quinta-feira, 30 de abril de 2015

Auditoria forense BES: "Gestão ruinosa em detrimento de depositantes, investidores e credores"




Produtos vendidos que não batem certo com as atas. Empréstimos a empresas da família muito acima do permitido. Desconhecimento de problemas sobre os quais havia informação. Terceira parte da auditoria forense ao caso Espírito Santo, sobre as contas da ES International, compromete a administração do BES com indícios de violação de deveres e indícios de gestão ruinosa.

Pedro Santos Guerreiro - Expresso

"Os factos descritos permitem concluir indiciariamente pela violação de um conjunto de deveres ao nível do sistema de controlo interno"; "No plano contraordenacional, os factos descritos (...) poderão ainda configurar a prática de infração especialmente grave de gestão ruinosa, em detrimento de depositantes, investidores e demais credores".

Estas são duas das frases da terceira parte de auditoria forense ao caso Espírito Santo, a que o Expresso teve acesso. Nesta terceira parte, em causa estão as contas da Espírito Santo International (ESI).

"Acréscimo do passivo da ESI e seu reflexo no ativo", é este o título da terceira parte da audioria forense encomendada pelo Banco de Portugal à Deloitte, que "abrange essencialmente o apuramento dos órgãos de administração do BES ao nível (i) do acréscimo do passivo financeiro da ESI e do seu reflexo no ativo, incluindo os fundamentos para a sobreavaliação de certos ativos, bem como (ii) apurar a existência de um contrato formal entre o BES e a ESI/ESR, relativamente a um eventual aconselhamento financeiro prestado pelo BES, nomeadamente no que respeita à sua intervenção na tomada de decisão de investimentos destas atividades e respetiva valorização". 

BES podia ter sabido do buraco no GES 

A Espírito Santo International, recorde-se, tinha as suas contas de 2013 com ocultação de dívida e sobreavaliação de ativos, criando um "buraco" que só foi revelado em maio de 2014. Ricardo Salgado atribuiu a responsabilidade ao contabilista, dizendo que desconhecia tais problemas; o contabilista, Francisco Machado da Cruz, disse que Salgado não só sabia como mandou esconder a dívida. Mas a auditoria forense alarga a responsabilidade a toda a administração.

Esta é uma das principais novidades deste relatório, e que pode comprometer a administração que era liderada por Ricardo Salgado: "Embora o BES estivesse na posse de informação suficiente para detetar desconformidades entre a situação reportada nas demonstrações financeiras da ESI e a sua verdadeira situação financeira e patrimonial, uma vez que o valor da dívida ESI detida em custódia era substancialmente superior ao valor da dívida reconhecida nas próprias contas da mesma empresa, não identificou, na realidade, qualquer desconformidade". 

A auditoria forense, realizada para apurar indícios criminais, revela assim que o BES tinha informação suficiente para detetar a diferença entre o passivo real e o passivo registado nas contas da ESI. Mas não o fez.  

Venda de papel comercial aos balcões: procedimentos violados

Na colocação de papel comercial da ESI "não foi realizada qualquer análise ao risco emergente, para o BES, da colocação dessa mesma dívida através dos seus balcões, designadamente o eventual risco reputacional emergente dessa atividade", prossegue a auditoria forense.  

Já quanto ao processo de aprovação de colocação do papel comercial "foram também identificadas divergências entre a informação constante das apresentações e as atas do comité ALCO (forum organizamente competente para apreciar estas materias), e aprovadas neste âmbito, com o programa efetivamente contratualizado e realizado".  

Empréstimos à ES Irmãos

Foram detetados "atos de concessão de crédito à sociedade ES Irmãos" entre 2011 e 2012 que, "embora formalmente aprovadas pelo CDFC [Comissão de Crédito], ultrapassam em muito o máximo de exposição autorizada para entidades com o nível de rating atribuído àquela entidade ("bb")". 

Esta empresa, a ES Irmãos, pertence ao Grupo Espírito Santo.

"Buraco" na ESI começou em 2008

A auditoria forense verificou que nos exercícios entre 2008 e 2013 "foram efetuados diversos lançamentos contabilísticos nas contas da ESI que conduziram em dezembro de 2012 a uma diminuição (artificial) do passivo de €1.706.469.695 [1,7 mil milhões de euros] e a um consequente aumento dos capitais próprios da ESI em base individual no montante de €652.644.004 [653 milhões de euros]".

Estes lançamentos foram "parcialmente revertidos nas demonstrações financeiras de 2013, originando então um acréscimo do passivo no montante de €1.906.446.695 [1,9 mil milhões de euros], por contrapartida de um acréscimo do ativo de €1.447.805.913 [1,4 mil milhões de euros], com efeito nos capitais próprios de €458.665.782 [459 milhões de euros]". 

As conclusões da auditoria forense permitem o envio dos indícios criminais para a PGR. 

Foto Luís Barra

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