Baptista-Bastos – Diário de Notícias, opinião
A ideia de
professores "avaliarem" o trabalho dos seus colegas é, no fundo,
colocar uns contra outros e criar uma situação de beligerância, com
ressentimentos irreparáveis. Quando do 25 de Abril, a estratégia foi ensaiada,
e os "saneamentos" entre trabalhadores obedeciam a uma rede de
interesses, nem sempre facilmente descortináveis. Registaram-se episódios
malditos, que laceraram o princípio sagrado segundo o qual "trabalhadores
não saneiam trabalhadores." No Diário Popular, onde trabalhava, esse
princípio foi respeitado. Creio, mesmo, que no sector da imprensa se tornou
caso único. E convém adiantar que nenhum de nós possuía a experiência da
liberdade, embora alguns de nós passassem pela disciplina da luta contra o
fascismo. Guardo, de todos eles, gratas e calorosas recordações; e até dos
atritos, das quezílias, ocasionalmente azedas até ao limite, conservo a memória
de uma época reservada à nossa própria construção. Muitos, dos desse tempo,
ficaram meus amigos para sempre. Fomos envelhecendo a olhar para os trajectos
de uns e de outros, salva- guardados pelas batidas dos nossos corações. E
permaneceu o conceito fundamental de que o "saneamento" entre quem
trabalha é uma aberração a combater.
É claro que
cometemos outras injustiças, enredadas nos impulsos dos momentos, nunca, porém,
creio, moralmente reprováveis ou premeditadas. Foi assim. As grandes
solidariedades nascem dos grandes encontros, das afeições e das
correspondências culturais, que são sempre ideológicas, mas podem não ser
políticas. Avaliávamo-nos, por vezes de forma agreste, mas estávamos no olho do
vulcão, e as coisas nunca são serenas quando somos passageiros na nau. Essa
prática moldou-nos, de uma forma ou de outra.
Como num filme,
muitas cenas e episódios desenvolvem-se-me nas reminiscências, e avultaram mais
acesas, com esta "avaliação" de professores imposta pelo Crato,
criatura cada vez mais exposta à nossa execração. E quem o avalia a ele, e a
todo o Governo? Dirá, o lampeiro, que as urnas são a melhor das "avaliações."
Não são. Aliás, como se tem visto e sofrido. Que sabemos desta gente, e que
sabe esta gente de nós? Somos colocados perante factos consumados, e temos de
aceitar as escolhas a que procede o nomeado primeiro-ministro. Dirão: é o
sistema a funcionar. Direi: o sistema funciona mal. Pessoalmente, bem gostaria
de submeter estes que tais a uma vulgar sabatina cultural. Não vejo este e
aquele do Governo muito interessados em História, em Geografia, em Português,
em Gramática, em Literatura, em Artes. Manifesta-se, em todos eles, aquelas
"incongruências problemáticas" que deram fama e glória a Pedro Lomba.
Não me interessa nomear todos aqueles que demonstram uma acentuada propensão
para o patricídio. Interessa-me, sim, afirmar que são cúmplices de uma das
maiores desventuras da nossa história como colectividade e como nação.
(Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico)
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