Rui
Peralta, Luanda
I
- No actual governo ucraniano o movimento SVOBODA, de extrema-direita,
conseguiu um vice-primeiro-ministro e três ministros. O SVOBODA no entanto não
é a única força politica da extrema-direita ucraniana, espaço que compartilha
com o Pravy Sektor (Sector das Direitas), organização a que pertencia,
Alexandre Muzishkovo, morto esta semana pela policia ucraniana, uma figura
grotesca, assumidamente fascista, que vangloriava-se de ter morto “uma dúzia”
de soldados russos na Chechénia, conhecido por esbofetear funcionários
judiciais e que uma vez presidiu a uma reunião da camara parlamentar regional
de Rovno transportando uma kalashnikov, que colocou sobre a mesa.
O
Pravy Sektor é um partido recente, formado um mês antes do início dos protestos
em Kiev. Agrupa vários grupos neonazis e ultranacionalistas, que consideraram o
SVOBODA demasiado moderado e está na linha política de Stefan Bandera, um
ucraniano nascido em 1909 e que morreu com 50 anos de idade, líder da UPA, uma
organização que lutou contra os soviéticos e que colaborou com os SS nazis em
1941. O UPA acabou a lutar contra todos: contra os soviéticos, contra os
alemães (Bandera acusou os nazis de não respeitarem os compromissos assumidos)
e contra os polacos do AK (Armia Krajowa). Terminada a II Guerra, o UPA foi
recuperado pela CIA, que financiou a organização até 1959, ano em que Bandera
foi assassinado pelo KGB em Munique. Sem a liderança carismática de Bandera o
UPA desintegrou-se. Bandera tem hoje dois monumentos na Ucrânia Ocidental, onde
o seu nome e memória gozam de alguma popularidade, mas é considerado, no resto
do país, uma persona non grata, fascista, colaborador da SS e designam-no por “banderovski”.
O
SVOBODA e o Sector das Direitas foram as forças de choque paramilitares nos protestos
desestabilizadores em Kiev, sendo decisivos nos choques com a Policia (onde
contam com muitos adeptos) e no derrube do anterior governo ucraniano.
Financiamentos e canais de serviços secretos da NATO actuaram em Kiev, como já
o haviam feito na “Revolução Laranja”, o que foi muito bem aproveitado pelos
grupos fascistas ucranianos.
O
governo insipido nascido desta turbulência, formado por diversas e pitorescas
figuras “moderadas” da direita ucraniana pró Ocidental, nomeou figuras
rocambolescas como Dmitri Yarosh, 42 anos de idade, líder do Sector das
Direitas, nomeado vice-secretário do Conselho da Segurança Nacional, órgão que
supervisiona os serviços de inteligência ucranianos, policia e exército. Yarosh
recusou a nomeação, apesar do responsável pelo Conselho da Segurança Nacional
ser Andri Paribu, o “Comandante da Autodefesa do Maidán”, o coordenador do
dispositivo paramilitar da acção de desestabilização que levou á queda do
anterior governo.
Paribu
foi fundador do Partido Socialista-Nacionalista da Ucrânia (SNPU), organização
neonazi, com contactos internacionais na extrema-direita europeia. Em 2004 o
SNPU transformou-se no movimento SVOBODA (Liberdade). Em 2012 Paribu ingressou
no “Batkisvshina” o partido de Júlia Timochenco, a ex-primeira-ministra julgada
e condenada por corrupção, a cumprir pena de prisão, mas antes dessa adesão,
Paribu afastou-se do SVOBODA, em 2005 e formou um novo partido
ultranacionalista (Partido Nacionalista Radical), em 2006.
Em
2010 (cinco anos depois do afastamento de Parubi e quatro anos depois da facção
do ex-SNPU reorganizar-se no Partido Nacionalista Radical) o líder do SVOBODA,
Oleg Tiagnibok, qualificou de herói um dos encarregados do campo de extermínio
nazi de Sobibor, o ucraniano Ivan Demianiuk. Nesse mesmo discurso Tiagnibok
considerou que o governo ucraniano era composto pela “mafia russo-judaica” e
apelava á abolição do parlamentarismo, realçando que o programa do SVOBODA
previa a proibição dos partidos políticos (“que apenas serviam para dividir os
ucranianos e prolongar o domínio russo-judaico”), a nacionalização da indústria
e dos meios de comunicação social, a “limpeza” da administração pública, do
exército e no sector da Educação e a “liquidação” dos intelectuais “russos e
judeus”, assim como a “reeducação e nacionalização dos ucranianos de língua
russa”.
Estas
tomadas públicas de posição do líder do SVOBODA não impediram que ministros
europeus que “solidarizaram-se” com a “revolta em Kiev” apertassem a mão a
Tiagnibok (registando o acto em fotografia, para a posterioridade, talvez para
mostrarem aos netos) e que este fosse recebido, em diversas ocasiões, pelo
embaixador alemão em Kiev. “Esqueceram-se” os ministros e os representantes
diplomáticos da U.E. e dos USA que em 2013 o Congresso Mundial Judaico pediu a
ilegalização do SVOBODA, considerando-o “um factor de desestabilização da
Ucrânia com o objectivo de eliminar fisicamente a comunidade judaica aí
residente”). De nada serviram as indicações dos sionistas! Hoje o SVOBODA conta
com três ministros no governo (ambiente, agricultura e educação) para além do
vice-primeiro-ministro, do procurador-geral e de seis governadores
provinciais.
Pela
primeira vez desde 1945, a extrema-direita ultranacionalista, fascista e
antissemita controla parcela de poder…e num governo abençoado pela “Santa
Trindade”: U.E., USA e NATO.
II
- Alguns dias depois do referendo que optou pela secessão da Crimeia e sua
integração na Federação da Rússia, Obama e o primeiro-ministro ucraniano,
Arseny Yatsenyuk encontraram-se na Casa Branca. USA e U.E. rejeitaram o
referendo da Crimeia, considerando-o uma violação á Constituição da Ucrânia e o
primeiro-ministro ucraniano afirmou, num comício em Kiev, que a “Ucrânia não
cederá nem um centímetro de terra ao Kremlin”. Por sua vez Putin defendeu a
decisão popular na Crimeia e considerou que o referendo é legítimo e uma
garantia dos interesses da população da Crimeia.
Os
laços entre a Crimeia e a Rússia são históricos. No século XVIII a Crimeia foi
anexada pelo Império Russo e a czarina Catarina, a Grande, fundou a cidade de
Sebastopol com o intuito desta ser a base da frota russa no Mar Negro. É nesta
cidade que existe a maior densidade de população de língua russa e a História
Militar testemunha a influência russa na Crimeia e reforça os laços
identitários. Em 1954 a península da Crimeia foi integrada na Republica
Socialista Soviética da Ucrânia, durante a administração de Nikita Krutshev,
que nascera na Ucrânia. Desde essa data a comunidade ucraniana na Crimeia
ascendeu a cerca de 15% da população. Mas existe uma terceira comunidade, que
reside desde á muito na península: os Tártaros. Esta comunidade, de origem
turca, foi movida deste território durante a II Guerra Mundial, antes da
ocupação nazi, mas muitos foram os tártaros, que para aqui retornaram após o
final do conflito.
Neste
panorama, é claro que o resultado do referendo era esperado, daí as
atribuladas, confusas e vigárias objecções da U.E e dos USA ao referendo,
aludindo a um pretenso direito internacional e tentando por todos os meios
impedir o reconhecimento do referendo, retirando-lhe legitimidade. Mas um facto
é que esta é uma decisão soberana, legítima, porque provém da soberania
popular.
O
referendo foi composto por duas questões: 1- “Concorda que a Crimeia adira á
Federação Russa?” 2- “Concorda com a Constituição da Crimeia, de 1992?” A
Constituição de 1992, abandonada durante as negociações com Kiev, descreve a
Crimeia como um Estado Independente e deixa em aberto a adesão á Federação
Russa, desde que decidida soberanamente e depois da proclamação da Crimeia como
nação soberana. Pela Constituição de 1992 (que foi aprovada pelo actual
referendo) só existem dois caminhos, não antagónicos, mas complementares: a
proclamação da independência e apos esta a eventual (ou não) adesão á Federação
Russa (a opção de permanência da independência implicaria que a Crimeia fosse
um Estado similar á da Abkhazia, ou aos Ossetas do Sul, países independentes,
mas na prática dependentes do apoio e do suporte russo e reconhecidos apenas
pela Federação Russa e por um pequeno numero de nações).
A
maioria russa no território é favorável á integração da Crimeia na Federação (o
que não quer dizer que haja russos da Crimeia que considerem a sua identidade
ucraniana, partindo do seguinte principio: “A Crimeia é um pequeno território
que faz parte da Ucrânia, um grande território. Se aderirmos á Federação Russa,
seremos um pequeno território inserido num território ainda maior do que a
Ucrânia”. De facto muitos russos da Crimeia apenas criticam a Kiev o não
reconhecimento da autonomia do território, ao qual acrescentam-se os receios
provocados pelos actuais acontecimentos). Os tártaros da Crimeia, que
representam cerca de 25% da população do território, são a comunidade mais preocupada
com a adesão da península á Federação Russa (receiam que os russos os forcem a
uma nova deslocação forçada, como aconteceu na União Soviética, durante a época
de Estaline). Organizaram os seus grupos de autodefesa e o Parlamento Autónomo
Tártaro apelou ao boicote do referendo.
Este
discurso do receio étnico é transversal a toda esta região. Os russos da
Crimeia temem o governo instalado em Kiev, devido ao facto de este estar
sustentado pela direita e pela extrema-direita ucraniana e temem o discurso
nacionalista ucraniano, mesmo quando este apela aos “valores do Ocidente”, com
os quias esta comunidade não se identifica plenamente. A minoria ucraniana da
Crimeia teme que os russos queiram ajustar contas com eles, devido ao que se
passa em Kiev. Os tártaros suspeitam dos russos e temem pela sua autonomia e a
minoria judaica encosta-se á maioria russa, temendo o nacionalismo ucraniano,
que noutros tempos foi responsável pela sua eliminação e quase extinção no
território.
Todo
este episódio da Crimeia ressuscita o debate “autodeterminação versus
integridade territorial” ou se preferirem a “contradição entre o direito da
autonomia e o da soberania do Estado”. Podemos pegar em inúmeros exemplos, nas
mais variadas e dispersas latitudes e longitudes (como o da Etiópia/Eritreia,
Irlanda do Norte/UK, Escócia/UK, Pais Basco/Espanha, Quebeque/Canadá) mas vamos
agarrar os protagonistas na questão da Crimeia. Comecemos pela Rússia. Na
década de 90 a pressão da NATO fez-se sentir nas fronteiras da Rússia e em toda
a Europa de Leste. Durante a questão do Kosovo e na agressão á ex-Jugoslávia a
Rússia foi impotente para travar os avanços da NATO na região. A forma como a
NATO redesenhou o mapa na ex-Jugoslávia, aproveitando as dinâmicas internas da
Federação Jugoslava em desintegração, acelerando este processo e apoiando os
direitos á autodeterminação das Republicas e regiões autónomas que a formavam.
Na
época nenhum enviado diplomático europeu ou norte-americano pôs em causa os
referendos e os direitos legítimos que estiveram por detrás das sucessivas
separações e independências que alteraram por completo o mapa da região. Mas os
comportamentos alteram-se em função dos interesses. A U.E. conhece o problema
politico (as autonomias da Galiza, da Catalunha ou da Andaluzia, para a Espanha
ou da Escócia para o UK) e militar (este ultimo no caso da Irlanda do Norte,
para o UK e no caso do Pais Basco para a Espanha) criado pelo direito á
autodeterminação e pelas lutas autonómicas e/ou separatistas e sabe que nem
mesmo as tentativas federalistas ou de unidade dos mercados e subsequente
integração politica, é suficiente para resolver o problema, pelo que a cautela
quanto a este assunto deveria prevalecer e não embandeirar em arco atrás das
propostas norte-americanas (a braços com o mesmo problema em Porto Rico).
Por
sua vez a Rússia, depois de sofrer a pressão causada pelas diversas secessões
(mantendo-se ainda alguns focos, como a Tchetchénia e outros de pequena
dimensão) estabilizou o processo interno, através da Federação, ao mesmo tempo
que reforçou-se para sacudir as pressões exercidas pela NATO nas suas
fronteiras. Na questão da Crimeia os russos agiram de forma precisa,
demonstrando um enorme calculismo, ao mesmo tempo que surgem como garantes da
autodeterminação e da soberania popular da Crimeia (e por exemplo, da
independência da Síria face á agressão estrangeira, ou como aliados
estratégicos e de importância fundamental para a soberania nacional iraniana).
E a Federação da Rússia ganha pontos, face á hipocrisia das instituições
internacionais como a ONU e como a OSCE, fazendo-as passar por o que elas são
na realidade: pontos (camuflados no caso da ONU) vitais de lançamento dos
interesses do Ocidente.
A
Federação da Rússia sabe (porque sentiu na pele) que o Ocidente é hipócrita,
ultrapassa tudo e todos para manter os seus interesses, não consulta ninguém
quando agride, ingere-se e invade outros países, não respeitando o mais
elementar direito internacional, fazendo da legitimidade um embrulho de jornal
e da legalidade uma nota de rodapé. A Crimeia representa uma lição que os
democratas de pacotilha (de todas as pacotilhas, sejam á direita ou á esquerda,
sejam defensores da democracia dos mercados ou da democracia social) devem
aprender. Pelo menos para da próxima não desempenharem papéis grotescos e
ridículos, reveladores de que quando a politica externa está entregue a
merceeiros, feirantes e mentecaptos, os únicos negócios que podem ser
conseguidos são os dos três vinténs (desastrosos, quando afinal os negociantes
concluem que as meninas já não são virgens, sendo então muito tarde para usar o
Ketchup).
III
- Há um factor que foi esquecido no meio de todo o turbilhão criado pelo
desenvolvimento deste processo: a crise económica e financeira. A Ucrânia
estava á beira da bancarrota quando os protestos se iniciaram e a situação
económica piorou. O país necessita de ajuda financeira e a situação poderá agravar-se
ainda mais se a Rússia cortar o abastecimento de gás, ou simplesmente aumentar
os preços do gás.
Este
factor, o da crise económica e financeira, esteve por detrás da Revolução
Laranja, em 2004 e vem, basicamente, desde a separação com a ex-URSS, com a
agravante da crise politica em que desde então o país mergulhou. Em 2004 a
Revolução Laranja implantou um sistema pró-Ocidental, de língua ucraniana, um
governo etnicamente ucraniano que pretendia conduzir o país para a NATO, o que
chocou com a comunidade russa que não viu com bons olhos a NATO nem gostou da
imposição do ucraniano como língua oficial, ou de verificar que os ucranianos
tinham acesso facilitado á administração central, enquanto aos russos da
Ucrânia o acesso era praticamente vedado.
Quando
a administração Obama propõe a suspensão da cimeira do G8 na Rússia (o que veio
a acontecer, a decisão já foi anunciada) e John Kerry diz que os USA consideram
excluir a Rússia do G8, estão a agravar a situação. De nada serve o discurso de
que esta é a pior coisa que aconteceu na Europa desde a agressão á Jugoslávia,
que o comportamento dos russos da Crimeia é perigoso (perigosos são os intuitos
da extrema-direita ucraniana, xenófoba, racista e antissemita, que encontra-se
alojada no novo e fragilizado governo ucraniano) que a Federação da Rússia está
a violar a carta da ONU, os Acordos de Helsínquia, os tratados bilaterais entre
a Rússia e a Ucrânia, o acordo de 1994 entre a Rússia, Ucrânia, USA e UK sobre
as armas nucleares na Ucrânia, etc., etc., etc..Esse “choradinho” de pôr as
velhinhas com a lágrima no canto do olho, ou os cânticos para “boi dormir” com
que a propaganda ocidental tenta iludir o assunto, é parte do problema e em
nada contribui para uma eventual solução.
O
problema foi criado pela U.E, pelos USA, pelo Banco Mundial e FMI, quando a
Ucrânia pediu ajuda financeira e ninguém ligou, aplicando pelo contrário o
sermão das receitas “estruturantes”, das reformas “estruturais” e do discurso
de dona de casa sobre cortes e contenção da despesa pública. Ninguém, nesse
momento, respondeu afirmativamente á Ucrânia (provavelmente porque os governos
ocidentais estavam aborrecidos pelo facto da Revolução Laranja ter sido um
absoluto falhanço, porque a sua marionete preferida, Júlia Tymochenko, foi
julgada e condenada por corrupção - caso que a maquina de propaganda da NATO
transformou em “prisioneira politica” – e porque o ultimo presidente eleito da
Ucrânia era de etnia russa) e ninguém no Ocidente, nesse momento em que a
Ucrânia pediu ajuda, lembrou-se que a Rússia tem “interesses” ignorando que a
Rússia tem “interesses” desde o século IX, quando assumiu a sua identidade
politica.
Qual
foi a ajuda norte-americana á Ucrânia? Foi o National Endowmwnt for Democracy,
milhões de livros propagandísticos, 62 projectos, e o sermão “estrutural” e “estruturante”
mas em versão simplificada (sempre foram muito pragmáticos, os USA). Quantos
desempregados tem a Ucrânia? Em que situação se encontra o sistema educativo e
o sistema de saúde? Quais os níveis de pobreza na sociedade ucraniana? Ou será
que a U.E. o que pretende é ter mão-de-obra barata provinda da Ucrânia? Boa
formação técnica a menos de metade do custo, que pode ser utilizada de forma “flexível”,
nas obras, eles, como empregadas domésticas, elas, mesmo que sejam doutores ou
engenheiros. As decadentes classes médias europeias adoram ter empregadas
domesticas ucranianas, é fino ter a limpeza da casa feita por uma doutorada e é
mais higiénico de que usar uma africana ou uma brasileira, já que a maioria dos
latino-americanos de fala hispânica preferem emigrar para os USA. Esta é, sem dúvida, uma questão “estrutural
e estruturante”.
IV
- A divisão dos centros de decisão, governo central/governos regionais é uma
questão que deverá ser debatida em todas as emendas ou alterações
constitucionais. Não apenas pelas questões de integração na economia-mundo, ou
nos novos estados produzidos pela economia-mundo, ou ainda porque essa é a
única forma de exercer a soberania popular quando esta entra em contradição com
a soberania nacional (além de ser o único mecanismo constitucional capaz de
fazer gorar as tentativas imperiais de redesenhar mapas, Estados e fronteiras).
Os USA representam um exemplo histórico deste fenómeno, quando as 13 colonias
criaram o Estado, ou em 1860, quando da secessão dos Estados do Sul. A independência da Ucrânia no período
1991-1996 é outro exemplo deste fenómeno, que apenas pode ser resolvido
constitucionalmente.
Na
Ucrânia esta questão volta a assumir preponderância, com o referendo na
Crimeia. E é, no mínimo, anedótico questionar da legitimidade deste acto, por 4
razões óbvias: 1) O governo legítimo ucraniano (nascido da soberania popular)
foi derrubado e a Constituição desrespeitada; 2) O novo governo interino de
Kiev não é legítimo; 3) O novo governo é ultranacionalista e não respeita as
comunidades que historicamente residem no território ucraniano (tártaros,
russos e judeus); 4) em consequência desta política ultranacionalista o governo
ucraniano agiu contra as comunidades e tornou-se numa ameaça para estas. Mesmo
os tártaros, que desconfiam dos russos, sentem-se desconfortados com o governo
ucraniano.
O
ultranacionalismo (e o nacionalismo de alcova, ou a estreita visão da “defesa
dos interesses nacionais” tipo “o que é nacional é bom”) e a centralização
politica não conseguem resolver os problemas regionais, as divisões
territoriais e as especificações culturais. Estes assuntos já estavam presentes
na independência da Ucrânia, na década de 90. Estruturas federais versus
estruturas unitárias é a questão que deve ser colocada no momento presente,
para preservar, readquirir e reforçar soberania, mas que não foi aplicada na
Ucrânia (ao contrario do que aconteceu nos USA, quando da independência, ou na
Rússia, que já tinha desenvolvido as estruturas federais na URSS e que as
apurou no pós-URSS para não se desintegrar, como aconteceu com a Jugoslávia, que
optou por um modelo colegial, nada adaptado ás novas realidades e necessidades
autonómicas das diversas regiões. O modelo federal autogestionário foi eficaz
no período de reconstrução da Jugoslávia do pós-guerra, mas a sua restruturação
pecou pelo facto de manter uma hierarquia de centralidades, ou seja, tornou-se
num conjunto de governos centrais).
Por
outro lado é óbvio que os USA não possuem interesses vitais (geoeconómicos) na
Ucrânia ou na Crimeia. Ao movimentarem os F-16 para a Polónia e ao aplicarem
sanções, os USA estão jogar ao nível geoestratégico (não têm um plano
geopolítico definido para a região, pelo que não podem passar do nível
geoestratégico), o que torna a situação perigosa. Neste sentido a incompetência
dos USA é monumental e tem um longo percurso histórico, espalhando pelo mundo a
sua incapacidade em determinar uma estratégia geoeconómica e em muitos casos,
uma definição geopolítica, sequer, dos quais o Vietname, Líbano, Irão, Iraque,
Afeganistão, Líbia e Síria são apenas exemplos.
Os
seus objectivos, por serem meramente geoestratégicos (e mesmo nos casos em que
são geopolíticos), ignoram o fundamental: a História, a Cultura e a Geografia
Politica e Humana das áreas onde movimentam os seus pretensos interesses. No
imaginário da elite politica e económica dos USA, reside a possibilidade mítica
de criar Estados-espelhos, Estados que espelhem o Estado norte-americano. Esse
é o ponto máximo da geopolítica dos USA. O resto é a geoestratégia costumeira
de pressionar a Rússia, estabelecer-se nas suas fronteiras e afectar o que
considera serem os interesses russos (leitura que muitas vezes é errada, porque
feita por comentadores e analistas dos movimentos da bolsa, para os quais Wall
Street é o mundo e o resto é paisagem e ornamento). Claro que os executivos,
senadores e congressistas norte-americanos estudaram eventualmente Ciências
Politicas, mas, aparentemente, não compreenderam a sua aplicação. Isto conduz a
que, na grande maioria dos casos, não façam ideia de onde estão, realmente, a
meter-se.
Atendendo
á experiencia constitucional dos USA, o federalismo é uma combinação de
autogestão e de gestão partilhada, assente na descentralização de decisões.
Cada sistema, federal ou não, deve definir nesta base o seu equilíbrio, factor
fundamental para a divisão e partilha de poderes. A política motora de
desenvolvimento tem de assentar neste equilíbrio, só possível através da
subordinação do Estado á soberania popular. Atendendo á experiencia
histórica-constitucional dos USA, quem é Obama para pronunciar um veredicto
sobre a Crimeia? O que sabe Obama e o seu estilhaçado clã democrata
(estilhaçado em relação ás origens étnicas: afro-americanos,
hispano-americanos, irlandeses, italianos, gregos, leste-europeus, judeus,
asiático-americanos e negros americanos, que rejeitam e bem as suas raízes
afro, alegando que são norte-americanos á demasiadas gerações para terem
influencias afro) ou os abutres malcheirosos dos clãs republicanos (com menos
estilhaços étnicos, pelo menos ao nível da epiderme), o que sabem esses
senhores da Ucrânia?
Atendendo
á experiencia constitucional norte-americana, o que Obama e seus muchachos,
brothers e partners deveriam dizer era que esta é uma situação delicada, que
obriga a um profundo conhecimento dos factores históricos e culturais e que a
melhor posição é a de não interferência, oferecendo os serviços dos USA para a
discussão e mediação, se requeridos, assegurando um desenvolvimento pacífico da
situação. E reconhecerem que a Crimeia tem uma longa História de laços e elos
com a Rússia e com a Ucrânia e que russo e ucranianos estão em melhor posição
de resolver as suas próprias dificuldades, dentro do âmbito histórico do seu
relacionamento. No fundo, afirmar, que os USA não têm qualquer intenção de
interferir nos assuntos internos da Ucrânia, da Crimeia e da Rússia.
Mas
o que estudaram de Ciências Politicas não dá para tanto! Ou então não
estudaram, cabularam. É que estudar é compreender…
Na foto: 95,7% da
Crimeia “mostra o dedo” para o tirano da Casa Branca - Vladimir Putin, por
Aislin – 2014, em redecastorphoto.blogspot.com
Fontes
Clayton,
Nicholas http://www.globalpost.com/dispatch/news/regions/europe/140307/crimea-referendum-plans-divide-population
Steele,
Jonathan http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/mar/02/not-too-late-for-ukraine-nato-should-back-off
Hesli,Vicki
Public support for the devolution of power in Ukraine: Regional patterns.
Europe-Asia Studies, vol. 47, No. 1, 1995
Snyder,
Timothy Bloodlands: Europe Between Hitler and Stalin, Yale University Press,
2012.
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