António Veríssimo
Desde há alguns
meses que Timor-Leste se debate com uma realidade que sempre existiu mas tem
sido escamoteada e manipulada pelos orgãos de comunicação social politicamente corretos, incluindo a portuguesa Agência Lusa e alguns dos profissionais que
naquele país a têm representado. Importa preservar o emprego. Quando um
profissional da informação se vê assim condicionado a democracia é um logro. Temos,
devemos, de os compreender. Mas também devemos ter consciência que se informar
tem este tipo de limites, impostos pelos governo e sistema, não se pode acreditar que
nesse país, nesses países, o regime é democrático. Não o é.
A realidade
timorense são os devaneios da elite e é a pobreza constante, a corrupção, os roubos e os conluios entre uma
elite bafienta que se apoderou do país por seus ascendentes na luta de libertação.
Assim acontece em Timor-Leste como noutros países, infelizmente. Os idos e
presentes apoderados dos poderes com mais ou pouco menos de 60 anos de idade,
os “históricos”, andam numa luta quase surda mas repleta de sacanagem para se
manterem à tona e assegurarem os seus futuros, das suas famílias e apaniguados.
Ao longo destes poucos anos de independência de Timor-Leste muitos enriqueceram estrondosa e imoralmente sem se conseguir encontrar transparência de como tal foi possível. Restando a
alternativa de que roubaram. Podem tê-lo conseguido de modo mais ou menos “legal”,
mas roubaram. Daí as suas fortunas. Algumas exibidas sem vergonha e outras nem
por isso.
Anda Timor-Leste,
na atualidade, com mais uma vaga de lutas intestinas. Isso mesmo se percebe no
artigo de Marisa Gonçalves em Global Voices com o título Grupos
de ex-guerrilheiros timorenses questionam a legitimidade do Estado, aqui
publicado no Página Global. Ali é constante pela pena de Marisa Gonçalves: “Mauk
Moruk (nome de guerra de Paulino Gama), ex-guerrilheiro e primeiro comandante
da brigadas vermelhas das FALINTIL (movimento armado da resistência à ocupação
indonésia), é o líder do recém-criado KRM que regressou a Timor-Leste em
Outubro de 2013 depois de um longo período a viver na Holanda. Em declarações
aos meios de comunicação afirmou que
voltou a Timor-Leste com o objectivo de fazer uma revolução para retirar a
população da pobreza, pedindo a demissão do governo e a dissolução do
parlamento e o restabelecimento da Constituição aprovada em 1975 (primeira
declaração, unilateral, da independência).” O que é afirmado por Mauk Moruk tem
substância. Os roubos têm sido por demais e a pobreza é por demais.
Para além de Mauk
Moruk, neste ressurgir de lutas intestinas e diarreicas em Timor-Leste, também
o Comandante L7, ex-guerrilheiro, está na liça. Ambos estão a ser julgados. E vão
dois. Mas existem muitos mais contestatários. Alguns até defendem a luta armada
para repor a genuidade dos ideais e objetivos da formação da Resistência, da Fretilin –
Falintil. Sendo assim é implícito que para aqueles ex-guerrilheiros e outros
que os acompanham, Xanana Gusmão já não é o mesmo Xanana Gusmão e que a
Fretilin já não é a mesma Fretilin, do povo e para o povo. Porque se fossem não
haveria fome, nem vários tipos de injustiças, nem corrupção, nem roubos que
recheiam as vidas faustosas de elites indiferentes à miséria, à fome, à subversão
da democracia e da justiça.
Por enquanto o que
sabemos é que os lideres deste novo movimento contestatário timorense são quem
são e têm uma boa dose de razão quando alegam que Timor-Leste foi desviado dos
seus objetivos políticos, sociais e económicos por uns quantos ex-camaradas e
que essa é uma das principais causas das injustiças sociais e impunidades que
grassam no país. Sabe-se que Mauk Moruk tem sido um persistente contestário das
vias enveredadas por Xanana Gusmão e seu séquito – aparentemente até se pode
aqui incluir Mari Alkatiri dirigente da Fretilin. Quanto a L7 transparece um
quase ex-tudo. A começar por ex-guerrilheiro, ex-Fretilin, ex-Alfredo Reinado,
ex-Gastão Salsinha… E agora ex-xananista? E que mais? Talvez um dia venhamos a compreender as razões
e atitudes de L7. Talvez.
De tudo isto, por
agora, resta uma certeza. O sistema político timorense – governo e oposição –
legislou de modo a criminalizar os seus opositores de facto. E encarcera-os para
que não restem dúvidas. Em Timor-Leste está tudo bem, tudo às mil-maravilhas, e a “democracia”
recomenda-se.
Tenho de lamentar,
e muito, que a minha boa guru Ana Loro Metan tenha feito a sua passagem para além
e me tenha deixado tão repleto de saudades, tristezas, e sem possibilidades de
mergulhar na sua sabedoria para entender melhor o que é que realmente acontece
em Timor-Leste com esta nova vaga de lutas intestinas e diarreicas. À falta de
melhor resta repôr um dos muitos artigos de Ana que foi publicado em 2010 no
Timor Lorosae Nação, blogue de que éramos corresponsáveis e que já não existe.
Contudo o texto foi aqui publicado, no Página Global faz algum tempo. Nele, a
sabedoria de Ana mostra-nos que Timor-Leste quase nada mudou de há anos a esta
data e as elites estão muito mais refinadas. Olhando para os seus umbigos elas
entendem-se. Bate certo. Pelo menos se acompanharmos a ótica de Ana Loro Metan.
Leiam, se acharem por bem.
Ana Loro Metan - Timor
Lorosae Nação, em 29.08.10 - reposição
GERAÇÃO MAIS NOVA VAI TER PODER DE FOLCLORE
Os dirigentes timorenses de mais idade, acima dos 60 (?), retiraram-se para o
interior do país para passar um fim-de-semana em convívio e debaterem a entrega
dos poderes aos mais novos. Signifique isso o que significar. Por agora não
sabemos o verdadeiro significado do que foi debatido na realidade e a que
conclusões chegaram, é possível que nunca o venhamos a saber. O tempo passa e
as mentiras crescem. Com líderes tão falsos, corruptos, vendidos e mentirosos,
acabará cada um por dizer de seu entendimento e ainda ficaremos mais baralhadas
e baralhados. É o que querem. Eles consideram-se os deuses e nós os do rebanho
que nem sabe balir. Arrogância não lhes falta. Disseram que conviveram e que
foram reatadas amizades e entendimentos. Ramos Horta declarou a garantia da
estabilidade. Como terão conversado? O que disseram? Enfrentaram os erros
cometidos e dissecaram-nos? Disse Gusmão que lamentava ter optado por
eliminações físicas de adversários políticos porque foi a única via que existia
para a almejada estabilidade? Que Alkatiri escapou a esse tipo de decisão por
uma unha negra? Ramos Horta terá explicado sobre o seu envolvimento no golpe de
estado de 2006 e da traição ao PM Alkatiri e todo o governo legítimo? Terão
usado de transparência e reconhecido seus erros, excessos, crimes, e pedido
desculpas uns aos outros? Se não que estabilidade podemos esperar? Mesmo a
aparente estabilidade será até quando? Até ao próximo golpe ou acção política
envolta em falsidade?
Vamos aguardar e ver o que dali sai, se algo sair de positivo. Devemos sempre
duvidar porque o passado assim o demonstra. Gusmão diz-se na disposição de
passar poderes para os mais jovens? Quando? Daqui por quantos anos? E Mari
Alkatiri concorda? A FRETILIN e os outros lideres mais velhos concordam? Afinal
haverá alguém que discorde? Que poder tem agora Alkatiiri para passar às
gerações mais jovens? Quer entregar a direcção da FRETILIN a Bano? A Teixeira?
A Rogério Lobato, que até já nem faz parte dos jovens? A quem? Vai privilegiar
os históricos em vez de se lhes opor? Ou não quererá Alkatiri ver-se
substituído por quem possa na realidade fazer frente às tramóias do desonesto
Xanana Gusmão e respectivos servos? É que ele vai permanecer com imensos
poderes mesmo quando parecer que já os abandonou. Tem sido exactamente isso que
veio construindo desde que pisou Timor-Leste há 10 anos atrás, essas políticas
foram delineadas antes de ele chegar a Timor-Leste e são as que têm sido
aplicadas. Timor está refém dos poderes de um só homem porque esse poder a si
lhe foi prometido e entregue. Poderes que têm vindo a ser alargados ao longo
desta década. Viu-se em 2006, viu-se no 11 de Fevereiro de 2008, vimos todos os
dias. O exército, as polícias, as secretas, as judiciárias que agora se vão
formar, os tribunais, têm um dono e são moldadas com os poderes de um dito –
por alguns – pai da nação.
Um pai? Mas um pai nunca deixa os seus filhos passarem fome de quase tudo, caso
contrário é um mau pai. Isso é o que é Xanana, ou então não é pai da nação,
coisa nenhuma. É pai dos seus filhos e família e esses estão a abarrotar de
bens, de empresas, de boa vida, de contas bancárias recheadas. E ainda há pouco
tempo quase nada tinham. Para esses ele é bom pai, bom familiar e amigo.
Repare-se em Zenilde, por exemplo. Todos se esqueceram? Porque não vão agora
ver como vive e o que tem de seu? Como foi que em tão pouco tempo conseguiu
tanta abastança? E todos os outros? E os milhões roubados já estão esquecidos?
Onde está o combate à corrupção? Que tem feito a comissão de Gusmão batizada de
KKN? A Justiça é Poder que também detém e que partilha com Horte e outros. Em
troca de medos e bens, com regalias especialíssimas. Temos visto e sabido.
Vamos esperar com desinteresse o resultado desta reunião alargada com o
objetivo da passagem dos poderes. Daqui por uns anos veremos se os poderes
continuam ou não nas mesmas mãos dos de agora. Tudo o resto será folclore.
Gusmão e mais uns quantos, detentores do “bolo” decidiram que já possuíam o
bastante para poder dividi-lo um pouco e calar opositores. Houve quem aceitasse
e foi isso que exatamente aconteceu. É isso que está a acontecer. A miséria
continua colada à pele e à alma do povo, intervalada com algumas migalhas e
nacos, mais ou menos, para aplacar a indignação, o desespero, a insurgência. E
se algo se passar de errado, que perigue a estabilidade dos poderosos, as
forças repressivas estarão atentas. Pior se não existir uma oposição que
denuncie o descalabro em que está o país. Fiquemos para ver, de preferência
também muito atentos e a pugnar por uma verdadeira justiça, uma verdadeira paz.
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