Nas últimas
semanas, Timor-Leste tem vivido um clima de alguma apreensão social depois de a
Polícia Nacional (PNTL) ter iniciado operações de busca e captura de membros de
dois grupos liderados por ex-veteranos acusados de criar instabilidade política
e de porem em causa as instituições do Estado.
O Estado timorense
aprovou unanimemente, no passado dia 3 de Março, uma resolução que
visa pôr fim às actividades destes grupos – o Konsello Revolusionariu Maubere
(KRM) e o Conselho Popular Democrático da República Democrática de Timor-Leste
(CPD-RDTL) - e incumbiu a PNTL de fazer cumprir a resolução.
Mauk Moruk (nome de
guerra de Paulino Gama), ex-guerrilheiro e primeiro comandante da brigadas
vermelhas das FALINTIL (movimento armado da resistência à ocupação indonésia),
é o líder do recém-criado KRM que regressou a Timor-Leste em Outubro de 2013
depois de um longo período a viver na Holanda. Em declarações aos meios de
comunicaçãoafirmou que
voltou a Timor-Leste com o objectivo de fazer uma revolução para retirar a
população da pobreza, pedindo a demissão do governo e a dissolução do
parlamento e o restabelecimento da Constituição aprovada em 1975 (primeira
declaração, unilateral, da independência).
No dia 14 de Março,
os líderes do KRM Mauk Moruk e Labarik Maia, acompanhados por L7 (nome de
guerra de Cornélio Gama, irmão de Mauk Moruk), negociaram a sua entrega à
Polícia durante várias horas no quartel geral do movimento em Fatuhada. No fim
das negociações, L7 declarou aos mediaque
iria cooperar com o Estado para garantir a paz e o bem-estar da população,
deixando o aviso que se ele pretendesse “Díli inteiro estaria a arder”.
Os dois primeiros
foram presos
preventivamente [tet], enquanto que L7 está sujeito a termo de
identidade e residência. Por outro lado, António Ai-Tahan Matak, ex-veterano e
líder da CPD-RDTL, entregou-se voluntariamente às autoridades, tendo o tribunal
decretado igualmente termo de identidade e residência.
Dias antes, a
operação policial em Lalulai, uma povoação no conselho de Baucau onde membros
do KRM estavam a viver, resultou num tiroteio entre a polícia e os
revolucionários e num polícia ferido por um cocktail molotov. A divulgação de
um video publicado
pelo jornal Tempo Semanal, que mostra cenas da actuação policial nesta
povoação, provocou [tet]
a consternação de parte do público timorense. O vídeo mostra cenas de casas
incendiadas pela polícia, bem como de um polícia a disparar para o interior da
casa de onde se vê sair, segundos depois, uma mulher com o filho ao colo.
A sucessão de
acontecimentos que levou à operação policial começou em Novembro de 2013,
quando membros do KRM foram vistos [en]
a marchar com fardas e insígnias militares num campo de futebol em Laga, no
concelho de Baucau, suscitando [tet]
uma onda de preocupação entre a população e a classe política. Mauk Moruk
desafiou então Xanana Gusmão, actual primeiro-ministro e ministro da defesa e
segurança timorense, para um debate sobre a história da luta armada na qual os
dois foram protagonistas de divergências sobre o comando da luta. O debate
decorreu no dia 11 de Novembro de 2013 no Centro de Convenções de Dili, ao qual
Mauk Moruk não compareceu. Xanana e outros antigos membros da resistência
timorense discutiram [tet]
os eventos e divisões durante a guerrilha nos anos 80, que a população pode
assistir em directo na
televisão pública (RTTL).
O CPD-RDTL, por
outro lado, é uma organização constituída em 1999 por uma facção dissidente da
FRETILIN. Ao longo dos anos esta organização tem sido acusada [en]
de utilizar fardas militares e da ocupação ilegal de terras para cultivação
comunal contra a vontade das populações locais. Ambas as organizações estão
ligadas ao grupo Sagrada Família, um grupo de resistência clandestina de
carácter animista criado nos anos 90 por L7. Cornélio Gama ou L7, conhecido
ex-guerrilheiro, beneficia de uma base de apoio popular considerável, tendo
sido eleito para deputado no mandato parlamentar anterior pelo seu partido
UNDERTIM. Apesar de Mauk Moruk não ser uma figura popular no país, alguns analistas [en]
vêem nesta relação familiar um factor potencial de angariação de uma base de
apoio mais forte.
O historiador
Matheos Messakh explica a origem do conflito entre Xanana Gusmão e Mauk Moruk
num artigo no blog de Satutimor [id].
Em 1985, Mauk Moruk desceu das montanhas e rendeu-se [pdf]
às forças indonésias depois de ter sido expulso [en]
por Xanana Gusmão das FALINTIL por liderar um grupo que se opunha à liderança
de Gusmão. Na sua análise considera ainda que as acções do KRM são uma
tentativa de capitalizar o crescente descontentamento da população com a falta
de desenvolvimento económico, especialmente entre os jovens:
Sangat mungkin
strategi Mauk Moruk adalah untuk menargetkan para pemuda yang semakin
kehilangan hak-haknya dan gampang dieksploitasi. Moruk mungkin ingin mengisi
kekosongan yang diakibatkan oleh larangan terhadap kelompok bela diri dengan
warisan klandestin dan keterlibatan dalam kekerasan tahun 2006.
É muito provável
que a estratégia de Mauk Moruk seja cativar os jovens que se sentem cada vez
mais marginalizados e que poderão ser facilmente explorados. Moruk está a
tentar preencher o vazio deixado pela proibição dos grupos de artes marciais,
que foram criados no tempo da resistência clandestina e que estiveram
envolvidos na violência em 2006.
No entanto, os
timorenses têm expressado [en]
nas redes sociais uma falta de simpatia pelo carácter ilegal das acções do KRM
e do CPD-RDTL, defendendo a via da democracia e o respeito pela Lei e
instituições do Estado. Apesar disso, estes acontecimentos têm servido de
pretexto para criticar o governo e a classe política em Díli pela corrupção
existente e pelo desequilíbrio crescente entre as elites e o resto da
população. Um membro do grupo “Emerging Leadership
in Democracy” (Liderança Emergente em Democracia) do Facebook, Gani
Uruwatu, questionou publicamente no dia 19 de Março:
Husu Parlamento
sira atu bele hasai mos Rezulusaun ba Koruptor sira !!!! ema hatai Farda deit
hasai ona Rezulusaun maibe ida nauk osan tokon ba tokon nee nusa laiha
rezulusaun ???
Vamos requerer ao
parlamento que passe uma resolução também contra os corruptores! Fazem
resoluções prontamente por causa de fardas mas para aqueles que roubam milhões
e milhões não existe uma resolução???
A propósito deste
mal-estar social, a conhecida antropóloga Elizabeth Traube fala de “unpaid wages” (contas
por pagar, em inglês) no seu trabalho etnográfico sobre Timor-Leste para se
referir às exigências da população civil e dos ex-veteranos do grupo étnico
Mambai em relação ao Estado timorense. De acordo com Traube, o povo relembra os
seus líderes que a “nação foi comprada com o seu sangue” e por esse motivo
existe a expectativa que o novo Estado timorense recompense o seu sacrifício. O
regresso de Mauk Moruk ao país passados quase 30 anos da sua rendição aos
indonésios está, de acordo com algumas opiniões [en], relacionado
com a tentativa de reconhecimento do seu papel histórico na resistência
timorense e com a expectativa de que se traduza numa posição de poder no
contexto político actual.
Os acontecimentos
recentes demonstram ainda que as alianças constituídas no período da
resistência continuam a pôr à prova a legitimidade do Estado moderno
constituído a partir de 2002 e que a história que envolve os actores da geração
da resistência continua a dominar o jogo político contemporâneo em Timor-Leste.
Na foto: Mauk Moruk
e L7 escoltados pela PNTL depois de julgamento em Díli, a 14 de Março de 2014.
Foto de António Dasiparu partilhada no website sapo.tl com licença de
reutilização
Global Voices, com
vídeos Tempo Semanal, jornal diário publicado em tétum
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