David
Chan – Hoje Macau, opinião
No
dia 19 de Junho, o jornal de Hong Kong “Sun” publicou um artigo relativo aos
dados sobre queixas apresentadas contra juízes, sendo esta a primeira vez que o
Departamento de Justiça de Hong Kong revela tais estatísticas. De acordo com a
notícia, verificaram-se as seguintes reclamações:
Ano
|
2011
|
2012
|
2013
|
Número
total de queixas
|
112
|
126
|
141
|
Número
de queixas legítimas
|
5
|
3
|
6
|
Os
membros da Assembleia Legislativa de Hong Kong salientaram que estes dados
mostram que o número de queixas tem aumentado de ano para ano. As reclamações
lidam essencialmente com a conduta profissional e o comportamento dos juízes,
mas o número de queixas legítimas manteve-se abaixo dos 10%. Alguns
legisladores criticaram esta taxa baixa, dizendo que tal se deve a falhas do
sistema legal e aos procedimentos utilizados. Porque é que os deputados são
desta opinião? A razão é simples. De acordo com o artigo 89 da Lei Básica de
Hong Kong, um juiz só pode ser removido pelas seguintes razões:
-
inabilidade em desempenhar as suas funções, ou
- má conduta
O
poder para remover juízes foi investido no Chefe do Executivo. Antes de tomar
qualquer decisão, este é suposto escutar as recomendações de um tribunal
nomeado pelo Presidente do Tribunal de Última Instância, que deve incluir no
mínimo três juízes locais.
Se
houver uma reclamação contra o Presidente do Tribunal de Última Instância, o
Chefe do Executivo deve nomear um tribunal, composto por um mínimo de cinco
juízes, para considerar essa queixa. Qualquer decisão tem de tomar em conta as
considerações destes juízes. Além disso, o artigo 90 da Lei Básica de Hong Kong
afirma que a nomeação ou exoneração do Presidente do Tribunal de Última
Instância tem que obter o apoio da Assembleia Legislativa de Hong Kong e tem de
ser comunicada ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional para
registo.
Podemos
assim perceber que qualquer queixa contra um juiz é processada e investigada
por outros juízes. O público, os departamentos administrativos ou o Conselho
Legislativo não participam neste processo. É assim fácil de suspeitar que estes
procedimentos garantem protecção aos juízes em questão.
A
situação de Macau é semelhante à de Hong Kong. O artigo 87 da Lei Básica de
Macau estipula duas razões para o possível afastamento de um juiz, que são:
-
inabilidade em desempenhar as suas funções, ou
- a conduta pessoal do juiz não é apropriada ao desempenhar das suas funções
Uma
vez recebida uma queixa, o Presidente do Tribunal de Última Instância deve
nomear três juízes locais para formarem um tribunal para investigar a denúncia.
Se este tribunal assim o recomendar, o Chefe do Executivo pode então proceder à
demissão do juiz visado.
Porém,
se a queixa diz respeito ao Presidente do Tribunal de Última Instância, então é
a Assembleia Legislativa que deve formar um tribunal para investigar o caso.
Mais uma vez, o Chefe do Executivo tem poderes para remover o juiz se o
tribunal assim o aconselhar. Assim como em Hong Kong , a nomeação ou exoneração do Presidente
do Tribunal de Última Instância deve ser comunicado ao Comité Permanente da
Assembleia Popular Nacional para registo.
Tanto
a Lei Básica de Macau como a de Hong Kong definem os enquadramentos legais para
investigar juízes. Mas, no final do dia, acaba por ser um procedimento legal em
que juízes investigam juízes. Torna-se assim difícil convencer o público em
geral que este exercício é merecedor de confiança. Algumas pessoas podem até
afirmar que os juízes estão todos “sitting at the back” – que é uma expressão
inglesa que implica que os membros de um grupo protegem os interesses de outros
membros do mesmo grupo. Vamos supor que indivíduo A e indivíduo B pertencem ao
mesmo grupo. Se houver uma queixa sobre A, e B for o responsável pela
investigação, é normal que B venha a defender os interesses de A, pois se não o
fizer, A pode também não o fazer se a situação for invertida. Se tal
acontecesse, o indivíduo deixaria de pertencer ao grupo em questão e todos os
outros elementos poderiam se virar contra ele. Deixaria assim de haver
cooperação neste grupo, e os seus valores e morais seriam postos em questão.
Este
argumento é apenas uma dedução hipotética, pois até ao momento não há
evidências que o provem correcto.
Se
não acreditarmos no enquadramento corrente em que a investigação de juízes fica
a cargo de outros juízes, é possível mudar este procedimento. Mas antes de o
fazer, temos de considerar duas questões. Primeiro, se quisermos impedir juízes
de investigar outros juízes, teríamos de mudar os artigos 89 e 90 da Lei Básica
de Hong Kong e o artigo 87 da Lei Básica de Macau, o que não é uma tarefa
fácil. Segundo, mesmo que a investigação esteja a cargo de juiz A, deputado B
ou cidadão C, temos sempre que confiar naqueles que são nomeados para o papel.
Se não o fizermos, qualquer investigação é infrutífera.
Fazer
uma queixa contra um juiz é mais sério do que reclamar acerca da sua decisão.
Criticar a decisão manifesta descontentamento em relação a um julgamento. Mas
fazer uma queixa contra um juiz implica falta de confiança ou suspeição em
relação a essa pessoa. O juiz é a pessoa responsável por aplicar leis para
resolver disputas. Se se levantarem questões sem fundamento sobre a idoneidade
de um juiz, este passará a enfrentar dificuldades durante os seus julgamentos,
visto a sua capacidade ter sido posta em causa. Isto pode vir a afectar todo o sistema
legal. Se o queixoso e o réu não confiarem no juiz, como é que o julgamento
pode continuar? Como é que usamos um mecanismo legal para resolver contendas?
Isto levaria a uma sociedade sem ordem, pois a população deixaria de confiar
nas leis e nos regulamentos.
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