segunda-feira, 7 de julho de 2014

Portugal: O ESTADO DA NAÇÃO E A NAÇÃO DO BES



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Não está em causa a idoneidade dos escolhidos, para dirigir o BES, mas a promiscuidade que tais escolhas suscitam

1 - Em São Bento, a Assembleia da República reuniu para os ilustres deputados, eleitos pelo povo, discutirem com o governo o "estado da Nação". Como é costume, assistimos a uma vulgar sessão parlamentar. Como outra qualquer. O tema pomposo - o estado da Nação - não altera as trivialidades que se repetem até à exaustão. Na aparência, a julgar pelo debate e os seus ecos na comunicação social, o país está dividido, tal como se dividem os senhores deputados. Uns - os deputados da maioria -, dizem que tudo vai bem, como resultado das políticas do governo nos últimos três anos (a troika foi-se embora, a economia está a crescer, o desemprego a diminuir, as exportações estão a crescer, a dívida externa não é um problema, enfim, o país foi salvo da bancarrota e está no "caminho da salvação"). Outros - os deputados das oposições - esgrimem argumentos inversos (nem a troika se foi embora, nem a economia cresce, o desemprego mantém-se, o crescimento das exportações desacelera e este é o "caminho para a desgraça"). Mas, para mal desta nossa cada vez mais frágil democracia, o que mais divide o país é a distância abissal entre os cidadãos e quem os representa. Qualquer discussão política séria sobre o estado da Nação tinha de passar por esta divisão. O resto, a economia e a dívida, o desemprego e a miséria, as soluções e os caminhos a seguir vinham por acréscimo. Mas ninguém naquele conciliábulo se dá conta da indiferença com que a maioria dos portugueses assiste a estas encenações. Nenhum daqueles "representantes do povo", seja de que partido for, está livre de culpa. Pensam como Luís XIV: a Nação somos nós! E já não há um Eça de Queirós para escrever: "O país é espectador distraído: nada tem de comum com o que se representa no palco; não se interessa pelos personagens e acha-os todos impuros e nulos; não se interessa pelas cenas e acha-as todas inúteis e imorais; Só às vezes, no meio do seu tédio, se lembra que para poder ver teve que pagar no bilheteiro! Paga tudo, paga para tudo. E em recompensa dão-lhe uma farsa."

2 - Em Belém, o senhor presidente da República reuniu o Conselho de Estado, o qual só reúne quando há tempestades, para ouvir os seus conselheiros sobre o "nosso futuro". Sua Exa. está muito preocupado com o "compromisso e o diálogo interpartidário", o que no fundo significa apenas mais uma pressão para que o PS se disponibilize, agora, ou na pior das hipóteses depois das próximas eleições legislativas, para constituir uma "união nacional" com os partidos da direita. Cavaco Silva não quer, de modo nenhum, que seja posta em causa a subserviente afirmação que fez, há dias, ao seu homólogo alemão: "Portugal aprendeu a lição". Sobre o essencial ( "Há uma questão preliminar que decidir primeiro: o que há-de ser Portugal?" - Já questionava Almeida Garrett, em 1830) nem uma palavra. Mas, até aqui, nesta insistência presidencial, se revela o nosso fatalismo. Em 1914, quando o partido de Afonso Costa tinha a maioria no parlamento, Manuel de Arriaga insistia, também, num governo de "consenso interpartidário". Escrevia, então, com ironia, João Chagas: "O Presidente chamou a conferência os notáveis da República e persiste na ideia de fazer um governo de concentração, com um programa de apaziguamento". Obviamente, sem sucesso.

3 - Na antiga Igreja de São Julião, o governador do Banco de Portugal, ao que dizem, deu luz verde à substituição da tentacular família Espírito Santo à frente do maior banco privado português, depois de muitas trapaças, por um lote de digníssimos e respeitáveis gestores da nossa praça. Mas, para que não hajam dúvidas que nada de essencial se altera, sobretudo na promiscuidade do poder político com o mundo financeiro, encabeçam a lista proposta Vítor Bento, conselheiro de Estado, nomeado por Cavaco Silva, e primeira escolha para ministro das Finanças por Passos Coelho, como presidente da comissão executiva e para presidente do conselho de Administração Paulo Mota Pinto, influente deputado do partido do governo e presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa. Não está em causa a idoneidade dos escolhidos, mas a promiscuidade que tais escolhas suscitam. Como confidenciava Alexandre Herculano a Bulhão Pato: " "Isto dá vontade de morrer!"

Jurista - Escreve à segunda-feira

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