se estabelecer o "direito a uma remuneração equitativa e satisfatória", que permita a todos e a cada um "uma existência conforme com a dignidade humana".
 
Estes princípios simples e diretos, supostos servirem de referência a todas as sociedades humanas, parecem esquecidos hoje na procura das soluções financeiras para a crise. São evidentes e necessários os limites à despesa pública e ao peso do défice numa economia nacional; e há um plano de responsabilidade das sociedades - e seus dirigentes políticos - perante os comportamentos e as opções que conduziram à presente crise. Além desta, há um outro nível de responsabilidade, anterior a todos os outros: as decisões políticas são tomadas para as pessoas. Quando este princípio não é respeitado - a crise deixa de ser económica e torna-se geral. O empobrecimento é um dos seus primeiros sinais; outros, mais graves, podem seguir-se.
 

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