Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Não
está em causa a idoneidade dos escolhidos, para dirigir o BES, mas a
promiscuidade que tais escolhas suscitam
1
- Em São Bento ,
a Assembleia da República reuniu para os ilustres deputados, eleitos pelo povo,
discutirem com o governo o "estado da Nação". Como é costume,
assistimos a uma vulgar sessão parlamentar. Como outra qualquer. O tema pomposo
- o estado da Nação - não altera as trivialidades que se repetem até à
exaustão. Na aparência, a julgar pelo debate e os seus ecos na comunicação
social, o país está dividido, tal como se dividem os senhores deputados. Uns -
os deputados da maioria -, dizem que tudo vai bem, como resultado das políticas
do governo nos últimos três anos (a troika foi-se embora, a economia está a
crescer, o desemprego a diminuir, as exportações estão a crescer, a dívida
externa não é um problema, enfim, o país foi salvo da bancarrota e está no
"caminho da salvação"). Outros - os deputados das oposições -
esgrimem argumentos inversos (nem a troika se foi embora, nem a economia cresce,
o desemprego mantém-se, o crescimento das exportações desacelera e este é o
"caminho para a desgraça"). Mas, para mal desta nossa cada vez mais
frágil democracia, o que mais divide o país é a distância abissal entre os
cidadãos e quem os representa. Qualquer discussão política séria sobre o estado
da Nação tinha de passar por esta divisão. O resto, a economia e a dívida, o
desemprego e a miséria, as soluções e os caminhos a seguir vinham por
acréscimo. Mas ninguém naquele conciliábulo se dá conta da indiferença com que
a maioria dos portugueses assiste a estas encenações. Nenhum daqueles
"representantes do povo", seja de que partido for, está livre de
culpa. Pensam como Luís XIV: a Nação somos nós! E já não há um Eça de Queirós
para escrever: "O país é espectador distraído: nada tem de comum com o que
se representa no palco; não se interessa pelos personagens e acha-os todos
impuros e nulos; não se interessa pelas cenas e acha-as todas inúteis e
imorais; Só às vezes, no meio do seu tédio, se lembra que para poder ver teve
que pagar no bilheteiro! Paga tudo, paga para tudo. E em recompensa dão-lhe uma
farsa."
2
- Em Belém, o senhor presidente da República reuniu o Conselho de Estado, o
qual só reúne quando há tempestades, para ouvir os seus conselheiros sobre o
"nosso futuro". Sua Exa. está muito preocupado com o
"compromisso e o diálogo interpartidário", o que no fundo significa
apenas mais uma pressão para que o PS se disponibilize, agora, ou na pior das
hipóteses depois das próximas eleições legislativas, para constituir uma
"união nacional" com os partidos da direita. Cavaco Silva não quer,
de modo nenhum, que seja posta em causa a subserviente afirmação que fez, há
dias, ao seu homólogo alemão: "Portugal aprendeu a lição". Sobre o essencial
( "Há uma questão preliminar que decidir primeiro: o que há-de ser
Portugal?" - Já questionava Almeida Garrett, em 1830) nem uma palavra.
Mas, até aqui, nesta insistência presidencial, se revela o nosso fatalismo. Em
1914, quando o partido de Afonso Costa tinha a maioria no parlamento, Manuel de
Arriaga insistia, também, num governo de "consenso interpartidário".
Escrevia, então, com ironia, João Chagas: "O Presidente chamou a
conferência os notáveis da República e persiste na ideia de fazer um governo de
concentração, com um programa de apaziguamento". Obviamente, sem sucesso.
3
- Na antiga Igreja de São Julião, o governador do Banco de Portugal, ao que
dizem, deu luz verde à substituição da tentacular família Espírito Santo à
frente do maior banco privado português, depois de muitas trapaças, por um lote
de digníssimos e respeitáveis gestores da nossa praça. Mas, para que não hajam
dúvidas que nada de essencial se altera, sobretudo na promiscuidade do poder
político com o mundo financeiro, encabeçam a lista proposta Vítor Bento,
conselheiro de Estado, nomeado por Cavaco Silva, e primeira escolha para
ministro das Finanças por Passos Coelho, como presidente da comissão executiva
e para presidente do conselho de Administração Paulo Mota Pinto, influente
deputado do partido do governo e presidente do Conselho de Fiscalização do
Sistema de Informações da República Portuguesa. Não está em causa a idoneidade
dos escolhidos, mas a promiscuidade que tais escolhas suscitam. Como
confidenciava Alexandre Herculano a Bulhão Pato: " "Isto dá vontade
de morrer!"
Jurista
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