segunda-feira, 7 de julho de 2014

China – Hong Kong: QUEIXAS CONTRA JUÍZES



David Chan – Hoje Macau, opinião

No dia 19 de Junho, o jornal de Hong Kong “Sun” publicou um artigo relativo aos dados sobre queixas apresentadas contra juízes, sendo esta a primeira vez que o Departamento de Justiça de Hong Kong revela tais estatísticas. De acordo com a notícia, verificaram-se as seguintes reclamações:

Ano
2011
2012
2013
Número total de queixas
112
126
141
Número de queixas legítimas
5
3
6

Os membros da Assembleia Legislativa de Hong Kong salientaram que estes dados mostram que o número de queixas tem aumentado de ano para ano. As reclamações lidam essencialmente com a conduta profissional e o comportamento dos juízes, mas o número de queixas legítimas manteve-se abaixo dos 10%. Alguns legisladores criticaram esta taxa baixa, dizendo que tal se deve a falhas do sistema legal e aos procedimentos utilizados. Porque é que os deputados são desta opinião? A razão é simples. De acordo com o artigo 89 da Lei Básica de Hong Kong, um juiz só pode ser removido pelas seguintes razões:

- inabilidade em desempenhar as suas funções, ou

- má conduta

O poder para remover juízes foi investido no Chefe do Executivo. Antes de tomar qualquer decisão, este é suposto escutar as recomendações de um tribunal nomeado pelo Presidente do Tribunal de Última Instância, que deve incluir no mínimo três juízes locais.

Se houver uma reclamação contra o Presidente do Tribunal de Última Instância, o Chefe do Executivo deve nomear um tribunal, composto por um mínimo de cinco juízes, para considerar essa queixa. Qualquer decisão tem de tomar em conta as considerações destes juízes. Além disso, o artigo 90 da Lei Básica de Hong Kong afirma que a nomeação ou exoneração do Presidente do Tribunal de Última Instância tem que obter o apoio da Assembleia Legislativa de Hong Kong e tem de ser comunicada ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional para registo.

Podemos assim perceber que qualquer queixa contra um juiz é processada e investigada por outros juízes. O público, os departamentos administrativos ou o Conselho Legislativo não participam neste processo. É assim fácil de suspeitar que estes procedimentos garantem protecção aos juízes em questão.

A situação de Macau é semelhante à de Hong Kong. O artigo 87 da Lei Básica de Macau estipula duas razões para o possível afastamento de um juiz, que são:

- inabilidade em desempenhar as suas funções, ou

- a conduta pessoal do juiz não é apropriada ao desempenhar das suas funções

Uma vez recebida uma queixa, o Presidente do Tribunal de Última Instância deve nomear três juízes locais para formarem um tribunal para investigar a denúncia. Se este tribunal assim o recomendar, o Chefe do Executivo pode então proceder à demissão do juiz visado.

Porém, se a queixa diz respeito ao Presidente do Tribunal de Última Instância, então é a Assembleia Legislativa que deve formar um tribunal para investigar o caso. Mais uma vez, o Chefe do Executivo tem poderes para remover o juiz se o tribunal assim o aconselhar. Assim como em Hong Kong, a nomeação ou exoneração do Presidente do Tribunal de Última Instância deve ser comunicado ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional para registo.

Tanto a Lei Básica de Macau como a de Hong Kong definem os enquadramentos legais para investigar juízes. Mas, no final do dia, acaba por ser um procedimento legal em que juízes investigam juízes. Torna-se assim difícil convencer o público em geral que este exercício é merecedor de confiança. Algumas pessoas podem até afirmar que os juízes estão todos “sitting at the back” – que é uma expressão inglesa que implica que os membros de um grupo protegem os interesses de outros membros do mesmo grupo. Vamos supor que indivíduo A e indivíduo B pertencem ao mesmo grupo. Se houver uma queixa sobre A, e B for o responsável pela investigação, é normal que B venha a defender os interesses de A, pois se não o fizer, A pode também não o fazer se a situação for invertida. Se tal acontecesse, o indivíduo deixaria de pertencer ao grupo em questão e todos os outros elementos poderiam se virar contra ele. Deixaria assim de haver cooperação neste grupo, e os seus valores e morais seriam postos em questão.

Este argumento é apenas uma dedução hipotética, pois até ao momento não há evidências que o provem correcto.

Se não acreditarmos no enquadramento corrente em que a investigação de juízes fica a cargo de outros juízes, é possível mudar este procedimento. Mas antes de o fazer, temos de considerar duas questões. Primeiro, se quisermos impedir juízes de investigar outros juízes, teríamos de mudar os artigos 89 e 90 da Lei Básica de Hong Kong e o artigo 87 da Lei Básica de Macau, o que não é uma tarefa fácil. Segundo, mesmo que a investigação esteja a cargo de juiz A, deputado B ou cidadão C, temos sempre que confiar naqueles que são nomeados para o papel. Se não o fizermos, qualquer investigação é infrutífera.

Fazer uma queixa contra um juiz é mais sério do que reclamar acerca da sua decisão. Criticar a decisão manifesta descontentamento em relação a um julgamento. Mas fazer uma queixa contra um juiz implica falta de confiança ou suspeição em relação a essa pessoa. O juiz é a pessoa responsável por aplicar leis para resolver disputas. Se se levantarem questões sem fundamento sobre a idoneidade de um juiz, este passará a enfrentar dificuldades durante os seus julgamentos, visto a sua capacidade ter sido posta em causa. Isto pode vir a afectar todo o sistema legal. Se o queixoso e o réu não confiarem no juiz, como é que o julgamento pode continuar? Como é que usamos um mecanismo legal para resolver contendas? Isto levaria a uma sociedade sem ordem, pois a população deixaria de confiar nas leis e nos regulamentos.

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