segunda-feira, 4 de maio de 2015

Portugal. A PARTE E O TODO



João Galamba – Expresso, opinião

Não se pode criticar uma medida sem atender ao contexto em que ela surge e à função que desempenha numa determinada estratégia. Olhemos para a proposta de redução da TSU para as empresas. A atual maioria, para além da redução da taxa de IRC em 4pp adicionais (dos 21% para os 17%), também quer reduzir a TSU paga pelas empresas. Juntamente com a desvalorização salarial que tem ocorrido (por via do desemprego e por via legal), a redução do IRC e da TSU constituem as prioridades estratégicas da atual maioria para relançar o investimento e o emprego. Como disse Passos Coelho: as empresas têm prioridade sobre o resto.

Os 12 economistas do PS também propõem uma redução da TSU das empresas, mas com uma lógica inteiramente distinta da sugerida por Passos Coelho. A visão de competitividade defendida ao longo de todo o relatório não ignora a importância dos custos (laborais ou outros), nem ignora a dimensão fiscal, essencial para qualquer economia num mundo globalizado. Mas percebe que o país não terá futuro, nem será bem europeu, se insistir numa estratégia obcecada com a redução dos custos laborais e com o embaratecimento (seletivo) do país.

Não há qualquer “multiplicador Marco António” no relatório. A redução da TSU para as empresas não é uma medida que aumenta (miraculosamente) o volume de investimento e emprego. Os autores do relatório não acreditam em fadas da confiança e entendem que não há retoma do investimento e do emprego sem travar a austeridade e sem apostar em políticas orçamentais que reforcem a procura. A reposição dos mínimos sociais, o complemento salarial para trabalhadores pobres, a reposição dos cortes dos salários da função pública, o fim da sobretaxa, a redução da TSU paga pelos trabalhadores em 4pp, o aumento do investimento público em reabilitação urbana, e em qualificações, ciência e inovação, a aceleração dos fundos europeus são tudo políticas que visam garantir a retoma da procura no curto prazo e, simultaneamente, apostar no crescimento sustentável de longo prazo. Há uma aposta no investimento e na qualificação do país. E há o reconhecimento do papel central do Estado nesse processo.

Mas também há o reconhecimento de que não haverá verdadeiro desenvolvimento económico e social, nem crescimento e emprego sustentáveis, se não houver incentivos à criação de emprego que seja estável. A precariedade é um custo para o trabalhador, um custo para a economia e, sobretudo, um custo para a Segurança Social. É neste contexto que surge a redução da TSU para as empresas. A redução da TSU para os contratos permanentes está associada à não descida da taxa de IRC e a um conjunto de outras medidas relativas ao mercado laboral, que têm como objetivo onerar o trabalho precário e a rotação excessiva dos trabalhadores e desonerar os contratos permanentes. É uma medida que beneficia as empresas que criam trabalho estável e que procura contribuir para combater um dos principais problemas do país: a precariedade laboral. Mas não funciona de forma isolada.

Não é correto dizer-se que esta medida descapitaliza a Segurança Social e põe em risco as pensões futuras, porque a redução da TSU faz parte de uma estratégia mais vasta, que tem como objectivo aumentar a riqueza do país e aumentar o volume e a qualidade do emprego existente, que são o único capital que a Segurança Social tem ao seu dispor. A redução da TSU, isoladamente e de forma puramente contabilística, descapitaliza a Segurança Social. Enquanto parte de uma estratégia que aposta no investimento e no emprego, e que diversifica as fontes de financiamento do sistema de pensões, deixa de ser assim. É preciso não esquecer que, para além do emprego que se pretende criar, também se propõe uma diversificação das fontes de financiamento do sistema (IRC Social, Imposto Sucessório e aumento da TSU rotação excessiva de trabalhadores).

Como é evidente, trata-se de uma estratégia que envolve riscos e que pode ser melhorada. Mas os riscos não são menores que aqueles que já existem hoje: se não for criado emprego, e se esse emprego se mantiver precário, não haverá sistema de pensões que sobreviva.

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