quinta-feira, 10 de julho de 2014

Macau - Sou Ka Hou: “Fala-se muito em democracia, temos de a pôr em prática”



CECILIA LIN – Hoje Macau, entrevista

Ainda agora foi eleito para liderar os pró-democratas e já tem que lidar com problemas e algum ambiente de desunião dentro da associação. Mas, na primeira entrevista após ser eleito, Sou Ka Hou, de 23 anos, assegura que não tem medos nem hesitações e promete liderar a Associação Novo Macau com um só objectivo: ajudar a desenvolver uma verdadeira democracia

Foi eleito presidente da Associação Novo Macau (ANM), tal como se esperava, já que Ng Kuok Cheong e Jason Chao, ex-presidente, mostraram o seu apoio antes da votação. Mas surgiu alguma oposição no Facebook, que acusavam os membros mais jovens de quererem liderar sobre os dois deputados (Ng Kuok Cheong e Au Kam San) com mais experiência. Como olha para estas acusações? 

Para mim uma coisa é clara: alguém quis dividir a associação e aproveitou as redes sociais para fazer isso. Penso que não é necessário explicar o caso. Respeito muito os dois deputados e vou usar mais tempo e realizar mais acções no futuro para aprovar iniciativas reais.

Apela à união dentro da ANM. Significa então que, actualmente, existe alguma desunião?

Não posso negar que existe esta situação, mas não considero que a existência de vozes diferentes seja uma coisa grave. Se todos tiverem o mesmo pensamento então mais vale não participarmos na associação. Os membros das associações tradicionais têm o mesmo pensamento porque têm interesses políticos. Mas a ANM é uma associação aberta e livre, onde todos se baseiam no conceito de democracia. Mas ter o mesmo conceito não significa que se deve ter o mesmo comportamento. Já disse muitas vezes, tal como já disse Ng Kuok Cheong, que somos uma unidade, onde as vozes diferentes são respeitadas. Acho que é importante termos esta diferença. O mais importante é insistirmos neste conceito.

A esposa de Au Kam San fez um discurso onde acusa o grupo Macau Consciência de querer liderar a ANM. Que comentário faz?

Respeito a opinião dos outros, não temos nenhum conflito pessoal. A esposa de Au Kam San tem liberdade de expressão. Mas se usa o seu discurso para falar de uma “dupla personalidade” para descrever a ANM, ou para fazer essa acusação, só porque o ex-presidente da ANM (Jason Chao) é membro da Macau Consciência, e ainda fazê-la num espaço público como o Facebook não me parece o mais correcto. Já falei com o casal e pedi para apagarem esse comentário.

Há um ano concorreu às eleições para a Assembleia Legislativa (AL) com Au Kam San, como número dois. Porquê este conflito agora? 

Para mim a existência de diferenças não significa que as pessoas não possam comunicar. Contudo, digo novamente: embora tenha opiniões e posições diferentes em relação aos restantes membros, os meus objectivos vão para a protecção dos grupos mais vulneráveis, como as vítimas de violência doméstica, homossexuais e os animais. Temos assuntos diferentes. Se uma associação tem um único assunto, como pode pedir à sociedade civil para ter diferentes opiniões? Durante um ano tento contar com os outros e o facto de existirem diferenças não é um problema.

Na eleição desta terça-feira Au Kam San sugeriu que a publicação Macau Concelears deixe de ter o subsídio do escritório dos deputados. Acha que o deputado não concorda com o conteúdo e a forma como este meio de comunicação da ANM cobre os eventos?

Já recebemos queixas sobre algumas notícias. Mas a Macau Concelears, tem como director Jason Chao e vice-director Roy Choi e é importante para dar influência nos dias de hoje. Acho que é preciso aumentar os recursos, porque precisamos de ‘freelancers’ para escrever. O papel inicial da Macau Concelears é ironizar alguns assuntos políticos e sociais e insistimos para que seja um meio para contar as necessidades dos grupos mais vulneráveis. É um papel importante.

Mas ainda é um meio de comunicação da ANM? Ou já tem um registo próprio?

Ainda é. Só que esse subsídio do escritório dos deputados é para servir o público. Se a função da revista não violar o objectivo inicial do pagamento do subsídio, acho que isso não constitui um problema. Se violar, podem usar-se os recursos da ANM. O tema precisa de ser discutido pela direcção.

Ontem, Alexis Tam, porta-voz do Governo, disse que o Governo considera que o referendo sobre a eleição do Chefe do Executivo não tem base legal. Qual a sua reacção?

Tanto a resposta negativa do Governo, como a declaração do Gabinete de Ligação do Governo Central na RAEM nos fazem insistir ainda mais neste referendo. Na reunião de eleição, o deputado Ng Kuok Cheong apresentou uma proposta, já que em Hong Kong uma universidade ajudou à realização do referendo. Em Macau, a ANM não pode participar na sua organização, mas apela aos residentes para participar. A ANM pode manter-se independente, vale a pena considerar esta ideia.

Mas como comenta a declaração do Governo?

Disse que não há uma base legal para realizar o referendo, mas o discurso dele (Alexis Tam) também não tem uma base jurídica. Mas, já tínhamos dito na conferência de imprensa que o Governo da RAEM e o Governo Central iriam originar alguma pressão. Mas vamos fazer de certeza o referendo. Não interessa o que vai acontecer, mas vamos fazê-lo de forma racional e pacífica.

Durante o protesto organizado no dia das eleições para a Comissão Eleitoral do Chefe do Executivo, sofreram acusações de que estariam a fazer barulho no local. Acusaram-vos de ser mal educados. Como avalia esta acusação? Vai mudar a sua maneira de actuar, agora que é presidente? 

Para discutir os assuntos políticos de Macau ainda se focam muito no tom da voz ou nas palavras que se usam, o que é muito superficial. Não vou mudar a minha maneira de agir e as palavras que uso apenas porque os outros estão a criticar. Vou procurar uma maneira apropriada, não vou ser radical, nem muito suave. No dia dessa eleição fomos racionais. Não incomodámos ninguém e ninguém chamou a polícia.

Jason Chao disse muitas vezes que havia actividades que não podiam ser feitas, que “não eram convenientes”, e por isso criou outras organizações. Sente este limite?

O “não ser conveniente” pode ter muitos significados. Acho que Jason Chao tem este pensamento porque os membros nem sempre estão juntos a discutir os assuntos. Quando é para fazer alguma acção têm de se reunir todos os membros e haver uma aprovação. Isso é difícil de fazer e então é mais fácil fazer as coisas em nome de outros grupos. Penso que se podem melhorar as maneiras de comunicarmos e, se calhar, no futuro, já não será tão “inconveniente” fazer acções em nome da ANM.

Quando falou durante a manifestação contra o Regime de Garantias, também foi criticado pela Macau Consciência de que estaria a aproveitar-se dos manifestantes para ter mais poder político. O que tem a dizer sobre isto?

Macau é uma sociedade onde se reconhecem as pessoas e não pela sua ligação a associações. Os deputados da AL, directos ou indirectos, ou mesmo nomeados, não interessa, podem ocupar diferentes cargos. Nessas manifestações podemos ver que, depois, a ANM e a Macau Consciência receberam doações, mas a ANM recebeu mais. Mesmo numa acção organizada pela Macau Consciência, foi a ANM a beneficiada. Além disso, a página do deputado Au Kam San, no Facebook, recebeu mais cinco mil “gostos” depois disso. Todos os outros políticos foram beneficiados. Não me estou a concentrar em interesses políticos, mas todos saíram beneficiados. Mas ter benefícios políticos não é o nosso objectivo para fazer uma manifestação.

Quais os planos para o trabalho futuro na ANM?

A curto prazo são as eleições do Chefe do Executivo este ano. A longo prazo, promover a democracia, com o objectivo de implementar o sufrágio universal. Depois temos de comunicar mais com a sociedade, porque ainda falamos demasiado em democracia, mas temos de a pôr em prática, para que cada vez mais pessoas possam conhecer este ideal. A acção dos democratas não pode ser apenas de boca em boca, mas é preciso ter uma base popular. Nos últimos anos, o desenvolvimento democrático foi lento, porque os residentes acham que é uma coisa que não tem nada a ver com eles. No futuro esta situação precisa mudar.

Vai falar com mais alunos nas escolas, por exemplo?

Esse é um objectivo no futuro, embora me vá concentrar também em trabalhar com estudantes universitários.

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