Que
está em jogo, hoje, na reunião de emergência convocada para tentar debelar a
crise. A chantagem dos conservadores, a resistência de Atenas e o significado
global da disputa
Antonio
Martins – Outras Palavras (ontem)
Se
a velha mídia brasileira se interessasse um pouco pelos assuntos internacionais
decisivos para o futuro do planeta, a reunião extraordinária que todos os
ministros da zona do euro iniciarão esta manhã (tarde, em Bruxelas) estaria em
todas as manchetes. O encontro, por si mesmo, é um fato raro. Foi provocado
pela resistência notável da Grécia às políticas que os credores – União
Europeia (UE) e FMI, especialmente – querem lhe impor. É a primeira vez que
algo assim acontece desde 2009. Naquele ano, em meio à grande crise financeira
e sob comando da Alemanha de Angela Merkel, a UE optou por liderar a resposta
mais retrógrada: aquela que, mesmo carecendo de qualquer racionalidade lógica,
é apresentada como “sensata”, por atender aos interesses da oligarquia
financeira.
Espanha,
Itália, Irlanda, Portugal e a própria Grécia, sob governos anteriores,
curvaram-se. O Syriza, uma formação
política surpreendente, eleita pelo voto popular em Atenas, no início deste
ano, disse não. A negativa provocou um curto-circuito de enormes
proporções. Quase nada resta de democracia no Ocidente, mas parecer
democrático faz parte da narrativa que legitima o poder da oligarquia
financeira. O Syriza – assim como o Podemos,
na Espanha – aprenderam a tirar proveito desta contradição.
Os
eleitores gregos votaram, em janeiro, em favor de um estranha frente, cuja
proposta essencial é realizar as promessas de bem-estar para todos – que o
“novo” capitalismo suscitou mas não pode realizar. Para que os bancos não sejam
punidos pela crise global que provocaram, as sociedades europeias devem abrir
mão de conquistas históricas — num conjunto de políticas mal chamadas de
“austeridade”. Na Grécia, antes do Syriza, as aposentadorias já foram
rebaixadas duas vezes, assim como o salário-mínimo. Foi uma redução em
termos nominais, não apenas a provocada pela inflação. Houve privatizações
em massa: de serviços de infraestrutura como empresas de energia e portos a
parques públicos e sítios arqueológicos. A recessão resultante levou a taxa de
desemprego a mais de 30% (60%, entre a juventude), fechou pequenos negócios em
massa, provocou falta de remédios e linha de sutura nos hospitais, obrigou
centenas de milhares de pessoas a se postar, todos os dias, nas filas da sopa
grátis.
A
disputa com a Grécia mostra a pequenez moral da Europa de hoje. O pomo da
discórdia é o vencimento
de dois empréstimos de valor quase desprezível, para as finanças
globais. Espera-se que Atenas pague 1,8 bilhão de dólares ao FMI até o final de
junho; mais 7,5 bilhões de euros devidos ao Banco Central Europeu (BCE) vencem
no final de agosto. Juntos, os compromissos não perfazem 3% da dívida principal
– 146 bilhões de dólares emprestados à Grécia no pacote de “resgate” fechado em
junho de 2010, mas US$ 170 bilhões, em linhas de crédito oferecidas pelo BCE
aos bancos gregos, desde então.
A
diferença é política – e diz muito em relação aos sentidos e à ética flutuante
da globalização capitalista. Os US$ 316 bilhões da dívida principal nunca
chegaram ao povo grego. Serviram, basicamente, para que Atenas mantivesse o
pagamento de juros aos bancos privados. Por isso, paradoxalmente, a liberação
do dinheiro foi condicionada não a melhoras nas condições de vida – mas a
políticas que reduziram salários, aposentadorias e direitos sociais.
Já
os US$ 9,3 bilhões que vencem nas próximas semanas funcionam uma espécie de
torniquete. Os povos precisam aceitar a perda de direitos e riqueza, para que o
sistema financeiro, que provocou a crise aberta em 2008, continue poupado de
seus efeitos. Atenas rebelou-se e tem de
ser punida – ou o exemplo começará a ser seguido em breve, como já
ocorreu nas eleições
municipais da Espanha.
O
grande tema que separa a Grécia de seus credores, na reunião de emergência de
hoje, é a questão previdenciária. A esquerda grega foi eleita em janeiro com
base num programa que se baseava em reverter as políticas de devastação social
e favorecimento à oligarquia financeira. Os governantes europeus querem
humilhá-los, forçando-os uma nova rodada de cortes nas aposentadorias. Até o
momento, Atenas recusa-se – mas enfrenta condições extremamente desfavoráveis.
É o que veremos a seguir
Na
foto: Manifestação em Atenas contra a “troika”. Inspirada no antigo regime
soviético, denominação é apelido dado à União Europeia, Banco Central Europeu e
Comissão Europeia — instituições que impõe ao Velho Continente políticas de
“austeridade”
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