Marta
F. Reis – jornal i
Queixa
do i obriga Ministério da Saúde a revelar contratos secretos assinados com Cuba
desde 2009
A
contratação de médicos cubanos custou nos últimos seis anos cerca de 12 milhões
de euros ao Serviço Nacional de Saúde. Acordos entre os dois países a que o i teve
acesso, até aqui nunca divulgados, permitem pela primeira vez estimar o custo
da medida lançada em 2009 pelo governo socialista para resolver as carências de
médicos de família e que até à data não foi alvo de um balanço público sobre
gastos e impacto. Os documentos revelam também que, no início do protocolo,
Portugal pagava mensalmente por cada médico 5900 euros, valor que o Estado não
paga a nenhum médico no SNS como salário base. No final de 2011, o actual
governo reviu o valor para 4230 euros.
Após
uma queixa do i junto da Comissão de Acesso a Documentos
Administrativos, a tutela forneceu o acordo de cooperação para a prestação de
serviços médicos entre a Administração Central dos Sistemas de Saúde e os
Serviços Médicos Cubanos. Este acordo foi assinado pela primeira vez pelo
governo de José Sócrates em Junho de 2009. Entretanto foi alvo de dois
aditamentos pelo actual governo, o primeiro em Dezembro de 2011 e o mais
recente este ano.
Entre
Agosto de 2009 e 2011, no âmbito do primeiro acordo, Portugal pagou 259 600
euros/mês por um contingente de 44 médicos com horários de 40 horas nos centros
de saúde mais 24 horas nas urgências. Este montante passou, em 2012 e 2013, a 164 970 euros
mensais por 39 clínicos, sendo o tempo nas urgências reduzido para 12 horas. No
passado mês de Abril, o acordo foi novamente modificado e o Estado subscreveu
desta feita o pagamento de 4230 euros/mês por médico sem ficar à partida
definido um montante mensal, que vai variar em função dos médicos destacados
para o país e sem horas fixas nas urgências. Tendo em conta que a tutela
anunciou a chegada de 52 médicos cubanos em Maio, a despesa mensal será
actualmente de 219 960 euros.
CUBANOS
SÓ RECEBEM UMA PARTE
Estas quantias são depositadas trimestralmente pelas
entidades onde estão a trabalhar os médicos numa conta da empresa de Cuba -
Serviços Médicos Cubanos -, que paga aos profissionais destacados para Portugal
menos de um quarto do que recebe do Estado Português. Inicialmente, o pagamento
aos clínicos era de 300 euros/mês e outros 300 numa conta em Cuba, sendo hoje
de 900 euros. As restantes receitas destas missões, como já explicaram as
autoridades cubanas, servem para financiar formação e o serviço de saúde
cubano. O facto de os profissionais receberem apenas parte e menos do que os
colegas que exercem a mesma actividade nos países onde são destacados tem sido
alvo de contestação, sobretudo desde que em 2013 o Brasil assinou um protocolo
idêntico.
O
TRIPLO POR HORA
Segundo o último aditamento, de Abril de 2014, os médicos
cubanos em Portugal contratados à empresa estatal de Cuba têm uma carga horária
de 44 horas semanais. Dá 96 euros por hora, três vezes o tecto de 30 euros que
a lei portuguesa admite nas contratações a empresas fornecedoras de serviços
médicos. Já em contratos com o SNS, o Estado só tem gastos desta ordem com
assistentes graduados com exclusividade ou chefes de serviço. Um médico de
família com a experiência exigida aos cubanos, actualmente de cinco anos,
recebe 2800 euros por 40 horas.
Segundo
os acordos, Portugal chegou também a ser responsável pelo pagamento das viagens
de e para Cuba, incluindo para férias, que os clínicos só podem gozar uma vez
por ano e na ilha. Actualmente esta é uma obrigação de ambas as partes. O
aditamento explicitou também que os profissionais ao abrigo deste protocolo não
podem exercer outras funções nem frequentar formações que interfiram com a sua
actividade assistencial. Além disso, determina que Cuba está obrigada a
substituir os médicos que cessem funções por abandono da missão por causa
injustificada ou indisciplina. Ao que i apurou, desde 2009 mais de
uma dezena de clínicos deixou o SNS sem regressar a Cuba antes do fim da
missão.
Este
último acordo vigora até 2016 e revela que poderão ser contratados no máximo
100 médicos. O i tentou perceber junto da tutela como se enquadra o
pagamento destes médicos tendo em conta legislação que determina o tecto de 30
euros por hora e se foi ponderada uma medida semelhante para fixar médicos
nacionais em zonas carenciadas como alternativa a este protocolo, já que uma
parte das verbas visa o financiamento do serviço de saúde de outro país. Até à
hora de fecho não houve resposta.
Como
funciona a missão - Acordo
chapéu
Assinado o acordo bilateral, a empresa estatal Serviços Médicos Cubanos recruta profissionais de saúde na ilha em função do pretendido – em Portugal, actualmente o protocolo obriga a experiência de cinco anos em medicina familiar e domínio suficiente da língua portuguesa. Ao serem destacados, os profissionais têm um contrato com a empresa cubana e não com as instituições do país para onde vão.
Código
de ética
Os colaboradores nas missões no estrangeiro estão sujeitos ao Regulamento Disciplinar para os Trabalhadores Civis Cubanos, revisto pela última vez em 2010. Este regulamento proíbe declarações a órgãos de comunicação e obriga os profissionais a informar os seus superiores de relações amorosas e da intenção de contrair matrimónio. Proíbe a participação em eventos de carácter político ou social sem autorização e obriga os profissionais a comunicarem aos superiores deslocações para fora das freguesias onde vivem. Não podem manter relações de amizade com nacionais ou estrangeiros cuja conduta não esteja de acordo com os princípios e valores da sociedade cubana ou assumam posições hostis ou contrárias à revolução cubana. Não podem também fazer declarações a órgãos de comunicação social sem instruções ou autorização prévia. As penas disciplinares vão de admoestação a multa e podem culminar na expulsão da missão.
Oito
anos de interdição
Em caso de abandono da missão, uma violação do contrato, os profissionais ficam impedidos de regressar a Cuba por oito anos. Segundo a imprensa brasileira, mais de 30 médicos desertaram do programa Mais Médicos lançado em 2013. Na Venezuela, a imprensa dá conta de 3000 desertores durante todo o ano passado, mais 60% do que em 2012.
Na
foto: Médicos - Acordo entre Portugal e Cuba - Luís Forra/Lusa
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