RUI TAVARES – Público, opinião
É
ridículo combater a evasão fiscal com carros sorteados por faturas de
cabeleireiro, quando as multinacionais fogem com todo o dinheiro que entendem
por cima das nossas cabeças — e mesmo as grandes empresas nacionais o fazem
através da Holanda.
A
corrupção contribui para a corrosão, ou seja, o minar da credibilidade das
instituições públicas. Mas a corrosão não se dá apenas por efeito de crimes, ou
atos ilegais.
Vamos
voltar aqui a um dos grandes escândalos morais dos dias de hoje, emblematizado
pelo caso Luxleaks. É tudo perfeitamente legal. Alguns países europeus — por
acaso, entre eles aqueles que exigem austeridade aos outros para que equilibrem
as contas — organizam-se com as multinacionais para, por debaixo da mesa,
roubar aos outros os impostos sobre as transações que se realizam no território
das vítimas. É claro, "roubar" e "vítimas" são palavras
aqui usadas com certo risco: se é tudo legal, não há roubo, e se não há roubo
não há vítimas. Mas então que chamar às centenas de milhares de milhões de
euros que já se comprovou que saem dos nossos países em direção, pelo menos, ao
Luxemburgo, para que não paguem impostos?
Se
há razão para minar a credibilidade da União Europeia, é esta. Ao olhar para os
números da evasão fiscal e do planeamento fiscal agressivo, facilmente
entendemos que aquilo por que passámos nos últimos anos poderia ter sido, se
não inteiramente evitado, pelo menos grandemente minorado. De caminho
entendemos que é ridículo combater a evasão fiscal com carros sorteados por
faturas de cabeleireiro, quando as multinacionais fogem com todo o dinheiro que
entendem por cima das nossas cabeças — e mesmo as grandes empresas nacionais o
fazem através da Holanda.
Compreendemos
ainda que, a este respeito, o centrão europeu está bem e recomenda-se. O homem
central no escândalo Luxleaks é o novo presidente da Comissão Europeia e
ex-primeiro-ministro e ministro das Finanças do Luxemburgo Jean-Claude Juncker
— o mesmo que enquanto presidente do Eurogrupo presidiu à invenção das troikas.
Ele é agora apoiado pelo Partido Popular Europeu, pelos socialistas e pelos
liberais. E, já agora, percebemos também que as posições sobre isto não são
determinadas por lealdades nacionais: há políticos dos países do Sul a defender
Juncker, tal como sempre encontrei colegas holandeses dispostos a denunciar o
seu próprio país enquanto paraíso fiscal e ladrão de impostos de empresas
portuguesas.
Bem,
mas as coisas podem mudar agora. Se ainda escapava a justificação dos partidos
do centrão europeu para não apoiar uma moção de censura contra Juncker para não
dar uma vitória à extrema-direita, não se entende a nova trincheira de
populares, socialistas e liberais europeus: impedir a formação de uma comissão
de inquérito ao escândalo Luxleaks. Ao optarem por um mero relatório de
iniciativa que pouco efeito terá, estes partidos estão a franquear a linha
entre não demitir Juncker e serem objetivamente seus cúmplices, ajudando-o a
livrar-se do escândalo. Isto é particularmente grave por parte dos socialistas europeus
dos países-vítimas.
Se
o caso também o preocupa, use as ferramentas da democracia. Escreva pelo menos
a todos os eurodeputados portugueses — os endereços de emailsão públicos —
e peça-lhes para apoiarem a comissão de inquérito ao escândalo Luxleaks. Não
aceite que lhe fujam com os impostos, e não aceite que lhe fujam sem uma
resposta.
VER MAPA MUNDI DA CORRUPÇÃO, em Público
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