quarta-feira, 26 de março de 2014

Portugal: UM PAÍS EMPOBRECIDO E CHEIO DE MITOS



Henrique Monteiro – Expresso, opinião

Em Portugal, segundo dados do INE, há 18,7% da população em risco de pobreza. É imenso e sobre isto é escusado haver discussão. É a maior desde 2005... não porque antes houvesse maior taxa de pobreza, mas porque não havia este tipo de estudos.

Quase um em cada cinco dos cidadãos corre o risco de ser pobre. Mas o pior é que esse número é brutal para os jovens até aos 17 anos, subindo da média nacional de 18,7 para 24,4%. Isto significa que os muito jovens estão a pagar uma crise para a qual nem sequer contribuíram. Não vamos falar do conflito geracional, mas é esta a realidade, como todos sabemos ser real o facto de os jovens com mais de 18 anos, e já no mercado de trabalho, auferirem salários e remunerações muito inferiores às dos que têm mais idade. Aliás, é no grupo com mais de 65 anos que se encontra o menor risco de pobreza, apenas 14,7%. Isto, claro, é uma estatística e, segundo a catalogação de Charles Dilke (que no século XIX arruinou a sua carreira política na Grã Bretanha, por causa de um divórcio), as declarações falsas podem ser organizadas, por ordem de gravidade, da seguinte forma: petas, mentiras e estatísticas.

Ora a estatísticas dos maiores de 65 anos é mentira por se tratar de uma média. Muitos têm reformas douradas e queixam-se do que perdem, porque perdem qualidade de vida e hábitos de sempre, o que não é o mesmo de estarem à beira da pobreza. Muitos mais vivem mesmo pobremente, quase sem nada, mesmo sem capacidade de mudar de vida ou de fazer outra coisa senão esperar que a morte os leve.

Depois, o que já se calculava: os desempregados em risco de pobreza são 40,2%. É brutal. Mas confesso que para mim é ainda mais brutal que 10,5% dos empregados corram o mesmo risco, assim como 12,8% dos reformados. Mas outro mito se desfaz aqui - os reformados, sendo após os desempregados e inativos os mais carenciados, não se distinguem por aí além. Sobretudo quando comparados como número dos ativos em risco.

Esperada é, igualmente, a relação entre a parentalidade e o risco de pobreza. Famílias monoparentais são das que mais sofrem (33,6%), mas as famílias que têm dois adultos com três ou mais crianças sofrem ainda mais (40,4%). Há apoios para as mães solteiras, mas escasseiam para as mães e pais com um número superior a três filhos, como se tem queixado a Associação das Famílias Numerosas (recorde-se que, por exemplo, bens essenciais como a água têm tarifas mais elevadas para quem gasta mais, o que acontece numa família grande).

Outro mito é a desigualdade. Se é verdade que a diferença entre os 80% mais ricos e os 20% mais pobres aumentou de 5,6  vezes o rendimento para 6 vezes, já o coeficiente de Gini, que mede as diferenças de rendimentos entre todos os grupos populacionais, mantém-se igual a 2010 e foi em 2012 ligeiramente inferior do que em 2011.

Mas o pior é o resultado da privação material (são escolhidos nove itens considerados essenciais para as famílias; considera-se sofrer de privação material quem não tem acesso a três dos itens; privação material severa quem não tem acesso a mais do que três desses itens). Por este indicador se vê que o empobrecimento é real, uma vez que a privação material aumenta de 22,5% em 2010 para 25,5% em 2013. A intensidade da privação material - ou seja o número médio de itens em falta - não se altera. Ou seja, conclui-se que o agravamento é maior na classe média do que nos pobres. Para o cálculo da privação material concorrem itens tão diferentes como a incapacidade de ter uma semana de férias fora de casa (59,8% da população) ou sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida (28%). Ou ainda, o mais preocupante, sem capacidade de assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada que seja próxima do valor mensal da linha de pobreza (43,2%).

O texto vai longo, e tendo sempre em conta que falamos de médias e não de casos concretos, o retrato que se tira é o de um país a empobrecer, mas onde a pobreza, por vezes, é encontrada onde menos se espera - nos jovens, nos que têm mais filhos, em 10,5 por cento dos que têm emprego.

O desesperante é não haver uma saída imediata para esta situação. Tal como ela foi construída ao longo de muitos anos, terá de ser destruída com medidas eficazes e não com mais dívida contraída para dar mais subsídios. Só a criação de riqueza que possibilite o aumento (não dos funcionários instalados atuais, nos quais me incluo, nem sequer dos reformados mais beneficiados que sofreram por vezes cortes brutais), mas dos trabalhadores mais jovens e daqueles que auferem um salário mínimo de miséria.

Não é a desigualdade de rendimentos que é aviltante. O que é aviltante é trabalhar e não receber o suficiente para viver ou querer trabalhar e não poder.

O que dá cabo de um país não é ele passar por dificuldades, é a falta de esperança de as superar.

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