Paulo Ferreira –
Jornal de Notícias, opinião
É um truísmo
dizer-se, como se diz à boca cheia, que os sinais animadores libertados pelos
índices através dos quais se mede o andamento da economia ainda não chegaram ao
bolso dos portugueses.
O espaço dos nossos
bolsos antes ocupado por moedas e notas está agora cheio de ar - e assim
continuará por muito tempo, parece--me. Aplica-se a mesma lógica às mesas onde
a família se senta para jantar: onde antes havia carne e peixe há agora
sucedâneos que têm em comum o facto de serem bem mais baratinhos; onde antes
havia fruta fresca há agora fruta em compota comprada num supermercado
low-cost. Quando há. É a vida. Mas não é vida.
Os números
divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre as alterações
registadas na Balança Alimentar Portuguesa no período 2008-2012 roçam o drama.
O estudo, feito de cinco em cinco anos, assinala uma queda a pique nas
disponibilidades alimentares e calóricas. O que quer isto dizer? Quer dizer que
os portugueses estão a poupar fortemente na comida e, salvo raras exceções,
estão a alimentar--se bastante pior. Não é porque queiram. É porque tem de ser.
Em 2012, por exemplo, a fruta disponível no mercado recuou para níveis de há 20
anos! As carnes de bovino e suíno baixaram, por seu turno, para níveis de há 10
e 13 anos, respetivamente. Passamos a comer mais aves, mais carne branca,
melhor para a alimentação, muito melhor para a parte do orçamento gasto no
cabaz de compras.
Diz a bastonária da
Ordem dos Nutricionistas, a propósito desta reviravolta na roda dos alimentos:
"Esta quebra no consumo [de fruta] pode ter reflexos terríveis na
saúde". Este alerta, pintado a vermelho carregado, atira-nos para o
sofrimento, o de hoje e o de amanhã. Verdade que, parafraseando Proust, só é
possível curarmo-nos totalmente de um sofrimento depois de o termos suportado
até ao fim. Sucede que o fim, esse lugar que se encontra no sítio donde
partimos para outro lado, não se vê, por muito que nos atirem com os números do
otimismo, por muito que nos vendam barata a ideia tola segundo a qual a
esperança é sempre a última vítima do carrasco.
Este afundanço nas
condições de vida dos portugueses é, claro, tributária da desesperança. É por
isso que o tempo é de exigência máxima para quem decide. Chegamos ao ponto em
que à fadiga tributária (expressão feliz de Adriano Moreira) se somam todas as
outras fadigas, tudo suscetível de nos encaminhar para um estado de anomia e
anemia social - e com bilhete só de ida. Até que ponto suportarão os portugueses
aquilo que no recato do Conselho de Ministros foi metido no famigerado
Documento de Estratégia Orçamental, cuja primeira versão terá já sido
apresentada aos nossos vigilantes? Os napolitanos dizem que o seu ouro é a
paciência, tamanho é o caos em que vivem. A deles não é maior que a nossa.
Dir-nos--ão, outra vez: é a vida. Sim, mas não é vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário