Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Em Portugal,
segundo dados do INE, há 18,7% da população em risco de pobreza. É imenso e
sobre isto é escusado haver discussão. É a maior desde 2005... não porque antes
houvesse maior taxa de pobreza, mas porque não havia este tipo de estudos.
Quase um em cada
cinco dos cidadãos corre o risco de ser pobre. Mas o pior é que esse número é
brutal para os jovens até aos 17 anos, subindo da média nacional de 18,7 para
24,4%. Isto significa que os muito jovens estão a pagar uma crise para a qual
nem sequer contribuíram. Não vamos falar do conflito geracional, mas é esta a
realidade, como todos sabemos ser real o facto de os jovens com mais de 18
anos, e já no mercado de trabalho, auferirem salários e remunerações muito
inferiores às dos que têm mais idade. Aliás, é no grupo com mais de 65 anos que
se encontra o menor risco de pobreza, apenas 14,7%. Isto, claro, é uma
estatística e, segundo a catalogação de Charles Dilke (que no século XIX
arruinou a sua carreira política na Grã Bretanha, por causa de um divórcio), as
declarações falsas podem ser organizadas, por ordem de gravidade, da seguinte
forma: petas, mentiras e estatísticas.
Ora a estatísticas
dos maiores de 65 anos é mentira por se tratar de uma média. Muitos têm
reformas douradas e queixam-se do que perdem, porque perdem qualidade de vida e
hábitos de sempre, o que não é o mesmo de estarem à beira da pobreza. Muitos
mais vivem mesmo pobremente, quase sem nada, mesmo sem capacidade de mudar de
vida ou de fazer outra coisa senão esperar que a morte os leve.
Depois, o que já se
calculava: os desempregados em risco de pobreza são 40,2%. É brutal. Mas
confesso que para mim é ainda mais brutal que 10,5% dos empregados corram o
mesmo risco, assim como 12,8% dos reformados. Mas outro mito se desfaz aqui -
os reformados, sendo após os desempregados e inativos os mais carenciados, não
se distinguem por aí além. Sobretudo quando comparados como número dos ativos
em risco.
Esperada é,
igualmente, a relação entre a parentalidade e o risco de pobreza. Famílias monoparentais
são das que mais sofrem (33,6%), mas as famílias que têm dois adultos com três
ou mais crianças sofrem ainda mais (40,4%). Há apoios para as mães solteiras,
mas escasseiam para as mães e pais com um número superior a três filhos, como
se tem queixado a Associação das Famílias Numerosas (recorde-se que, por
exemplo, bens essenciais como a água têm tarifas mais elevadas para quem gasta
mais, o que acontece numa família grande).
Outro mito é a
desigualdade. Se é verdade que a diferença entre os 80% mais ricos e os 20%
mais pobres aumentou de 5,6 vezes o rendimento para 6 vezes, já o
coeficiente de Gini, que mede as diferenças de rendimentos entre todos os
grupos populacionais, mantém-se igual a 2010 e foi em 2012 ligeiramente
inferior do que em 2011.
Mas o pior é o
resultado da privação material (são escolhidos nove itens considerados
essenciais para as famílias; considera-se sofrer de privação material quem não
tem acesso a três dos itens; privação material severa quem não tem acesso a
mais do que três desses itens). Por este indicador se vê que o empobrecimento é
real, uma vez que a privação material aumenta de 22,5% em 2010 para 25,5% em
2013. A intensidade da privação material - ou seja o número médio de itens em
falta - não se altera. Ou seja, conclui-se que o agravamento é maior na classe
média do que nos pobres. Para o cálculo da privação material concorrem itens
tão diferentes como a incapacidade de ter uma semana de férias fora de casa
(59,8% da população) ou sem capacidade para manter a casa adequadamente
aquecida (28%). Ou ainda, o mais preocupante, sem capacidade de assegurar o
pagamento imediato de uma despesa inesperada que seja próxima do valor mensal
da linha de pobreza (43,2%).
O texto vai longo,
e tendo sempre em conta que falamos de médias e não de casos concretos, o
retrato que se tira é o de um país a empobrecer, mas onde a pobreza, por vezes,
é encontrada onde menos se espera - nos jovens, nos que têm mais filhos, em
10,5 por cento dos que têm emprego.
O desesperante é
não haver uma saída imediata para esta situação. Tal como ela foi construída ao
longo de muitos anos, terá de ser destruída com medidas eficazes e não com mais
dívida contraída para dar mais subsídios. Só a criação de riqueza que
possibilite o aumento (não dos funcionários instalados atuais, nos quais me
incluo, nem sequer dos reformados mais beneficiados que sofreram por vezes
cortes brutais), mas dos trabalhadores mais jovens e daqueles que auferem um
salário mínimo de miséria.
Não é a
desigualdade de rendimentos que é aviltante. O que é aviltante é trabalhar e
não receber o suficiente para viver ou querer trabalhar e não poder.
O que dá cabo de um
país não é ele passar por dificuldades, é a falta de esperança de as superar.
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