quarta-feira, 2 de julho de 2014

DEMISSÃO IRREVOGÁVEL. O “PAULO” DEMITIU-SE HÁ UM ANO



Pedro Rainho – jornal i

Há um ano, o líder centrista fez antever eleições antecipadas ao anunciar a sua demissão

"O Paulo demitiu-se".

"Qual Paulo?"

Só existe um "Paulo" nomeado desta forma no CDS. Não era possível não perceber a mensagem. Mas a reacção de João Almeida - então porta-voz do partido - à frase de Hélder Amaral espelha bem a surpresa com que o pedido de demissão de Paulo Portas foi recebido dentro do próprio CDS. Os dois deputados centristas participavam numa sessão da comissão parlamentar de Economia quando as notícias começaram a cair, uma atrás da outra, nas várias edições online dos jornais e das rádios. "O pior podia ter acontecido" depois desse 2 de Julho, admite Amaral. Foi há um ano.

A nomeação de Maria Luís Albuquerque foi a gota de água para Portas. Há muito que o parceiro menor da coligação se sentia quase uma figura de corpo presente, e a escolha do primeiro- -ministro para a vaga deixada por Vítor Gaspar nas Finanças levou o líder centrista à ruptura final. Ou quase. Acabou por ser mesmo revogável.

"É sempre mais difícil para o partido mais pequeno" gerir a correlação de forças dentro de um governo de coligação, explica Hélder Amaral. Há uma "tensão útil e permanente" em governos de vários partidos, mas esse estado de "conflito" pode até ser, na opinião do dirigente centrista, "regenerador".

Terá sido esse o caso? Quem chegasse agora a Portugal e observasse de fora o xadrez da política nacional à direita teria, no mínimo, dúvidas. Tal como há um ano, o CDS volta a testar o seu peso na coligação. Apesar dos apelos públicos feitos pelo PSD nas últimas semanas, Portas não se compromete com uma nova coligação para 2015 enquanto não conhecer as linhas com que Passos e Maria Luís pretendem coser, entre outras questões fundamentais, o Orçamento do Estado para o próximo ano.

Será apenas mais uma prova da "tensão útil", como se lhe refere Hélder Amaral. Doze meses depois "tudo mudou para melhor, a relação entre os dois partidos melhorou substancialmente e a coligação saiu reforçada", diz o centrista. A "angústia" dos dias que se seguiram ao pedido de demissão de Paulo Portas contrastam com a "serenidade" que Amaral diz existir hoje na maioria. Actualmente, acrescenta, "nenhum militante perde o sono quando há tensão no governo". Houve uma "maturação" na relação dos dois parceiros.

Mas em Julho de 2013 Paulo Portas dramatizou o discurso. Os portugueses ouviram-no apresentar-se "irrevogavelmente" fora do governo. Tinha ido "até ao limite" das suas forças. Um país inteiro ouviu as 14 frases que proferiu, palavra por palavra, com a certeza em mente de que o país caminhava para eleições antecipadas. Continuar não teria sido "politicamente sustentável" nem "pessoalmente exigível", resumiu o então ministro dos Negócios Estrangeiros - esse que era, aliás, outro problema, a posição de terceiro plano que Portas ocupava na orgânica do executivo.

Quase tudo mudou no último ano. Dentro do governo o líder centrista reforçou a sua posição, levando Passos a reeditar a figura de vice-primeiro-ministro (só Rui Machete, que ocupou o lugar de Portas na diplomacia, tinha recebido esse estatuto, em 1985, ainda que por meros dias). Portas acabou, ainda, a coordenar o diálogo do governo com a troika, ao lado da nova ministra das Finanças. Com a reorganização veio maior protagonismo político. Mas, ao dar o segundo lugar da coligação ao centrista, Passos também amarrou o parceiro de coligação aos destinos do governo, esvaziando a margem de contestação interna de que o partido desfrutou nos primeiros dois anos da legislatura.

Dentro do CDS o gesto foi compreendido. Os militantes reelegeram-no líder, com Portas a dar parcas explicações perante o partido. Para todos os efeitos, "pagou um preço elevado" pela sua tomada de posição, e seria até "injusto", diz Hélder Amaral, que alguns portugueses não tivessem ainda compreendido as suas razões. "Os portugueses deviam dizer muito obrigado" a Paulo Portas, resume o dirigente centrista.

Foto: Rodrigo Cabrita

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