quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Portugal: Supremo anuncia às 15h30 se prisão de Sócrates é legal ou "barbaramente injusta”




Ministério Público considera habeas corpus de Sócrates “manifestamente improcedente”

ROMANA BORJA-SANTOS - Público

Advogado do ex-primeiro-ministro condena prisão “barbaramente injusta” e assegura que argumentação sobre risco de fuga “é patética”. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é conhecido às 15h30.

Para o Ministério Público, o pedido apresentado pelo jurista Miguel Mota Cardoso para a libertação imediata de José Sócrates é “manifestamente improcedente”. Esta foi a posição defendida pelo procurador-geral adjunto Paulo Sousa durante a audiência no Supremo Tribunal de Justiça que durou menos de 30 minutos. Já o advogado do ex-primeiro-ministro, João Araújo, condenou a “prisão manifestamente ilegal e barbaramente injusta” do seu cliente, questionando: “Pode alguma de vossas excelências dizer-me onde é que está indiciado o crime de corrupção?”

Na sua argumentação, o Ministério Público começou por explicar que tem “alguma complacência relativamente a pedidos formulados pelos próprios presos”, condenando depois a acção relativa a José Sócrates pelos fundamentos invocados pelo jurista que a interpôs e defendendo que seja aplicada a “consequente tributação”. Se os juízes considerarem não existir fundamento para o pedido, o requerente arrisca-se a pagar uma verba que pode ir até aos 3000 euros.

Nas palavras do procurador Paulo Sousa, Miguel Mota Cardoso do que “se queixa é que os jornais não informaram dos fundamentos da prisão”, reforçando que essa é uma “obrigação do juiz” e defendendo que “qualquer um, mesmo que não jurista, vê que não ocorre no caso” nenhum “erro grosseiro” na classificação na indiciação dos crimes que determinaram as medidas de coacção.

O colectivo presidido pelo juiz conselheiro Pereira Madeira fez uma súmula da acção interposta por Miguel Mota Cardoso e que alegava que a prisão de Sócrates tinha ocorrido perante uma “ausência de fundamentos públicos”, que “viola os princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade”. O jurista defendeu ainda que se está perante uma “situação anormal, extraordinária e de gravidade extrema, jamais surgida nos 40 anos da história da democracia em Portugal”, considerando que a prisão preventiva do antigo governante “repugna os bons costumes” e que há outras medidas “eficazes” previstas na lei e “menos estigmatizantes”.

Miguel Mota Cardoso fundamentou, ainda, o seu pedido com o facto de Sócrates ter sido detido em público e com "transmissão televisiva", defendendo que por ser uma "figura pública" os cidadãos devem ser informados dos indícios que determinaram a medida de coacção que, para o jurista, representa uma violação do Código de Processo Penal e da própria Constituição da República Portuguesa.

Já o Tribunal Central de Instrução Criminal, na informação que remeteu ao Supremo Tribunal de Justiça sobre este caso, recusou que o processo tenha “qualquer ilegalidade” que justifique a libertação de José Sócrates, reforçando, pelo contrário, que o ex-primeiro-ministro ficou em prisão preventiva perante “perigo de fuga e perturbação da recolha e confirmação da prova”. De acordo com os dados do tribunal de Carlos Alexandre, durante o interrogatório foram “recuperados objectos que tinham sido retirados de casa do arguido” com o auxílio de informação dada por Sócrates, que tinha também uma viagem para o Brasil marcada para dia 24 de Novembro, no âmbito da sua colaboração com a farmacêutica Octapharma.

Habeas corpus como "o colar de pérolas"

O advogado João Araújo começou a sua intervenção com um elogio à “sabedoria” dos juízes conselheiros. “Não tenho possibilidade de aparcar a vossa ciência, a vossa competência”, disse o representante de José Sócrates no “lugar para fazer justiça, para fazer melhor justiça”, apelando mais tarde à “inteligência” do colectivo na altura de decidir. Araújo começou por explicar que pensou não falar nesta audiência, por na maior parte dos casos os pedidos de habeas corpus “não darem em nada”. Como vem sendo hábito, o advogado utilizou uma metáfora insólita para descrever o que pensa sobre estes pedidos de libertação imediata raramente terem consequências: “É qualquer coisa que eu acho semelhante ao colar de pérolas da minha mãe, que tem mas não usa”.

Sobre a prisão de José Sócrates, descreveu-a como “manifestamente ilegal e barbaramente injusta” por “carecer de indícios”, reforçando que esses indícios “são os que foram comunicados aos arguidos e só esses é que valem”. “Pode alguma de vossas excelências dizer-me onde é que está indiciado o crime de corrupção?”, questionou, acrescentando que “a corrupção não é movimentos de dinheiros” e que nunca foi esclarecido se estávamos perante um caso de corrupção activa ou passiva e para acto lícito ou ilícito. Araújo acusa o tribunal de Carlos Alexandre de se ter limitado a “beliscar factos”, insistindo que “não existem indícios da prática do crime de corrupção” e que foi “absolutamente nada” que determinou o acto de “prender um cidadão”.

O advogado apontou também algumas contradições, como as informações iniciais referirem tráfico de influências, um crime que “sumiu misteriosamente” e que atribui à “necessidade que a acusação teve de encontrar um crime a montante”. “Esta prisão é uma prisão para investigar. Não é nada mais do que isso”, alegou, dizendo ainda que este é um caso que “está nos nossos corações” e que “mal de nós se um juiz do Supremo não puder reparar uma ilegalidade quando a vê”.

Sobre os fundamentos concretos da prisão preventiva, João Araújo reforçou que “o risco de fuga é patético”, insistindo: “O meu constituinte entregou-se à prisão. Ele sabia ao que vinha”. Em relação ao Brasil, afirmou apenas que “ele não está no Brasil porque não foi para lá” e que “tudo o resto são lendas e narrativas”.

A eventual perturbação da investigação foi outro dos argumentos rejeitados pelo advogado, assim como o “escândalo e perturbação pública”, recordando a este propósito que José Sócrates “foi eleito, não foi nomeado” primeiro-ministro, ainda que só “5% das pessoas achem que foi um óptimo primeiro-ministro”. “Atira-se um ex-primeiro-ministro democraticamente eleito para a cadeia e nem sequer se pode dizer que foi corrompido”, afirmou, lamentado que se tenha entregado Sócrates ao “escândalo e à vergonha”.

À saída do tribunal, João Araújo não quis prestar declarações aos jornalistas, invocando que se encontrava à porta do Supremo Tribunal de Justiça – “que não é a Praça da Figueira” – e que estava “exausto” após a intervenção que fez.

O pedido de libertação imediata (habeas corpus) de José Sócrates foi feito na semana passada por um jurista de Vila Nova de Gaia, apenas dois das depois de o ex-governante ter ficado sujeito à mais gravosa das medidas de coacção.

O requerimento entrou quinta-feira nos serviços da 3.ª secção penal do tribunal de acordo com a folha de distribuição de processos publicada no site do Supremo. O acórdão será divulgado a partir das 15h30 desta quarta-feira.

O habeas corpus é um pedido urgente de libertação imediata de alguém que flagrantemente esteja detido ou preso de forma ilegal e é a derradeira forma de garantia constitucional para que a liberdade seja resposta. Esta acção judicial raramente é utilizada e sempre que é interposta sobe de imediato para o Supremo Tribunal de Justiça, o único que se pronuncia nestes casos peculiares. Este tipo de recurso tem carácter de urgência (com um prazo de decisão de oito dias) e visa a libertação imediata de um preso, face ao aparente abuso de poder que é mantê-lo detido. Pode ser solicitado por qualquer cidadão.

Foto: Hugo Correia / Reuters

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